TEMPORADA DE ÓPERA 2019 : O DESAFIO DAS ADVERSIDADES E AS SAÍDAS ESTÉTICAS. ARTIGO DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.

ORPHÉE/ TM/RJ / Foto by Ana Clara Miranda


Diante do desafio do enfrentamento de um tempo de crise que atinge, de maneira visceral, especialmente o repertório da grande ópera com seu habitual substrato de demanda por exigente produção, o Municipal paulista apostou na contemporaneidade, no segundo semestre. E anuncia sete óperas, contrapondo-se a uma programação irregular em 2019, incluindo estreias de compositores nacionais direcionadas, pela primeira vez, àquele palco centenário.

E também é apresentado um novo projeto de repertório 2020 para o Theatro São Pedro, ampliando seu universo normalmente voltado para obras praticamente inéditas ou raras nos palcos de ópera brasileiros, com a inserção de musicais clássicos e de proximidades estilísticas deste gênero, tais como criações de Gershwin (Porgy and Bess) e Bernstein ( West Side Story).

E ali mais uma das óperas de Leos Janacék – O Caso Makropulos, de 1926 - foi encenada em première no país, depois de Kátya Kabanová, em 2018, sob o ideário estético de André Heller-Lopes, com direção musical de Ira Levin. Onde prevaleceu a unicidade de um elenco para sustentar uma linhagem vocal de áspero cromatismo, com destacadas performances da soprano Eliane Coelho, do tenor Eric Herrero e da mezzo soprano Luiza Francesconi.

Tardiamente iniciada, a temporada do Municipal carioca trouxe de volta o Fausto, de Charles Gounod, em bela e arrojada montagem, dentro da tradição da grande ópera, oriunda do Festival de Ópera de Manaus, sob direção concepcional de André Heller-Lopes e conduta musical de Ira Levin.

Com uma integralizada performance do elenco protagonista – na requintada vocalização e presencial cênico do baixo-barítono Homero Pérez Miranda (Mefistófeles), na aveludada tessitura do tenor Atalla Rayan (Fausto) e no expressivo fraseado da soprano Gabriella Pace (Margarida).


FAUSTO / TMRJ/ Foto - Ana Clara Miranda

No contraponto deste absoluto empenho artesanal para uma emblemática obra de repertório, a mais celebrada das óperas de Tchaikovsky – Eugene Oneguin - teve uma versão assumidamente minimalista, com boa qualidade musical (Ira Levin) mas sujeita a alguns percalços cenográficos que não chegaram a desmerecer a integralização da montagem.

Valendo citar, sem dúvida, as atuações do naipe feminino protagonista na representação tanto de Olga (mezzo soprano Luisa Francesconi) como de Tatiana  (soprano Marina Considera), equilibradas com a potencialidade imprimida ao personagem do tenor Eric Herrero  (Lenski) e ao papel titular do barítono Homero Velho.

Enquanto o Fausto foi a melhor montagem dentro dos padrões de uma Ópera maiúscula de repertório,  na vertente de um olhar  armado na vanguarda o Orphée de Philip Glass, estreando no Brasil, foi o grande momento como proposta investigativa de ópera/teatro sintonizada com a contemporaneidade.

Na concepção avançada de Felipe Hirsch imprimindo investigativa conexão de linguagens e mídias artísticas a partir do clássico exemplar da cinematografia francesa anos cinquenta, de mesma titularidade e sob autoria do múltiplo talento criador de Jean Cocteau. Nas convictas atuações da soprano Carla Caramujo e do barítono Leonardo Neiva, com uma segura regência de Priscila Bonfim.

Numa escritura musical dividindo-se entre a vocalização recitativa e uma prevalente representação dramatúrgica, capaz de convergir para um conceitual cinético-operístico com transcendente simultaneidade ritualística, no entremeio do mítico e do coloquial.

Anunciada uma ousada temporada 2020 do TM/SP, resta aguardar e torcer para que seu irmão carioca, o TM/RJ, também surpreenda com os seus títulos para um tempo de crise, sabendo sempre, nestas horas, contar com a superação pela  inventividade.

Evitando, assim, os riscos do imediato improviso e das semi-encenações no intuito apenas justificativo de cumprir um calendário. Para, enfim, na resistência de uma bem pensada programação, com funcionais soluções estéticas, privilegiar a ópera na dignidade de um lugar merecido.

                                            Wagner Corrêa de Araújo

                             O CASO MAKROPULOS/ Theatro São Pedro / SP - Foto by Heloísa Bortz

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