ROSARIO: RECONSTRUINDO O MUNDO, ENTRE O DELÍRIO E A ARTE. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.


FOTOS/MARCELLA AZAL


Se ao ex-fuzileiro e ex-pugilista sergipano Arthur Bispo do Rosário coube, segundo o próprio,  reconstruir o mundo, e atuar como advogado dos homens no Juízo Final,  sua longa e sofrida noite de meio século, como um interno esquizofrênico, encontrou a saída na salvação pela arte.

E ao seu legado de criador espontâneo e instintivo coube um destino estético que o identificou com a vanguarda através de suas assamblages,referenciadas até a Marcel Duchamp, com prática e inspiradora base nos materiais de uso cotidiano em sua residência / manicômio (Colônia Juliano Moreira).

Capazes no post-mortem de serem levadas à Bienal de Veneza na representação brasileira, integrarem acervos museológicos e mostras internacionais, além de despertarem inúmeras releituras de sua arte/vida, do teatro ao cinema, sem esquecer a dança e as performances plástico/visuais.

Estas últimas com um forte substrato que, sempre, as aproxima ora do encantamento ritualístico artaudiano, ora às vivências psicofísicas bauschianas. O que se  torna de potencial percepção nos traços de originalidade inventiva que o múltiplo  talento do artista plástico, ator e bailarino Márcio Cunha vem imprimindo às suas incursões plásticas / espetáculos coreográficos no tríptico FridaBasquiat e, agora, Rosario.



Numa autoral pulsão integrativa de elementos da dança, da performance teatral e do processo das instalações, outra vez com prevalência em energizada imersão física e psíquica de seu idealizador e intérprete na trajetória de outro artista, este brasileiro e  marcado pelos signos da marginalidade, da exclusão, da solidão e das limitações corporais de um prisioneiro da alienação.

Aqui, o Bispo do Rosário é revivido num suporte cenográfico (Márcio Cunha/Silvia Araujo) interativo, dos estandartes, barcos de madeira, faixas, uniformes, o manto da consagração e canecas, a um atelier miniaturizado com objetos domésticos e imaginária sacro/profana. Na climática ambiência luminar (Juca Baracho) e na envolvência do score sonoro/musical (Antônio Nóbrega).

Enriquecido, sobremaneira, na participação de Arlindo, ex interno da Colônia e também artista,  através de barco de sua lavra, e na sua episódica interação cênica com Márcio Cunha, de rara emotividade palco/plateia ao possibilitar a progressão dramático / coreográfica , entre o onírico e o verismo, entre  a irracionalidade e o êxtase poético.

O que leva, ainda, a uma sensorial sintonização reflexiva da representação com a dúplice genialidade arquetípica da loucura, ligando a postulação redentora de Artaud (Tenho uma única preocupação: refazer-me) à auto – divinificada missão de Bispo do Rosário no querer “Reconstruir o mundo...Isso é a minha salvação na Terra"...
                                             Wagner Corrêa de Araújo


ROSARIO está em cartaz no Sesc/Copacabana, de quinta a sábado,às 21h: domingo, às 20h. 60 minutos. Até julho/01.

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