OS PESCADORES DE PÉROLAS : SOB UM ORIENTALISMO OPERÍSTICO À FRANCESA, TMRJ CELEBRA O SESQUICENTENÁRIO DA MORTE DE BIZET. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.
| Os Pescadores de Pérolas. Ópera de G. Bizet/TMRJ. Julianna Santos/Direção Concepcional. Luiz Fernando Malheiro/Regência . Ludmilla Bauerfeldt /Protagonista feminina. Julho/2025. Daniel Ebendinger/Fotos. |
Considerada a segunda ópera mais conhecida de Georges Bizet, ainda que sem o alcance popular da Carmen, Os Pescadores de Pérolas teve uma trajetória limitada desde a sua polêmica estreia em 1863. Criticada à época, com ferina ironia, pelo Le Figaro - “Não havia pescadores no seu libreto, nem pérolas em sua música”- e friamente recebida pelo público foi relegada ao esquecimento.
Voltando ao repertório apenas tempos depois da morte prematura de Bizet, após passar por algumas revisões em seu libreto e na sua estrutura musical, com a inclusão de temas retirados de outras óperas suas não bem sucedidas, recurso a que já tinha recorrido o seu próprio compositor.
Através de uma narrativa equivocada até para os padrões operísticos vigentes então, com uma história de reviravoltas quase ingênuas que abrangem sua temática e seus personagens, alcançando culminância em seu novelesco final.
Onde uma comunidade de pescadores de pérolas nos mares do ancestral Ceilão e o respeitado aldeão Zurga, escolhido por eles como líder, aguardam a vinda de Leila, uma mulher virgem considerada uma figura mística, uma espécie de emissária do deus da Índia - Brahma.
| Os Pescadores de Pérolas/TMRJ. Barítono Vinicius Atique (Zurga) e tenor Carlos Ullán (Nadir). Julho/2025. Daniel Ebendinger/Fotos. |
Por outro lado, nesta sua volta à aldeia, Zurga reencontra um amigo de infância Nadir, ambos celebrando a fidelidade dos seus laços fraternais. Até a precipitação fatalista dos acontecimentos com o despertar de velhas paixões amorosas que envolvem Leila, tanto com Nadir como por Zurga, através de um enigmático colar de pérolas...
Em mais uma das artesanais direções cênicas/concepcionais de Julianna Santos reconstituindo, aqui, a ambientação comportamental do grupo de pescadores cingaleses. Imersos no ofício que mantém e dá vida à comunidade - a pesca marítima, no caso priorizando a riqueza das pérolas - no entremeio de crenças religiosas e conflitos de poder e por violentos ciúmes de amor.
Numa precisa ocupação da caixa cênica (Desirée Bastos) com alguns elementos materiais, completados por projeções frontais de imagens digitais, para sugestionar o imaginário movimento das ondas marítimas e das mutações nos espaços siderais. Incluindo-se, ainda de sua lavra, indumentárias camponesas com traços de exotismo orientalista.
E que se expande também por intermédio de danças caraterísticas e um gestual esotérico (em dúplice ideário por Bruno Fernandes e Mateus Dutra), sob prevalências luminares mais vazadas que focais (Paulo Ornellas).
O maestro Luiz Fernando Malheiro frente à OSTM, um dos grandes experts brasileiros na regência de obras operísticas, imprimindo um dimensionamento expressivo ao encontro entre cordas, sopros e solos de harpa, nos acordes vocais melodiosos de temas que se celebrizaram, especialmente pelo leitmotiv na cena coral, já no prólogo.
Além de uma afinada e coesa participação do Coro do Municipal, há que se destacar o convicto quarteto protagonista. Desde um correto Sumo Sacerdote na voz do baixo Murilo Neves como Nourabad ao trio amoroso integrado pelo barítono Vinicius Atique (Zurga), tenor Carlos Ullán (Nadir) e a soprano Ludmilla Bauerfeltd (Leila).
Com uma tessitura suave de tenor lírico o argentino Carlos Ullán tem uma bela mas contida performance na ária “Je crois entendre, encore”, diante da voz mais exuberante e de maior ressonancia do barítono Vinicius Atique em “L’orage s’est calmé”, mas ambos conectando-se em segura performance atoral tanto no inspirado dueto entre eles (Au fond du temple saint) , como aqueles ao lado da protagonista feminina.
Destacando-se também, sobretudo, o evocativo presencial da personagem Leila por Ludmilla Bauerfeldt, via sua tão requintada voz, das passagens mais líricas à firme clareza nos vibratos (Comme autrefois dans la nuit sombre), fluindo sobre a orquestra enquanto ecoa carismáticamente no aplauso do público...
Wagner Corrêa de Araújo
Os Pescadores de Pérolas, ópera de Bizet, está em cartaz no TMRJ, com dois elencos alternativos, de 16 a 26 de julho, em horários diversos.



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