RIMSKY-KORSAKOV EM DOIS TEMPOS: COM UM OLHAR HISTORICISTA. CRÍTICA DE WAGNER CORREA DE ARAUJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.


FOTOS/JÚLIA RÓNAI

Duas obras artísticas, dois gêneros estéticos, da lavra de Nikolai Rimsky-Korsakof , integram o Projeto Ópera e Balé em Um Ato, da temporada 2016 do Theatro Municipal do Rio de Janeiro.

De um lado, o  retorno ao ideário do acervo operístico russo em sua busca pela pura identificação com a literatura nacionalista,em Mozart & Salieri, de 1897, a partir de um poema dramático de Pushkin (1830).

Em paralelo,  o primado da autenticidade na retomada de um dos momentos de apogeu dos Balés Russos de Sergei Diaghilev, com Sheherazade  , criação de Michel Fokine,1910, inspirada na suíte sinfônica homônima de 1880.

A ÓPERA: MOZART & SALIERI

Um programa com o olhar armado num enfoque historicista capaz de surpreender  mas também de intrigar o público (no caso específico da ópera),mal  acostumado à fissura de um repertório lírico tradicionalista e de prevalente apelo popular.

No que alude, então, a Mozart & Salieri ,presença rara até mesmo na temporada dos grandes teatros mundiais, há que se relevar a reação distante e fria ao final de sua apresentação. Afinal, são muitos anos de ausência, aqui, do melhor da criação operística russa, depois de um último Eugen Onéguin , em 1989.

Dificultada, ainda, no estranhamento da tradução brasileira de uma ópera de rigoroso lastro e suporte na palavra literária original (Pushkin),em sua experimentação composicional/linguística de um “recitativo arioso”. De substrato psicológico/introspectivo, na narrativa confessional do invejoso Salieri atormentado pela genialidade de Mozart.

Num dos papéis universalizados por  Fiodor Chaliapin, o personagem Salieri encontra em Inácio de Nonno , com sua significativa tessitura baixo/barítono, as necessárias  modulações  verbais/dramáticas. Com menor ressonância do fraseado discursivo na performance do tenor Flavio Leite(Mozart), de alcance vocal tímido diante das culminâncias sinfônicas.

O contraponto crítico diretorial de  Daniel Herz sabe como suprir a ausência do aquarelado exotismo sonoro, comum ao acervo operístico de Korsakov(especialmente, Sadko e O Galo de Ouro).Com a sutil intensificação da pulsão emotiva do ciúme de Salieri, duplicando (com integrantes do Coro do TM) o personagem Mozart nas passagens referenciais do seu Réquiem .

Amplificado pela irreverente forma de um  piano, de dimensionamento fantasioso, escorrendo pela ambiência doméstica de Salieri, em imaginativo desenho cenográfico(Fernando Mello da Costa) e elegantes figurinos(Marcelo Marques), ressaltados no desenho da luz de Aurélio de Simoni.

O BALÉ : SHEHERAZADE

Se na ópera Mozart & Salieri a escrita musical parece outonal, em seu soturno melodismo psicológico, a orquestração de colorido peculiar das óperas e criações sinfônicas de Rimsky-Korsakov, é imanente  na sua suíte em quatro movimentos, Sheherazade. Às quais  a competente regência de Tobias Volkman, frente à OSTM, empresta dignidade no confronto desta dupla particularidade estilística.

A  decoratividade da partitura exerce envolvência e magnetismo impar em  qualquer ouvinte, tornando, assim, maior o deleite visual da sua transposição por M. Fokine para os Balés Russos. Sua memorial estreia, em 1910, trouxe-lhe, também, os signos do sensualismo orientalista que atingia a música, o teatro e a literatura .

Com uma dose inusitada de volúpia e violência, no atrevimento sequencial de suas referências orgiásticas e de mortalidade. O que possibilitou a surpresa da auto sacralização de Nijinski  ao lado da irradiante atriz/bailarina Ida Rubinstein.

A reconstituição coreográfica do italiano Toni Candeloro tem competência artesanal e legado histórico, na precisa materialização dos efeitos visuais( a partir dos figurinos e cenários pioneiros de L. Bakst) e  na noção da dinâmica gestual.

Que é correspondida pelo Balé do TM no ardor de sua representação, com destaque para as cenas de conjunto com suas danças características, e nas pantomimas solos, de rigorosa expressão corporal e domínio dos papéis (Marcelo Misailidis, Anderson Dionísio e Toni Candeloro).

Onde o grande momento é o adagio  com seu pas-de-deux apaixonado, enquanto artistas e personagens, de Zobeida  a favorita do Sultão, e o Escravo Dourado.

De enérgica e sensorial fisicalidade com Cícero Gomes e de instintiva técnica e dramaticidade em Renata Tubarão. Quando, sem virtuosismos supérfluos, estabelecem, enfim, uma carismática e compensadora empatia com o público.

Wagner Correa de Araujo


RIMSKY-KORSAKOV : ÓPERA E BALÉ EM UM ATO está em cartaz no Theatro Municipal/RJ, de quarta a sábado, 20h; domingo, 17h. 120 minutos. Até 02 de outubro.

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