RUSALKA / DVORÁK : UMA RARIDADE OPERÍSTICA NO PALCO DO MUNICIPAL CARIOCA ENCERRA A TEMPORADA 2024. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.
Rusalka, uma ópera de Antonin Dvorák mais que centenária (1901), estreada em Praga, chega só agora ao TMRJ. Nada que pareça tão inusitado, pois foi apresentada também no Scala de Milão apenas em 2023, antecedida em similar proporção temporal para o presente século, em outros reconhecidos palcos operísticos - na Ópera de Paris (2001) e no Convent Garden de Londres (2012). Embora seja a mais relevante, entre as dez óperas do celebrado compositor tcheco, por sua inovadora linguagem orquestral, absorvendo influências composicionais wagnerianas conectadas a temas de canções folclóricas boêmias, Rusalka tornou-se popular entre os apreciadores do gênero por uma única ária - a Canção à Lua. Seu libreto, do poeta e dramaturgo tcheco Jaroslav Kvapil, recorre primordialamente ao famoso conto de fadas de Hans Christian Andersen - A Pequena Sereia - que por sua vez inspirou desde versões cinematográficas dos Estúdios Disney a um musical americano (2007), que foi grande sucesso no Brasil a partir de sua montagem paulista em 2022. O enredo de sustento fabular, transposto à ópera, ultrapassando os limites de fantasia do texto literário original, ao abordar com um sotaque mais psicológico o sonho de uma personagem do fundo de um lago, contextualizada como ninfa ou sereia e denominada Rusalka, desejando poder se transformar em ser humano e, assim, desfrutar dos prazeres do amor. Rusalka/A. Dvorák. André Heller-Lopes/Concepção direcional. Ludmila Bauerfeldt/Russalka. Novembro/2024. Daniel Ebendinger/Fotos. |
E é a partir deste confronto, água e terra, através de um espírito aquático e um príncipe terrestre que se desenvolve a trama. Entremeada pela bruxa (Jezibaba) que dá permissão ao desejo da protagonista titular com terrível imposição - tornar-se muda na sua transmutação em mulher apaixonada, nunca podendo seu amante ser infiel a ela.
Em papéis mais coadjuvantes, aparecem ainda Vodnik, o Senhor das Águas, um guarda caça e seu auxiliar de cozinha, incluindo-se ainda um grupo de ninfas, além da Princesa Estrangeira mais os integrantes do coro, como os convidados das núpcias no palácio do Príncipe.
Em outra das potenciais criações cenográficas de Renato Theobaldo, aqui frontalizada por projeções visuais de imagens em movimento, sugestionando uma paisagem aquática/celeste, enriquecida pelos efeitos luminares psicodélicos de Gonzalo Córdoba. Mas prejudicada, em parte, por certo atravancamento do espaço cênico com estantes de orquestra, cadeiras e um piano de cauda, no lugar do que seria um bosque circundante ao lago.
O que intefere, por vezes, na limitação dos movimentos dos cantores, especialmente no Ato I, remetendo quase a um concerto cênico. A montagem ainda tem como destaque o habitual requinte indumentário conferido por Marcelo Marques, sob tonalidades atemporais com sutis traços de modernidade.
O clima de envolvência propiciado por uma partitura plena de elementos sinfônicos wagnerianos, como alguns leitmotivs, alterna passagens ora dramáticas, ora líricas com evocação romantizada de acordes de canções tradicionais tchecas, com absoluta correspondência no acerto da condução orquestral da OSTM por Luiz Fernando Malheiro.
Onde brilha um staff performático com algumas das melhores vozes da nossa cena lírica. A começar da soprano Ludmila Bauerfeldt (Rusalka) capaz de se destacar, tanto em suas primorosas nuances de extensão vocal como nos pianíssimos comoventes da Canção à Lua. Ao seu lado, a força da atuação dramático-vocal da mezzo-soprano Denise de Freitas (Jezibaba) e as icônicas presenças da soprano Eliane Coelho (Princesa Estrangeira) e do baixo-barítono Lício Bruno (Vodnik).
E, ainda, a atuação convicta do tenor Giovanni Tristacci, principalmente na carismática cena final com o dueto de amor, vingança e morte, moldado sob um inspirado referencial sinfônico/vocal do Liebestod do Tristão e Isolda, adicionando outro dos singulares elementos sinfônico/vocais integrados à partitura de Dvorák para Rusalka.
Valendo ressaltar a importância da inclusão desta montagem inédita no repertório do Municipal carioca, sob um diferencial ideário estético/cênico de seu régisseur André Heller-Lopes, conectado à prevalente tendência nos palcos e filmagens de se resgatar esta ópera rara, sempre com um olhar sintonizado pela contemporaneidade...
Wagner Corrêa de Araújo
Rusalka encerrou a Temporada Lírica 2024/TMRJ, do dia 14 a 24/novembro, em diversos horários e na alternância de dois elencos.
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