DUAS BIOGRAFIAS BOMBÁSTICAS, UMA DE BRITTEN OUTRA DE BERNSTEIN PARTE 1 E ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A BOMBA DE BILHETERIA DE SPIELBERG, WEST SIDE STORY 2021. ARTIGO DE ISAAC CARNEIRO VICTAL NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.

 


    Nessa primeira parte falo da polêmica biografia escrita por Joan Peyser que revela tudo sobre a vida privada de Leonard Bernstein. Como é comum acontecer na imprensa sensacionalista norte americana, o livro joga luz sobre todos os escândalos da vida de Lenny. Entre as coisas mais escandalosas que o livro descreve, estão o casamento do maestro para assegurar uma carreira e tomar o posto de um homossexual sem mulher como Dimitri Mitropoulos na Filarmônica de New York e os casos com homens que o autor de West Side Story mantinha, estando casado com Felicia Montealegre.

   Ao mesmo tempo que sou contra a censura de biografias, também sou contra a condenação moral e banimento de um artista por mal comportamento. Até onde sei Bernstein não processou a autora de sua biografia não autorizada nem se manifestou publicamente sobre ela. No livro ficamos sabendo sobre quem foi para a cama com quem e até detalhes picantes sobre o que faziam na intimidade várias personalidades. Também o artista Bernstein é analisado impiedosamente. A conclusão que a autora chega é que Bernstein atirava para tudo quanto é lado e isso o impedia de se aprofundar numa determinada atividade. Inclusive ela acusa Bernstein de se meter a discutir assuntos como filosofia e política superficialmente. O famoso diretor já tinha recebido uma acusação semelhante da parte de Tom Wolfe. Esse jornalista cunhou o termo "radical chic" para se referir ao casal Felicia e Lenny, depois que ambos deram um jantar beneficiente no luxuoso apartamento deles na Park Avenue para arrecadar fundos e custear a defesa na justiça de membros do Partido dos Panteras Negras, talvez a mais radical agremiação política que já surgiu na gringolândia em toda a sua história. Não adiantou nada o casal contra argumentar que faziam aquilo em defesa dos direitos civis e liberdades individuais.Embora o autor de Candide nunca tenha sofrido de verdade uma perseguição mesmo no auge do Marcatismo, após a publicação do artigo de Tom Wolfe em 1970 Lenny cada vez mais passa a reger os grandes clássicos e vai abandonando muita coisa da música moderna e norte americana. O maestro passa muito tempo regendo na Europa após essa data também, se dedicando a orquestras que não associamos a esse diretor, como a da Rádio Bávara, Nacional da França e Academia de Santa Cecília. A euforia das interpretações do jovem regente é substituída por andamentos cada vez mais lentos e timbres orquestrais suntuosos. Não sei se pode-se estabelecer uma relação de causa e efeito entre o artigo Radical Chic e essas mudanças, o que se sabe é o Leonard Bernstein dos anos 40, 50 e 60 é muito diferente do artista consagrado dos anos 70 e 80, tant o como pessoa quanto como artista.    A própria autora da biografia Joan Peyser( a mesma autora também escreveu uma biografia sobre Pierre Boulez) destaca que o tema principal da sua obra não é o sexo, como apareceu numa entrevista publicada no Washington Post intitulada justamente "O Sexo e a Biografia de Bernstein", mas uma curiosa característica da personalidade de LB, a saber ele sempre quis ser visto como um artista respeitável e não como um compositor de musicais da Broadway. Para ela o compositor do musical mais famoso deveria ter mandado para o inferno seu professor Koussevtzky, um velho maestro russo que desprezava musicais e se dedicado a escrever shows como West Side Story. Ela lamenta que Lenny não fez isso, ao contrário ele renegou suas raízes e talentos mais genuínos tentando escrever sinfonias e regendo clássicos como Mozart e Brahms.  É importante frisar que desde o início da carreira desse maestro seu nome e de vários de seus amigos constavam em listas negras de "comunistas" elaboradas pelo governo dos Estados Unidos. Essa turma de amigos de Lenny era composta por LGBT s, judeus, esquerdistas, artistas, ou seja como Francisco Franco disse em seu último discurso, uma "conspiración masónica-izquierdista em contubernio con la subversión comunista terrorista". A biografia de Peyser também se ocupa das estripulias esquerdistas de Bernstein.  Falando de West Side Story, a obra data dos anos 50, justamente quando Bernstein estava no ápice da carreira.  