ELEKTRA, UM SOCO NO ESTÔMAGO DO ESPECTADOR. CRÍTICA DE ALI HASSAN AYACHE NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.
Matérias publicadas nos últimos dias falam que a ópera "Elektra" de Richard Strauss tem elementos da psicanalise de Freud que viria a ser estudada anos depois. Esse discurso é para aqueles que adoram bancar os intelectuais, isso funciona em jantares após a récita ou nos intervalos da ópera e mostra um ar de intelectualidade ao seu detentor. Deixemos a psicanalise na faculdade, quando um cidadão vai à ópera o que lhe interessa é a emoção que a música unida ao teatro lhe transmite. Ele pode rir, chorar ou levar um soco no estômago. O importante é que ele saia do teatro com a arte operística incrustada na alma. Busca-se um aprimoramento cultural.
Um soco no estômago, essa é a melhor definição da ópera "Elektra" de Strauss, a música e o libreto fazem todos entrar em transe. A ação não deixa o espectador respirar. A potente e elucidativa partitura de Strauss leva a dimensões que poucos títulos conseguem.
Duvidas pairaram no ar sobre o desempenho de Eduardo Strausser como regente. Os pessimistas diziam que o jovem não tinha condições de enfrentar tamanho desafio após a saída de John Neschling. As minhas dúvidas acabaram nas primeiras notas. Regência coerente com a música e o cuidado de não encobrir os solistas se mostra acertado. Todo o peso impactante da enorme orquestra foi minimizado em um volume correto onde as notas se destacavam com clareza. Regência límpida, sem invencionices e que mostra o brilho, o drama e a tensão contidas na composição.
A direção de Livia Sabag segue o padrão de suas óperas anteriores, ambientar o enredo em outra época não afeta o desenvolvimento da ação já que a diretora com inteligência não deturpa os fatos. Consegue ser didática ao narrar a história com movimentações constantes. Utiliza velhos clichês de montagens pretéritas, como o cenário em dois níveis e a projeção de imagens. O que pode ser interpretado como falta de ousadia é sim um sinal de criatividade, esses elementos são utilizados para realçar o drama cênico que não para um segundo.
A cenografia de Nicolàs Boni ambienta e torna o clima sombrio, lembra um filme de terror com tempestade ao fundo. A utilização de dois níveis de cena pode ser questionada, a rápida movimentação dos personagens os torna dinâmicos. Os figurinos de Fabio Namatame como sempre corretos e adequados. A luz do versátil Caetano Vilela condiz com as cenas e impressiona pela cor delicada e ao mesmo tempo impactante.
As vozes femininas foram um luxo, a mulherada detonou. Começando pela protagonista, Catherine Foster tem voz possante, densa, dramática e com um timbre arrasador. Perfeitamente adaptada para Elektra, une isso a uma interpretação cênica avassaladora e uma intensidade histérica constante. Transmite medo, histeria, realismo, dor e sangue nos olhos pela morte do pai. Natasha Petrinsky dá vida a uma Climnestra amargurada, muitas vezes arrependida de seus atos. Sendo assim sua voz explode em graves expressivos que evidenciam a tristeza que o destino lhe impôs. Tocante, profunda e misteriosa é sua atuação cênica, certos momentos ficamos com ódio dela e em outros ela nos causa uma pena profunda, atinge o ápice da personagem. Emily Magee faz uma Crisótemis de luxo, a moça tem uma voz quente regada com agudos incisivos. Sempre em dúvida com seus sentimentos sobre se vingar ou não. Soprano de técnica excelente com voz luminosa e detentora de bom fraseado.
O restante da galera teve participação correta, fica chato falar mais uma vez, mas vou falar. É desnecessário trazer de fora dois cantores para os papéis de Egisto e Orestes. Um só é o suficiente e na necessidade temos muitos por aqui. Prova cabal disso é o retorno à Inglaterra do tenor que estava escalado para o papel de Egisto, Kim Begley, por conta de falecimento na família. O tenor que cantaria nos outros dias assumiu seu lugar. O Egisto de Jürgen Sacher tem voz escura com graves sólidos, mais parece um barítono. Albert Dohmen faz um Orestes com força cênica e vocal. Destaque é a excelente participação dos serviçais e das criadas, todas impecáveis.
Elektra é a penúltima ópera a ser apresentada no Theatro Municipal esse ano. As eleições trouxeram um novo prefeito. O futuro do Theatro Municipal de São Paulo é uma incógnita, pairam muitas dúvidas e poucas certeza. Afirmo aqui que o caminho para o Municipal 2017 é a produção e manutenção de um acervo de óperas a serem apresentadas por mais de duas décadas. Outra possibilidade interessante é a troca de produções entre os teatros brasileiros. E principalmente a valorização do artista nacional .
Ali Hassan Ayache
Elektra, fotos Internet.
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