FIDELIO, HINO À LIBERDADE NO THEATRO MUNICIPAL DE SP. CRÍTICA DE ALI HASSAN AYACHE NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.
Todos os grandes compositores têm seus insucessos e nem tudo em suas obras prima pela genialidade. Beethoven compôs centenas de peças e muitas delas são exaltadas como geniais. Quando o assunto é ópera ele não se mostrava tão íntimo com o gênero, Fidelio foi sua única ópera e precisou de diversas revisões para cair no gosto do público.
A ópera estreia como "Leonore" em Viena no ano de 1805. A cidade estava tomada pelas tropas de Napoleão o que fez toda a aristocracia vienense fugir. A plateia composta, em sua maioria por oficiais franceses, entendia tanto de alemão quanto eu. Estes não estavam acostumados ao estilo denso de Beethoven e a longa duração foram os motivos do insucesso.
As más línguas diziam que Beethoven não sabia escrever para vozes e não saber lidar como o gênero teatroal, isso mexeu com o brio do gênio. Diversas revisões, alteração do nome e a redução de 3 para 2 atos fizeram a maré mudar. De "Leonore" para "Fidelio" temos mudanças na concepção, a principal delas é a redução da complexidade humana inerente aos personagens de "Leonore" em favor a uma ideia coletiva onde a defesa de liberdade e da solidariedade é reforçada.
Ópera em forma de concerto não é a última maravilha do mundo. O senta e levanta dos solistas é de uma chatice atroz e a carência de encenação faz o leigo ficar perdido no contexto. A direção do Theatro Municipal de São Paulo sabendo disso fez adaptações para amenizar os problemas, uma delas é a narração da atriz Cida Moreira (sentada completamente sem postura) que elucida a ação. É padrão em ópera em concerto colocar a orquestra ao fundo do palco, em "Fidelio" colocaram ela, quase na sua totalidade, no fosso quase ao nível da plateia e alguns músicos no palco com o coro ao fundo.
Os figurinos continuam exóticos, a opção da vez foi a mistura de jeans com fraque e sapatênis para os homens e saias que chegam próximo aos seios das mulheres. Isso faz do Municipal o palco experimental da moda.
Roberto Minczuk é regente sinfônico que conduziu a Orquestra Sinfônica Municipal com precisão e manteve o volume e a sonoridade adequados à ópera. Para um regente sinfônico se deu muito bem em um título operístico, já vi muito medalhão quebrar a cara. O Coro Lírico Municipal nas mãos de Mário Zaccaro esteve soberbo, recheado de solistas mostrou equilíbrio nas vozes e harmonias de imensa beleza rítmica.
Quando saiu a lista de solistas tomei um susto, esperava alguns medalhões da ópera nacional e o que vi foram cantores inimagináveis em outros tempos. Marli Montoni aceita o maior desafio de sua carreira, interpretar Leonore/Fidelio, sua voz tem timbre escuro, melódico e quente. Quase um soprano dramático. Conseguiu emissão regular e um lirismo agradável em quase toda a apresentação. Na grande ária do primeiro ato, esta de elevado grau de dificuldade, faltou potência, experiência e técnica para a conclusão da mesma. Após esse personagem Montoni mostra potencial para saltos maiores. O lirismo e a beleza do timbre sempre presente na voz de Caroline de Comi não se ausentou do palco. Revelação lírica de 2010 desse blog o soprano sempre exibe excelência e dessa vez não foi diferente. Sua Marzelline foi soberba.
Carlos Eduardo Marcos é baixo com voz potente dotada de graves consistentes. Emprestou talento vocal ao personagem Rocco, desvendou todas as dificuldades da partitura de forma eficiente. Faz as complexas passagens escritas por Beethoven parecerem fáceis. O papel de Florestan tem uma verve romântica clara na ária "Welche Dunkel heir" (Que escuridão aqui). O tenor Ricardo Tamura não se entendeu com ele e abusou dos erros, despreparado, sem dedicação e estudo necessário ao papel. Imaginou que seria uma moleza e tiraria de letra. Quebrou a cara! Quem não pisou no tomate foi Giovanni Tristacci, o tenor fez um Jaquino impecável, voz limpa com bons agudos.
Após a apresentação ficam algumas lições: é possível fazer ópera de qualidade com solistas brasileiros, ópera em concerto pode ser interessante com algumas adaptações, é louvável a administração do teatro dar chance a novas vozes.
Ali Hassan Ayache
Foto: facebook de Ching Chang.
Resposta de Ricardo Tamura no Facebook: "Muito obrigado por ter dedicado parte do seu tempo para escrever sobre o meu trabalho!
ResponderExcluirÉ extremamente raro que meu nome seja mencionado em alguma publicação ou artigo no Brasil e, por essa razão, sou genuinamente grato a você!
Devo dizer que, embora, algumas vezes, ao longo de minha carreira, eu tenha recebido críticas que considerei "extremamente injustas" (não é o caso da sua!), porque o crítico não se tenha informado sobre as razões que levaram aos problemas que ele mencionou (e que, quase sempre, não eram de minha direta responsabilidade), eu nunca respondi a nenhuma delas.
