GRUPO CORPO APRESENTA "TRIZ" .

Um dos maiores grupos de dança do Brasil.
triz-600

TRIZ
¡ substantivo masculino – quase nada, pequena diferença; átimo
1. LOCUÇÂO – por um triz – quase, por uma fração de segundos, por pouco, por um fio, por um tudo-nada, por um és-não-és, por um fio, por um fio de cabelo, por um ápice, por uma linha;
2. ETIMOLOGIA – de origem controversa; segundo José Pedro Machado, parece representar o grego triks/trikós = pelo, cabelo; para Antenor Nascentes, de origem provavelmente onomatopaica;

A sensação de estar sob a mira da mitológica espada de Dâmocles, suspensa por um tênue fio de crina de cavalo, foi tão imperativa durante todo o período de gestação do novo balé do Grupo Corpo que acabou não apenas se impondo como o grande mote para a sua criação, mas servindo, também, de inspiração para o seu nome: Triz – palavra de sonoridade onomatopaica, que tem nos vocábulos gregos triks/trikós (pelo, cabelo) sua mais provável origem etimológica, simbolizada pela expressão por um triz (por um fio).
Se, em “Sem Mim”, a tradição de começar no ano anterior a emprestar contornos tridimensionais à nova trilha havia sido quebrada por artes da distância continental que separava os dois autores (José Miguel Wisnik, de São Paulo, e Carlos Nuñez, de Vigo ), em “Triz”, um impedimento físico de Rodrigo Pederneiras empurrou o início dos ensaios para o final de maio, quando a obra em processo costuma estar em franca maturação. Em plena recuperação da cirurgia que em meados de fevereiro reconstituiu um tendão do ombro e dois músculos de seu braço esquerdo (o bíceps e o subescapular), em maio, o coreógrafo rompeu o menisco do joelho esquerdo, e só depois de se submeter a uma nova cirurgia, pôde dar início, com a perna imobilizada, aos trabalhos.
Para um ex-bailarino desinquieto, acostumado a coreografar demonstrando com o próprio corpo cada movimento concebido, a limitação física atuou de forma veemente em um processo de criação sobre o qual pairava já a afiada espada do tempo – exíguo demais para escrever as partes e orquestrar a partitura de 21 corpos sobre o espaço. Pesava ainda sobre sua cabeça, o brilho radical da música polirrítmica arquitetada por Lenine, construída apenas, e em aparente paradoxo, com instrumentos de corda.
Neste cenário inóspito, onde a tensão da lâmina premia inapelável e indistintamente todos os integrantes da companhia, coube a Paulo Pederneiras operar o “milagre da transformação” – através da simples proposição de que a ideia opressora do limite e da angústia da superação deixasse a condição de mera adversidade para alçar o status de tema central e metáfora maior do balé.
Com música especialmente composta por Lenine, coreografia de Rodrigo Pederneiras, cenografia e iluminação de Paulo Pederneiras e figurinos de Freusa Zechmeister, “Triz”, a trigésima quarta criação do Grupo Corpo, cumpre uma agenda nacional atípica. Sobe à cena pela primeira vez no próximo dia 30 de agosto no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, onde fica até 3 de setembro, passa em seguida pelo Theatro Municipal do Rio de Janeiro (7 a 10 de setembro) e somente em novembro (20 a 29) ocupa o Teatro Alfa, em São Paulo, palco tradicional das estreias nacionais da companhia mineira de dança.
Entre as temporadas carioca e paulista do novo espetáculo, o Grupo Corpo voa para o Sudeste Asiático e o Leste Europeu, com programas diferenciados. Em Bangkok (6 de outubro) e Singapura (11 e 12 de outubro), apresenta “Sem Mim” e “Onqotô” e, em Moscou (16, 17 e 18 de outubro), “Sem Mim” e “Parabelo”.
Na turnê nacional, o programa duplo abre com “Parabelo”, balé de 1997, com trilha assinada por Tom Zé e José Miguel Wisnik.