Encontrei pesquisando na internet um ótimo artigo chamado "What about doing it about the Chicanos?" publicado em PDF pela Universidade da Califórnia em Los Angeles. Nele pode-se encontrar uma verdadeira genealogia de West Side Story. Em resumo, podemos traçar as origens do musical ao fascínio que compositores franceses dos séculos XIX e XX tinham pela Espanha, esta admiração resultou em obras como Carmen de Bizet e variadas peças de Debussy e Ravel por exemplo. Atualmente esses trabalhos são parte fundamental do repertório. O grande compositor Aaron Copland estudou em Paris com Nadia Boulanger e absorveu essa fascinação dos franceses pela cultura espânica. O artigo nos informa que Copland chegou a escrever um tipo de "American Bolero", se trata da peça El Salón México. O jovem Bernstein realizou uma transcrição para piano dessa pe&cce dil;a, no intuito de fazer os pianistas americanos terem repertório do próprio país disponível e pararem de tocar em recitais peças como as Rapsódias Húngaras de Liszt.   No artigo ficamos sabendo que o sonho de Bernstein quando jovem era escrever peças como El Salón México e posteriormente ele conseguiu tal intenção ao compor o musical West Side Story. Já quando idoso o compositor e maestro se lamentava de não ser visto como criador de grandes sinfonias e concertos, isso dá razão ao que Joan Peyser afirma sobre Bernstein, de que ele não compreendeu o que Lenny sabia fazer melhor eram musicais para a Broadway, como West Side Story. Ela elogia Stephen Sondheim por ter compreendido muito melhor que Bernstein seus seus próprios dons como compositor.   Falando sobre o filme West Side Story de Spielberg, no fim de Dezembro de 2021 quando escrevo esse artigo, tudo indica a película é um fracasso retumbante de público, ou usando um estrangeirismo na moda, o filme flopou! Isso está ocorrendo apesar da aclamação crítica quase universal pelo trabalho. Presenciei pessoalmente no cinema filas quilométricas para ver O Homem Aranha, em contraste na minha seção do musical em outra sala só tinham 4 pessoas. Na minha opinião Hollywood depois de muitos anos sem produzir musicais e produzindo muitas porcarias não vai atrair de novo as massas para esse tipo de filme com a facilidade de antes. Fazendo uma comparação, uma pessoa viciada em fast food e Coca Cola normalmente não adota sem dificuldade uma dieta saudável. O que está ocorrendo é mais ou menos o que Bernstein queria, seu musical mais famoso, nessa versão cinematográfica de 2021, está chamando mais a atenção dos entendidos e da crítica que das massas. Um outro processo que se nota é a quantidade cada vez maior de cantores operísticos e orquestras que incluem algo da música de West Side Story no repertório de concertos e recitais.   Remarco que essa música de que estamos falando não é tão fácil quanto parece. Partitura brilhantemente orquestrada, temos números como uma fuga ( Cool ) e o quinteto Tonight, onde Bernstein retoma uma prática da polifonia medieval de introduzir obscenidades numa peça vocal polifônica. Trata-se de um tipo de senha entre o Riff "womb to tomb" respondida pelo Tony "sperm to worm". Esse é meu número preferido, juntamente com o Mambo, uma peça fantástica para orquestra. Mesmo o número preferido por todos, América (na partitura está escrito "Tempo di Huapango, música típica mexicana), se caracteriza por um curioso ritmo cruzado bem perceptível no início da canção. Como se expressou o letrista Stephen Sondheim "uma das coisas que aprendi com ele (Bernstein) foi não necessariamente pensar sem pre em termos de frases de 2, 4 e 8 compassos. Sobre as versões para o cinema de 61 e 21, o filme antigo é incomparavelmente superior ao novo. Os pontos altos da velha película são o Prólogo sobrevoando Nova York até chegar ao West Side e o encontro de Tony e Maria no meio das danças no ginásio. Além disso a primeira versão dá muito mais espaço para a música de Bernstein ser ouvida e a coreografia de Jeromy Robbins ser vista. Uma grande acerto, dado que a música é a melhor coisa em West Side Story, seguida pela coreografia de Robbins. Spielberg várias vezes coloca diálogos em cima das músicas, ao ponto de um número curto como Jump ser totalmente encoberto por falas. Existem diálogos curtos mesmo no meio do mambo. Tem muita violência real no filme de 2021, no lugar das brigas coreografadas de 1961. A coreografia bem diferente da original no número "Cool" e toda a mudança feita no filme de Spielberg colocando Tony para cantar esse trecho, mostram certa ousadia do diretor neste remake. Realmente a grande estrela dessa versão é o próprio diretor. Nunca ficamos parados assistindo as danças ou ouvindo as músicas como na versão de Wise, para meu gosto o filme é cheio de cortes. A nova produção evita o excessivo artificialismo dos cenários de estúdio da antiga produção e os atores usando maquiagem para escurecer a pele. Realmente a nova produção reflete a época em que foi feita, colocando ênfase no fato de que o bairro onde se passa a história de West Side hoje não existe mais. A população pobre que nele residia foi expulsa de Manhattan para no lugar levantarem construções como a Metropolitan Opera e a Sala da Filarmônica de Nova York, área também conhecida como Lincoln Center. O antigo filme não tinha como refletir sobre essas questões, pois as demolições e reconstruções ainda estavam acontecendo. O novo filme tem muito mais diálogos que o anterior, mas graças a direção ágil cheia de ação e cheia de cortes de Spielberg, assisti quase 3 horas e o tempo passou tão depressa que nem fiquei com vontade de ir ao banheiro.    