Porém, como você incluiu o link para o seu artigo aqui acima, no post onde eu tinha sido marcado, permito-me também, pela primeira vez, escrever uma resposta! :-)
Inicialmente, devo dizer que concordo com você: Eu certamente não estava suficientemente preparado para fazer este "Fidelio"!
Mas, de maneira nenhuma, por achar que "seria uma moleza" e que eu "tiraria de letra"!
(De certa forma, me ressinto de que você, sem me conhecer pessoalmente, tenha feito essa suposição.... Ainda que eu aprecie o seu senso de humor!)
Esse pensamento jamais me passou pela cabeça, em nenhum momento da minha carreira, e em nenhuma das inúmeras apresentações que já fiz!
Pelo contrário:
Minha experiência sempre me mostrou que cantar bem nunca é fácil, porque a percepção do nosso próprio som muda a cada dia!
Justamente por isso, para adquirir um razoável conhecimento de qualquer papel, "per metterlo in gola", são necessários muitos meses (ou até anos) de preparo!
Pessoalmente, eu nunca aceito qualquer papel novo, se não tiver, pelo menos seis meses para estudá-lo....
Você não imagina quantas propostas interessantes e desafiadoras já deixei de fazer, por me ater a esta regra!
Mas meu respeito para com o público é muito grande, para que eu me permita aceitar um contrato, sem ter certeza de que terei condições de fazer o meu melhor possível!
Então por que aceitei fazer este "Fidelio", um papel que nunca tinha cantado, sendo que a confirmação definitiva me chegou há menos de um mês atrás?
Talvez tenha sido realmente um erro! Mas espero que você concorde que foi um erro "justificável"!
Veja bem: Embora eu tenha, há muitos anos, o direito à cidadania européia, eu sempre recusei este privilégio, porque queria fazer toda a minha carreira como um "genuíno" cantor brasileiro!
Resposta de Ricardo Tamura no Facebook: "Foi uma escolha pessoal que mantenho até hoje, ainda que esta decisão, aparentemente, nunca tenha interessado a ninguém no Brasil...
ResponderExcluirPelo contrário: Eu talvez seja o artista brasileiro mais ignorado pela imprensa daqui...
(Esclareço que, de maneira nenhuma, julgo ou condeno os colegas que optaram pelo outro caminho, que, com certeza, é muito mais fácil!)
Mas, apesar de todas as dificuldades resultantes desta escolha (contra as quais tenho que lutar até hoje!), eu sempre vibrei com a expectativa de poder vir cantar em meu país como um cidadão brasileiro e não, por exemplo, como cidadão alemão.
Quando recebi o convite de duas pessoas que respeito e admiro imensamente, o Cleber Papa e o Roberto Minczuk, para, depois de tantos anos de carreira, finalmente vir cantar na cidade onde nasci - e ainda (fato inédito!), tendo a sensação de ser muito bem-vindo! - talvez eu tenha sido precipitado em aceitar... Não sei o que você acha...
Eu sabia que ia ser muito difícil, porque as semanas anteriores tinham sido um período extremamente ocupado para mim!
Tive que espremer todos os minutos possíveis em meu calendário para poder aprender e preparar o papel.
E só pude chegar a São Paulo um dia antes de os ensaios começarem (algo que também nunca faço, quando venho de outro clima e de outro fuso horário), porque era impossível vir mais cedo.
Por isso, tive que balancear o curto período de ensaios daqui, entre a necessidade de ensaiar o máximo possível, e a necessidade de descansar, para poder me adaptar e estar em forma para os concertos.
Apesar de todas estas dificuldades, creio ter chegado à estréia suficientemente preparado para fazer uma boa apresentação, ainda que, talvez, não no nível em que costumo me apresentar, quando tenho mais tempo de preparo...."
Resposta de Ricardo Tamura no Facebook: "E acredito que os concertos teriam saído muito bem, se eu não tivesse contraído, dias atrás, o que agora foi diagnosticado como uma provável "virose", que ainda continua, e que acabou por influenciar negativamente meu estado físico e minha concentração...
ResponderExcluirClaro: Todas essas coisas têm que ser consideradas em sua avaliação de risco, quando um profissional responsável decide aceitar um contrato!
Imprevistos acontecem, e deve haver uma margem de segurança, para que o nível seja mantido, caso algo dê errado....
Por isso, talvez eu tenha sido leviano em minha decisão, ou, mesmo, ousado demais... Talvez tivesse sido mais sensato ter recusado a proposta...
Mas você, na minha posição, teria agido de outra maneira?
No final, concordo totalmente com suas palavras: Arrisquei e "quebrei a cara"!
Mas quebrei a cara com muito orgulho e com muita honra, e faria tudo de mesmo modo, se a situação se repetisse!
Embora o meu desempenho talvez tenha tirado o brilho daqueles que foram os concertos de abertura da temporada da nova administração (coisa que, depois do tratamento maravilhoso que tive, me deixou muito triste!), nada vai apagar a satisfação que tive em cantar, sob a batuta de um grande maestro, no palco do Teatro da minha cidade, e onde o meu caso de amor com a ópera começou!
E, pela reação do público que recebi, tanto no Teatro, como aqui no Facebook, não me arrependo do que aconteceu, ainda que, reconhecidamente, você tenha toda razão em criticar!
Um enorme abraço, esperando que, um dia destes, possamos nos conhecer e conversar pessoalmente!"