SOBRE A ATUAL FALTA DE BONS INTÉRPRETES. ARTIGO DE ISAAC CARNEIRO VICTAL NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.

 


Eu não sou uma pessoa saudosista,mas tenho notado na internet e ao vivo os melômanos cada vez mais comentarem: os grandes intérpretes de música clássica estão cada vez mais raros,enquanto atualmente o nível técnico dos músicos deu uma melhorada.Como avaliar se isso é verdade?

   Anos atrás comprei num sebo uma gravação de Highlights da Tosca dirigida por Riccardo Muti. Fiquei em choque com a horrível sonoridade engolada do tenor protagonista,Giuseppe Giacomini,bem diferente dos luminosos timbres de Bergonzi e di Stefano com Callas e do jovem Carreras com Ricciarelli e Karajan,com os quais eu me acostumara.Eu não poderia imaginar que atualmente um tenor de voz engolada seria aclamado como o maior tenor do mundo,trata-se de Jonas Kaufmann! Placido Domingo foi criticado ao longo de toda carreira por ser um tenor carente de agudos,mas o que dizer então de Kaufmann,que nem timbre de tenor tem?A recente Aida com Pappano gravada por esse solista é um exemplo para mim de como não se deve cantar essa ópera.Isso vale para todos os protagonistas com suas vozes forçadas e tremidas.A intérprete de Amneris é especialmente terrível.Vozes assim no passado não passari am nem num teste para entrar no coro do teatro,quanto mais para cantar papéis de destaque.

   Na internet existe um vídeo de Karajan numa audição na qual ele contrata Sumi Jo e Cecilia Bartoli para compromissos futuros.A coreana realizou uma gravação com esse maestro do papel de Oscar no Ballo de Verdi,logo depois o regente veio a falecer.Enquanto a oriental está brilhante na sua parte,o papel principal de soprano nessa empreitada operística coube a Josephine Barstow.Não conheço pior intérprete de Amélia em disco que essa cantora inglesa.No mesmo ano de 1989 fez uma aparição essa mulher como Tosca ao lado de Pavarotti em Salzburgo,dirigidos todos por Karajan. Na gravação ao vivo do evento postada no youtube,podemos comprovar que Barstow simplesmente não tem voz e é completamente eclipsada por Pavarotti e pelas opulentas sonoridades da Filarmônica de Berlim de Karajan,aqui regendo ópera pela última vez na vida.Desde essa é ;poca,final dos anos 80,sinto que a situação só piorou.

     Existem hoje solistas que francamente,não sei como fazem carreira internacional.Falando de pianistas por exemplo,temos em Michelangeli um pianista que tirava sonoridades orquestrais do piano,como bem notou Celibidache.Ou em Pollini,a perfeição técnica aliada a uma musicalidade refinada.Por outro lado tem cada porcaria solando por aí!Cito um pianista fortão chamado Tzimon Barto como um dos piores solistas de piano que já ouvi,com o som mais percussivo,bruto e feio que tomei conhecimento.Apesar disso ele teve uma carreira respeitável,gravando para grandes selos e solando com grandes orquestras os principais concertos do repertório.Quando ouço uma gravação desse artista do Concerto em Sol de Ravel ou do Concerto N. 3 de Prokofiev,não consigo resistir a uma vontade louca de voltar aos registros de Michelandelli dessa obra de Ravel e ao prodígio de interpretaç& atilde;o de que faz gala Pollini nessa peça de Prokofiev.

     O pior disso tudo é como a música clássica é um meio cheio de panelinhas,muitos grandes ficam na sombra durante toda a carreira por não conseguirem serem aceitos nas panelinhas das pessoas certas,seguindo esses artistas rejeitados por caminhos alternativos.Recentemente conheci na internet uma violinista alemã chamada Edith Peinemann e me dei conta na hora que ela extraía uma das mais belas sonoridades que já tive o prazer de ouvir saírem de um violino.Mesmo com tão bela sonoridade,se destacou como solista de uma peça moderna e pesada como o Concerto N. 2 de Bartok,curiosamente uma obra na qual se destacaram várias mulheres violinistas como Silvia Marcovici,Kyung Wha Chung e Midori.Com exceção de ter sido protegida por George Szell,a carreira dessa artista se passou longe das grandes estrelas,realizando poucas gravações como solista,a maioria registros fr ente aos excelentes conjuntos sinfônicos de rádio do interior da Alemanha e seus regentes desconhecidos mas competentes.

