CIA.HÍBRIDA - CONTENÇÃO : EXORCIZANDO O PRECONCEITO E A VIOLÊNCIA SOCIAL. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.
FOTOS / RODRIGO BUAS |
Um reencontro do corpo gestual em sua origem biológica mais primitiva, mais visceral, na ancestralidade do movimento, expressando-se através de uma regressão à violência e à selvageria no “devir-animal” deleuziano que ele encerra em si.
“De um corpo confronto, arrastão, corpo que é cúmplice, testemunha e acusação", nas palavras com que o coreógrafo Renato Cruz resume sua mais recente criação para a Cia. Híbrida e que ele titulou significativamente como Contenção.
Um trabalho que, por sua incisiva nuance investigativa do gestualizar, ecoa esteticamente como um ato de protesto, de extrema urgência, para as conturbadas e obscurantistas postulações político-culturais compartilhadas no convívio deste momento de confrontos e contradições da sociedade brasileira.
Capaz de demolir e dessacralizar todos os conceitos acadêmicos da dança a que estamos acostumados como representação lúdico/artística no jogo cênico palco-plateia, intérprete-espectador, provocando a acomodação e jogando muitas verdades em nossa cara.
Indo tão longe quanto as experiências performáticas com o corpo desde Pina Bausch a Marina Abramovic mas, aqui, num devir-animal de busca da corporeidade enraizada ontologicamente na gestualidade regressiva e transgressora, capaz de ativar um ato de reflexão sobre a escalada da violência exposta na ambiência dia-a-dia, entre o domiciliar e o midiático.
FOTO/ RENATO MANGOLIN |
Desde os elementos psicofísicos dos conflitos da identidade nos embates com o preconceito de cor e de condição social, ressaltando aqui o presencial prevalente de dançarinos negros e das comunidades. Intimando-nos, literalmente, a tomar partido nesta luta contra as atitudes persecutórias, muitas vezes assassinas (na citação coreográfica de corpos imobilizados), contextualizando, assim, todas e quaisquer formas de marginalização.
Em espetáculo que num espaço cênico, de assumido minimalismo, aberto e vazio, marcado por efeitos luminares mais vazados que focais, é ocupado apenas por espectadores, ora empurrados à parede ou sitiados em compressão física, ora deslocando-se em estado de distúrbio, incitados ou assustados pela proposta performática.
Neste acompanhar de perto a respiração ofegante da representação numa quase troca de suores, pele sobre pele, de olho para olho, flui o movimento de inusitado percurso cênico, sob uma inicial pulsão pelo rastejamento e sequenciais variações grupais dos oito intérpretes-dançarinos (Daniel Oliveira, Fábio Andrade, Jefte Francisco, Luciana Monnerat, Luciano Mendes, Luidy Trindade, Raphael Lima e Yuri Braga) desde a porta de entrada do teatro.
Conectados num vocabulário próprio de formatação do movimento e de unicidade visual, desde os figurinos de malhas em tons cinzentos ao alcance de uma coesiva espontaneidade, perceptível na vigorosa construção sensorial destas incursões inventivo-experimentais que a Cia. Híbrida faz em linguagem estética inspirada na dança urbana.
Incluindo-se à destreza deste corpo-ação numa minimal dance, uma especial participação criativa de Aline Teixeira, e contando, ainda, com um energizado score sonoro desenvolvido no entremeio de rupturas de pausas de silêncio a recortes rítmicos eletrônicos com referenciais break-funk.
Tudo, enfim, conduzindo a uma integralidade técnica e artística que, na geração deste trabalho coreográfico, os levou, este ano, ao bem sucedido projeto Sesc/Parc de la Villete (Paris). E que por seu substrato estético combativo, sintonizado com a contemporaneidade, torna Contenção um espetáculo obrigatório, neste encerramento da Temporada 2019 de Dança.
Wagner Corrêa de Araújo
CIA. HÍBRIDA DE DANÇA / CONTENÇÃO está em cartaz no Espaço Sesc Copacabana, de quinta a domingo, às 20h. 60 minutos. Até 15 de dezembro.
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