Musicalmente por mais que o diretor tenha afirmado que sua obra era mais próxima do musical de 57 que do filme, o arranjador David Newman segue muitas mudanças que o arranjador do filme de 61 Jhonny Green realizou, como por exemplo uma versão modificada e mais longa de "América". A partitura do musical e a do primeiro filme, ambas produções foram orquestradas por Sid Ramin e Irwin Kostal. Bernstein gravou o musical que possui uma delicada e engenhosa orquestração para 30 executantes, dentre os quais muitos se revezam tocando vários instrumentos, para dar cabo de uma partitura que inclui castanholas, maracas, bateria, sax barítono e baixo, violão e guitarra elétrica mas exclui as violas. Tanto as "Danças Sinfônicas"  quanto as versões cinematográficas de 61 e 21 usam uma orquestra muito maior que a do musical de 57.  Não dá para comparar as vozes de Ansel Elgort e Rachel Zegler com outros intérpretes famosos dos seus respectivos papéis, até pois a preparação vocal deles e do resto do elenco optou por enfatizar as consoantes e a clareza da dicção no lugar da beleza linha de canto. São todos cantores medíocres, destaco os pobres agudos de Zegler, nem vou falar dos agudos de Elgort, pois ele não tem agudos. Como atriz a intérprete de Maria até mostra maior variedade de expressões que Elgort, o maior canastrão do filme e curiosamente o ator com a carreira mais consolidada nessa produção.   Ariana deBose, Mike Faist e David Alvarez estão todos competentes nos seus papéis, mas a primeira não consegue superar a atuação de Rita Moreno no primeiro filme. Gosto muito mais da voz e da dança de Rita em "América". Por falar nessa senhora, ela balbuciando a música realmente não tem mais voz para cantar "Somewhere" como fez em sua participação especial no filme de 2021, apesar de ainda atuar muito bem. Uma coisa que pouca gente está se dando conta é que não apenas todos os atores cantam nessa produção de Spielberg, mas diversos números foram gravados com os artistas cantando no momento em que a cena se desenrola, no lugar de fazerem playback. POR FAVOR PAREM COM ISSO! Cenário de filme não tem acústica para cantores atuarem. Que contraste com o filme de Wise, nele quase nenhum ator cantava, destaco a cantora que dublou Nathalie Wood, Marni Nixon. Procurem conhecer a arte dessa mulher, gravou uma sensacional interpretação de "Summertime" de Gershwin e um excelente ciclo de canções sobre poemas de Emily Dickson, de Copland. Minhas gravações favoritas deste musical são a versão com o elenco original da Broadway de 1957, a trilha do filme de 61 e o registro de Bernstein se vc ignorar os cantores inadequados e quiser ouvir toda a riqueza da orquestração. A melhor gravação recente é o registro com o tenor italiano Vittorio Grigolo e a soprano da Nova Zelândia Hayley Westenra. Por falar nesses dois últimos solistas, eles demonstram para Rachel Zegler e Ansel Elgort que é possível ser jovem e bonito e cantar bem. Beleza e talento algumas vezes se encontram na mesma pessoa. No caso de Zegler ainda acho que ela pode desenvolver uma carreira como atriz, mas Elgort é só mais um exemplo de galã canastrão que nas mais diversas situações sempre está com a mesma cara.Uma coisa que me marcou muito ao ver o filme de 2021 é o quanto essa música, sem ser datada, soa uma coisa dos anos 50. Ela tem um pouco de um Jazz ainda popular e dançante, um primórdio de rock, uma miscelânia de música da América Latina, tudo muito característico da época em que a peça foi composta. Como já mencionei anteriormente, tanto Copland quanto Bernstein escreveram música influenciada por estilos da América Latina como Rumba, Mambo, Cha-Cha-Cha, Paso Doble, Merengue, Samba e Bossa Nova. Uma curiosidade que o artigo universitário citado por mim nos informa é que a comunidade judaica, a qual pertenciam Bernstein, Arthur Laurents, Stephen Sondheim e Jerome Robbins era uma das maiores entusiastas dessa moda de ritmos latinos que existiu nos Estados Unidos nos anos 50. O próprio Spielberg, também judeu, conta que seu rígido pai não deixava ningu&eac ute;m escutar outra coisa que música clássica dentro de casa. A primeira coisa mais popular que passou na peneira do velho chefe da família foi a música de West Side Story. Desde criança o diretor é obcecado por esse musical.    Em resumo, West Side Story de 1961 é um dos melhores filmes musicais de todos os tempos e West Side Story 2021 é uma tentativa, muito bem sucedida diga-se de passagem, de produzir um remake de um clássico numa época muito ruim para o gênero de filme musical. Para os dias de hoje essa obra de Spielberg até que está ótima, mas o filme de 61 surgiu no ápice da época dos musicais no cinema.

