SANKAI JUKU : MEGURI, DANÇA CATÁRTICA. CRÍTICA DE WAGNER CORREA DE ARAUJO NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.



Há uma correlação simbólica entre a criação expressionista de Mary Wigman e o orientalismo contemporâneo de Tatsumi Hijikata e Kazuo Ohno, os criadores do estilo coreográfico Butoh.

Quando a coreógrafa e bailarina alemã se propôs a “dar forma ao caos” , no conturbado período que levaria ao nazi/fascismo, ecoou também na década de 50 , num Japão fissurado por uma dramática ocidentalização.

É quando surge o estilo butô ( Ankoku Butoh), a “dança das trevas”, expressão pioneira da vanguarda coreográfica japonesa , numa estética que conquistou o mundo com sua temática ancorada sobre a tragicidade da condição humana.

Retomando  a tradição zen-budista, para se confrontar com a crise civilizatória, o butô deveria se apoiar , segundo o pensamento de Kazuo Ohno, na “vida que nasce da morte e na introspecção para aceitar este dualismo”.

Onde prevalece uma dança teatralizada que retoma a percepção do pensar  de Wigman, de quem Kazuo foi aluno, –  “Suportar a vida, aceita-la e glorifica-la no ato de criação”.

Aqui os dançarinos/atores , numa cenografia minimalista,ressaltam a gestualidade , através da extremada sutilização da postura de mãos, braços, pernas e troncos.

Na extroversão da interioridade, diante da juventude e da decadência corporal, da trajetória tragicômica do nascimento à finitude.

Assim a  Cia Sankai Juku , criada por Ushio Amagatsu, completa seus 40 anos , com sua criação personalista do butô ligado à contemporaneidade pela transubstanciação reflexiva  da ancestralidade espiritual japonesa.

E, desta vez,  com um verdadeiro poema coreográfico Meguri –Mar Exuberante, Terra Tranquila, metaforizando, pelo movimento, o conceitual físico/filosófico : terra, água, fogo e ar.

Com oito dançarinos, uma trilha refinada entre a “ambient music” e o rock progressivo e um muralismo cênico de exponencial plasticidade, sob  luzes atmosféricas, inspirado em fósseis marinhos paleozoicos.

Cobertos todos eles por uma maquiagem corporal, textualizada num branco melancolizado,extensível aos figurinos, com a similaridade disfarçada,apenas, por leves insinuações de pigmentos em verde e vermelho.

Em circulares movimentos e na sensitiva postura solar, sob o essencialismo gesticulatório de espiritualização da fisicalidade.

Entre a mascaração das faces, meditativas  e  assombradas, ou na dissonância de súbitos saltos de apelo orgíaco. 

Num carismático convite, palco/plateia,  para uma dança , poética e catártica , da alma pela vida.

Wagner Correa de Araujo


SANKAI JUKU - MEGURI , depois da Cidade das Artes,RJ, segue para o Teatro Alfa,SP, dias 23 e 24 de julho. Horários diversos. 80 minutos. 

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