      Tenho acompanhado na internet a carreira daquele que deve ser o mais velho virtuose do piano no mundo hoje em dia,o espanhol Joaquin Achúcarro,ele se apresenta publicamente desde 1946!Não conheço ninguém atualmente com oitenta e lá vai pedrada solando peças pesadas como a Rapsódia de Rachamaninoff e o Concerto Wittgenstein de Ravel. Também ao ouvir esse artista,sinto o quanto eu estou cansado desses perfeitos marteladores que se apresentam por aí como pianistas. Achúcarro afirmou numa entrevista "buscar la magia debajo del virtuosismo" e também " El piano es como una droga,ahora no puedo vivir sin música...Ahora tengo que volver a mi droga!".A sonoridade de Achucarro me lembra a do grande Aldo Ciccolini,dois grandes coloristas do teclado preto e branco do piano,inclusive acho as interpretações de ambos dos Quadros de uma Exposição de Mu ssorgsky parecidas.Infelizmente,apesar de ao longo dos seus quase noventa anos ter tido uma brilhante carreira,esse pianista espanhol me parece virtualmente desconhecido pelo grande público fora da Espanha.
 
       Voltando a falar dos cantores,se eu tivesse poder para isso dentro de uma grande gravadora,com certeza eu iria fazer uma proposta para 3 sopranos montarem um grupo chamado AS 3 SOPRANOS,para competir naquela época em que estavam no auge OS 3 TENORES.Eu escolheria 3 cantoras que por volta dos anos 80 e 90 estavam cantando divinamente,mas infelizmente são pouco conhecidas pelo publico e realizaram poucas gravações.As escolhidas seriam:

      Primeira Luciana Serra,fenomenal intérprete da Rainha da Noite de Mozart,com uma voz clara,flexível e potente.Destaca-se também sua atuação na ópera Os Contos de Hoffmann,de Offenbach. Sempre se limitou a cantar papéis adequados ao seu tipo vocal,a única gravação dela dum papel que não era de soprano coloratura foi a versão de Falstaff com Solti,na qual aparece como Alice Ford.

    Segunda Eva Mei,na minha opinião exceto por ter sido escolhida por um regente como Harnoncourt para realizar diversas gravações(Gloria de Vivaldi,Missa Solene de Beethoven, Harmoniemesse de Haydn,Réquiem de Verdi,etc) a carreira dessa soprano é um exemplo de como mesmo cantando bem,sem participar de grandes produções,a carreira de um cantor não se desenvolve plenamente.O pior para ela foi ter participado das gravações operísticas do "tenor" Andrea Bocelli,sendo que na última gravação realizada por ela cantando Micaela em Carmen ao lado do tenor pop,a voz dela já estava ficando fora de forma.Realmente é uma artista que foi subaproveitada.

     Terceira Cecilia Gasdia,a mais subvalorizada das 3,apesar de hoje ser superintendente da Fundação Arena de Verona.Muito jovem chegou a cantar nas óperas La Traviata com Kleiber,Falstaff com Giulini e Il Viaggio a Reims com Abbado.Possuía nessa época um belo timbre e uma notável capacidade de controlar as dinâmicas e a duração das notas e frases musicais.Chegou a gravar La Rondine e o papel de Liú em Turandot,de Puccini,mas como essas 3 sopranos que selecionei aqui,se manteve distante do repertório das óperas mais populares do romantismo e do verismo.Gravou muito Vivaldi e foi solista na Missa em Si Menor de Bach,num concerto dirigido por Giulini.Existe uma gravação dela como Semiramide de Rossini dirigida por Roger Norrington,no Festival Rossini de Pesaro.

