"NABUCCADA" NO THEATRO MUNICIPAL DE SÃO PAULO. CRÍTICA DE ALI HASSAN AYACHE NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.
Nabucco é o primeiro sucesso de público do compositor Giuseppe Verdi, sua força reside nas passagens corais. A sorte estava ao seu lado, a associação da opressão dos hebreus com o norte da Itália dominado pelo império Austro-Húngaro garantiu popularidade à obra. O coro dos Escravos Hebreus "Va, pensiero, sull'ali dorate" virou símbolo do nacionalismo italiano. O libreto é cheio de tramas e reviravoltas, a música de Verdi não está a altura de óperas posteriores, o momento histórico italiano e a soberbas passagens do coro garantiram popularidade à obra.
Após longo e tenebroso inverno o Theatro Municipal de São Paulo apresentou sua primeira ópera com montagem completa. Recursos escassos são a tônica da administração pública nesse ano, na Praça Ramos de Azevedo não é diferente. A direção reaproveitou materiais de produções antigas para reciclar e fazer Nabucco com o mínimo de gastos.
O público que quase lotou o Municipal na estreia viu três intervalos e uma pausa, tantas paralisações para uma ópera não tão longa quebram a sequência dramática em uma história muitas vezes confusa. No bis do coro dos Escravos Hebreus o regente pega o microfone e dá a possibilidade de usar o celular para filmagens e fotos colocando o enredo para escanteio. Aderir a modernidade e querer agradar aos jovens pode trazer consequências desastrosas, nem sempre uma coisa casa com a outra. Até todos desligarem os aparelhos exigiu muito trabalho dos recepcionistas. Alguém percebeu o tamanho da lambança e por isso não teve bis no Domingo.
O diretor cênico Cleber Papa sempre mostrou ousadia nas produções da Cia de Ópera Curta. Lembro-me da criatividade explosiva em suas encenações de O Barbeiro de Sevilha de Rossini, Madama Butterfly de Puccini e da Carmen de Bizet. Pena que o mesmo não se repetiu no Nabucco, o que se viu foi uma direção conservadora, sem grandes movimentações cênicas e corais com solistas quase sempre estáticos. Lembra uma produção datada dos anos 70 ou 80. Luz na penumbra, figurinos atemporais e cenários simples completaram a montagem que não saiu do arroz com feijão. Uma verdadeira "nabuccada". Um dos motivos do conservadorismo pode ser o nível dos solistas como veremos abaixo.
Constato e existência de diversos desastres vocais. O maior deles foi Marly Montoni, voz inadequada para a personagem Abigaille. Soprano lírico pensa que pode cantar como dramático é um desastre completo. Os agudos sempre gritados, o timbre sem brilho e a falta de volume na voz foram a tônica do desastre. Compensou com alguns bons momentos de atuação cênica, embora isso seja insuficiente para encarar o desafio de cantar um dos personagens mais difíceis da escritura verdiana. Sua primeira entrada em cena é uma mistura indefinida de cômico com o trágico.
Os aplausos efusivos do público, os elogios ao final do evento e as postagens dos amigos nas redes sociais podem fazer a artista pensar que cantou de forma soberba. Amanhã Marly Montoni imaginará que é uma cantora wagneriana, falta um longo caminho para isso, se é que isso pode vir a acontecer. Errou quem a escalou e mais errado ela ter aceito o desafio intransponível à sua voz. Para aqueles que dizem não ter ninguém no Brasil apto para Abigaille na plateia estava Tati Helene, essa sim com condições vocais e cênicas para a personagem.
Outro desastre foi Lidia Schäffer, voz monótona e uma atuação fria tornaram sua Fenena comum, indigna de cantar no palco de tão nobre teatro. Carlos Eduardo Marcos fez um Zaccaria mediano, baixo com graves sem brilho.
O salvador da pátria dos solistas foi Rodolfo Giugliani, eleito por esse blog o melhor cantor solista de 2016. Autêntico barítono verdiano com pasta e densidade na voz. Seu Nabucco mostrou emissão de notas correta com uma dicção precisa, voz ampla no registro médio e grave e de sobra uma sólida tessitura. A falta de volume é compensada com uma projeção que atinge todos os cantos da plateia. Cenicamente esteve à altura do personagem, expressivo e contraditório.
A Orquestra Sinfônica Municipal regida por Roberto Minczuk apresentou sonoridade correta, alguns desencontros da récita de estreia foram corrigidos na récita de Domingo. É natural que um regente acostumado a concertos sinfônicos tenha dificuldades em ópera.
O Coro Lírico Municipal foi a principal atração da noite, Mário Zaccaro preparou as diversas intervenções com capricho. Lembro que o Coro Lírico é recheado de cantores com nível de solistas, o resultado é quase sempre a excelência, em uma ópera em que ele é muito exigido ele se mostra um dos melhores do mundo.
É possível fazer ópera de baixo custo, para isso inovação e criatividade tem que estar em sintonia na escolha correta do elenco, na direção e em todas as áreas que abrangem essa complexa arte. Infelizmente a direção mostrou-se conservadora e a criatividade vista em tempos pretéritos passou longe da Praça Ramos de Azevedo. O Instituto Odeon, que recentemente assumiu a administração do teatro, tem um longo caminho pela frente.
Ali Hassan Ayache
O Nabucco do Met, consegue ser pior que o nosso. Não tem nenhum cantante lá que se salve, todos ruim, inclusive o Placido Domingo, que não e nunca foi barítono na vida. Pelo menos temos o Rodolfo Giugliani! Precisamos dar oportunidade aos nossos cantantes, para ter espetáculo melhores.
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