ORFEU E EURÍDICE : INCURSÃO MÍTICA EM TEMPO INFERNAL. CRÍTICA DE WAGNER CORREA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.
Depois de muitos embates financeiros, que quase impediram de vez o embarque para o Hades e os Campos Elíseos , a ópera Orfeu e Eurídice subiu ao palco do Theatro Municipal. Por ser uma produção exclusiva, sem convênio com outras casas de ópera, foi uma grande vitória para o TM e um presente para o público de um gênero musical de tão parcas montagens em época de crise.
A abordagem temática da apaixonada narrativa ancestral - do amor entre Orfeu e Eurídice, transcende o seu substrato mítico da Grécia clássica em suas diversas transposições literárias, musicais, artísticas e cinematográficas.
Deste universo recriador fazem parte, entre outros, Platão,Ovídio,Virgílio, Milton, Apollinaire, Léger, Duchamp, Cocteau, Camus, Jorge de Lima,Vinícius e Jobim, Cacá Diegues. E , especificamente na criação operística, três momentos singulares de sua história (Monteverdi, Gluck,Offenbach).
A história de uma paixão , entre a vida e a morte, entre as sombras do inferno e a claridade terrena, entre a punição e a piedade , na sua busca pelo resgate de um amor perdido, foi capaz de estruturar um drama lírico de perfeita dramaturgia no seu equilíbrio com a escrita musical.
E neste aspecto a concepção geral de Caetano Vilela, ao lado da cenografia (Duda Arruk), é primorosa com sua arrojada movimentação dos solistas, coro e bailarinos num palco vazado, sugestionando uma arquitetura em construção, tanto no eficiente aproveitamento do maquinário do teatro, como na bela utilização da horizontalidade e da verticalidade de seus planos cenográficos.
Tudo sob extasiantes jogos de luzes (também de Caetano) que atingem a plateia em sua envolvência luminar. Onde o único senão, ao lado de sua boa execução, é um certo desequilíbrio referencial dos figurinos(Cássio Brasil).
Por outro lado, é por demais recatado e de pouco brilho, o gestual coreográfico (Tânia Nardini) para uma ópera/ballet, capaz de inspirações carismáticas (Pina Bausch). Compensada, aqui, pela nobre conduta musical do maestro Abel Rocha frente ao competente Coro e a OSTM, na sua sutil apreensão das filigranas tonais de passagem do barroco ao clássico.
Com a sólida tessitura capaz de unir a expressão dolorosa de Orfeu a um apurado timbre de mezzo soprano (Denise de Freitas), de rara intensidade especialmente em Che Farò Senza Euridice. Sem deixar de ressaltar os ricos matizes vocais como soprano em Lina Mendes( Eurídice), presentes na ária e dueto do Ato III(Che Fiero Momento).
E com a grande surpresa da consistente maturidade da soprano Luisa Suarez, um dos mais promissores nomes da nova cena lírica nacional, capaz de unir, com desenvoltura, drama e música, nas suas aparições como o sensível personagem Amor.
Um belo domínio corporal e elegante alcance vocal caracterizam, enfim, o trio feminino protagonista, revelando um apurado rendimento cênico para esta versão de Orfeu e Eurídice. Atenta,assim, ao propósito estético/musical do próprio Christof Willibald Glück em seu ,então revolucionário, manifesto pela reforma da ópera (1767).
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