Isaac Carneiro Victal

Comentários

  1. Segundo a Wikipedia, os últimos dados de 5 de Janeiro de 2022 confirmam o fracasso comercial da versão de Spielberg para esse clássico. A produção arrecadou mundialmente 48,9 milhões de dólares e custou 100 milhões mas precisaria arrecadar 300 milhões para cobrir todos os custos, incluindo distribuição e publicidade. Toda a tentativa do diretor de tornar um musical mais realista, restringindo as coreografias apenas aos momentos indispensáveis, colocando por ex. os Jets e os Sharks para brigarem de verdade, pois está claro que para Spielberg o balé das gangues deixava os rapazes efeminados, tudo isso foi em vão. Quem gosta de musical ou de balé ou de ópera não se importa com o artificialismo do gênero, ao contrário até gosta. Por outro lado tentar atrair público novo para essas formas de arte através da introdução, na medida do possível, de maior realismo não costuma funcionar. Isaac Carneiro Victal.

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  2. Gostaria de esclarecer essas letrinhas embaralhadas, na primeira rasura se deveria ler "uma transcrição para piano dessa música", na segunda "não deixava ninguém escutar". Também gostaria de corrigir esqueci de fechar as aspas em "Tempo di Huapango" e depois da citação que fiz de Sondheim. Outra correção "no lugar da beleza da linha de canto". Isaac Carneiro Victal.

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  3. Muito obrigado por ter disponibilizado os valiosos comentários sobre Bernstein e sobre West Side Story. Sempre achei que esta obra, Candide e Fancy Free são as mais interessantes do compositor. Certamente ele queria ser lembrado por sua Mass e por suas sinfonias, mas elas serão logo esquecidas pelo público.

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