       Um tenor que nunca alcançou o super estrelato,mas na minha modesta opinião,canta melhor que muita estrela por aí é o catalão Jaume Aragall. Cantou durante muito anos papéis de destaque em óperas sem esforço e com um belíssimo timbre.Assim como as sopranos anteriormente citadas,limitou seu repertório ao material que havia sido escrito sob medida para sua voz,portanto excluindo muitos títulos populares que todo tenor de ópera tem que cantar.O repertório limitado no entanto não justifica esses artista ser relativamente desconhecido do grande público,ter realizado poucas gravações nem nunca ter assinado contrato de exclusividade com uma gravadora.

    Em se tratando de regentes,estamos numa época em que jovens sobem rápido demais nessa carreira como Klaus Makela,este se expôs ao ridículo pelo despreparo ao dar uma entrevista oficial para o site da orquestra que o contratou como diretor artístico.O blog do Normam Lebrecht aproveitou a ocasião para caçoar do rapaz,este digamos assim,não parecia dar respostas muito inteligentes.O mancebo poderia com certeza ser um bom regente assistente,mas de fato nomear a criança diretor da Orquestra de Paris foi uma ideia bizarra.Tiveram a mesma ideia em Oslo,o rapaz já acumula dois cargos!Parece que querem mostrar um rosto jovem e uma carinha bonita na frente da orquestra,não consigo achar outra explicação.Para se ter uma noção,Normam Lebrecht o chamou de "boy conductor".Recordo quando Esa-Pekka Salonen,finlandês assim como Makela,asumiu seu primeiro cargo como diretor m usical da Orquestra da Rádio Sueca aos 26 anos,já era um regente formado nessa fase baby face dele.Atualmente um outro compatriota desse dois maestros citados anteriormente,um tal de Santtu-Matias Rouvalli,é um representante melhor da categoria novíssimo maestro da Finlândia.
       
       Outro caso de jovem batuta ascendente é o substituto do veterano Zubin Mehta na Filarmonica de Israel,Lahav Shani.Ele gravou um disco com interpretações frias e sem personalidade de obras de Beethoven lançado recentemente.Pode-se ver no YOUTUBE um concerto no qual Martha Argerich simplesmente engolia a Filarmonica de Israel com seu piano,ao tocarem juntos o Concerto em Sol de Ravel.O acompanhamento ficou totalmente em segundo plano e a musicalidade muito mais interessante da pianista argentina é notória na gravação.No caso de Shani,nem dá para dizer que ele é um rosto bonito na frente de uma orquestra de renome.
      
      Enquanto esses rapazes sobem rápido na vida(esse é o meu porém,nada contra boys conductors,mas contra gente que quer galgar posições de destaque em pouco tempo,sem ter mostrado ainda a que veio) por outro lado incrivelmente existiram regentes que não eram carreiristas nem egocêntricos.Preferiram trabalhar com orquestras menores,elevando o nível delas,ao invés de buscar subir até os mais altos postos.Um exemplo claro de maestro excelente que praticamente só trabalhou com orquestras de segunda foi Sergiu Comissiona.Conhecido como um construtor de orquestras,tendo marcado época como diretor da orquestra de Baltimore,ensemble sinfônico posteriormente dirigido por Marin Alsop.Requisitado também como diretor da Filarmônica de Helsinki,Sinfônicas de Gotemburgo,Houston e Vancouver e da Orquestra RTVE de Madrid.Em cada uma delas deixou sua marca,o que se percebe nas gravações que realizou .Ainda não ouvi uma gravação ruim desse diretor.Leon Fleisher disse que esse regente romeno era o melhor intérprete de música de segunda categoria do mundo,fala que revela na verdade o preconceito desse pianista com o repertório moderno e incomum do diretor.

      Portanto,além de sentirmos falta das grandes estrelas do passado nos dias de hoje,existem também intérpretes maravilhosos tanto do presente quanto do passado que estão na obscuridade. Estes necessitam da atenção do público e da crítica,precisam urgentemente serem redescobertos e reavaliados!

Isaac Carneiro Victal.

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