Cordas polirrítmicas
A experiência de compor para o Grupo Corpo a trilha de “Breu”, balé de 2007, deflagrou uma mudança no processo criativo de Lenine. Habituado a recorrer a seu baú de canções como fonte primária antes de se lançar na criação de um novo projeto, ao se defrontar com a tarefa inédita de erguer uma trilha para um espetáculo de dança, vivenciou uma espécie de sentimento de orfandade. A privação desta “cena de origem” o obrigou a se reinventar, e a se sentir mais vivo – porque em plena sintonia com o que havia de mais contemporâneo nele. Uma experiência tão transformadora e impactante que Lenine não mais sucumbiria à tentação de revisitar o velho baú.
Desta vez, como estímulo à criação de sua segunda trilha para a companhia, tratou de posicionar, ele mesmo, uma espada de Dâmocles sobre a própria cabeça: construir uma topografia musical recortada por subversões rítmicas (uma paixão) a partir de um único leitmotiv e utilizando somente instrumentos de corda. Do berimbau à balalaica, do violino ao violão, da cítara à rabeca, da tambura ao bandolim, o copioso cortejo de cordas que povoa e imprime relevo à tessitura musical de Triz tem suas possibilidades sonoras exploradas até as últimas consequências. Fosse qual fosse o instrumento de corda em questão, para chegar ao que Lenine chama de uma amplitude maior de possibilidades sonoras, ele podia ser dedilhado, percutido, friccionado, abafado, tocado em arco, só nos harmônicos, só nos pizzicatos, em compasso dobrado, ralentado. A exceção que confirma a regra foi curiosamente o piano, o mais completo dos instrumentos, que comparece com… uma nota só – o ponto final e retumbante da trilha urdida por Lenine.
Em dez temas especialmente compostos, duas digressões à norma pré-estabelecida pelo autor – que há exatos 30 anos estreava na cena musical com Baque Solto, álbum realizado em parceria com Lula Queiroga – atuam como licenças poéticas e contribuem para a imprevisibilidade da narrativa. Em Dando Corda, o tema melódico principal é reinventado através da interferência física no mecanismo de seis caixinhas de música, de melodias distintas, de onde são extraídas frações sonoras, que acionadas em sequência remetem à música-tema. Já em Corpo, o sétimo tema da trilha, é a marcação rítmica produzida pelos pés, arrastados ou percutidos, e pela respiração dos bailarinos que dá o (des)tom do (des)tema, de dois minutos aproximados de duração.
Concebida como uma única peça, de 10 movimentos, Triz, a trilha, conta, entre outras, com as participações luminosas do violinista francês Nicolas Krassik – responsável pela rabeca que brilha solitária no tema de abertura (Acordando) –, e do Quinteto da Paraíba, formado por Yerko Tabilo e André Araújo (violinos), Ronedilke Dantas (viola), Caio Diniz (violoncelo) e Xisto Medeiros (contrabaixo) –, presença decisiva em duas faixas da trilha (A Corte e Corda), registradas ‘in loco’, no estúdio Peixe Boi, em Campina Grande.
Com produção musical assinada a quatro mãos por Lenine e Bruno Giorgi, seu filho, que atua também como músico em diversas faixas, a gravação da “ópera instrumental” que inspira o novo balé do Grupo Corpo teve como base principal o estúdio O Quarto, no Rio de Janeiro, montado pelo jovem músico e produtor, que, depois de produzir os CDs Labiata e Chão, contabiliza o terceiro trabalho de grande porte realizado em colaboração com o pai.

(Cor)rompendo os limites
Se Dâmocles, o anti-herói da lenda que remonta à Itália grega do século V a.c., preferiu se manter a uma prudente distância da espada a governar sob a sua mira, os irmãos Rodrigo e Paulo Pederneiras, ao contrário, parecem ter cuidado de afiar bem, cada um, a sua lâmina, emprestando mais contundência ainda ao potencial de risco do desafio.
Com a mobilidade comprometida, o tempo correndo inexoravelmente contra ele e uma malha rítmica de uma complexidade desconcertante por destrinchar, Rodrigo Pederneiras interpôs um quarto obstáculo à construção de sua partitura de corpos. Os trios, incomuns em sua caligrafia coreográfica pela confessada dificuldade que sempre teve tanto de escrever para eles quanto de apreciá-los à distância (acha todos sempre muito parecidos), seriam, desta vez, a formação mais recorrente no balé. E mais: em consonância com o estado de desassossego em que se encontrava, ficariam, todos eles, por decreto, inacabados.
Numa obra onde a ocupação do espaço reflete necessariamente a intermitência e a dubiedade diabólicas operadas no tempo da música por Lenine ao longo de 38 minutos de trilha, a possibilidade de criar uma série de duos femininos atuou como lenitivo e respiradouro necessários tanto ao exercício da criação pelo coreógrafo, quanto à execução dos movimentos pelos bailarinos – que, nas formações de grupo, atuam em estado de tensão permanente, onde qualquer átimo, um triz que seja de imprecisão, pode se revelar fatal.
Com cerca de quinze quilômetros de cabo de aço, Paulo Pederneiras ergue uma arquitetura cênica que alude à presença soberana das cordas na trilha de Lenine, ao mesmo tempo em que se impõe como poderosa metáfora das limitações impostas à equipe de criação e aos intérpretes do Grupo Corpo na construção de Triz. Tensionados e agrupados em módulos de 100, fios de aço de 5,5 m de altura recobrem praticamente toda extensão das paredes da caixa cênica, limitando as entradas e saídas dos bailarinos a três frestas assimétricas.
Por sua dimensão e volume, o agrupamento das cordas forma uma representação hiperbólica da harpa de aço que compõe a caixa interna do piano, enquanto o espaço entre elas forja uma impressão de transparência e leveza, em contraponto poético perfeito à sensação de peso e limite trazida pela monumentalidade das paredes de aço.
O jogo lúdico com a ideia de que o limite pode não passar de uma ilusão, proposto pelo cenógrafo, tem na ocupação pontual pelos bailarinos do espaço longitudinal entre a rotunda e a cortina de aço frontal o seu maior paradigma.
Angela de Almeida
Agosto 2013
SERVIÇO

Grande Teatro do Palácio das Artes
Av. Afonso Pena, 1537
Fone: 31 3236 7400
Dias 30 e 31 de agosto – 1 e 3 de setembro
Sexta, sábado e terça, 20h30 | domingo, 19h.
Ingressos: Inteira a R$80,00 | Meia a R$40,00
Classificação etária: livre

Fonte: http://www.movimento.com/

Comentários

Postagens mais visitadas