CARMEN, A ÓPERA MAIS POPULAR DE TODOS OS TEMPOS. CRÍTICA DE ALI HASSAN AYACHE NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.
Fracassar na estréia e depois cair no gosto do público não é uma novidade no mundo da ópera. La Traviata, Madama Butterfly , La Forza Del destino e Carmen são exemplos clássicos. A Carmen desagradou mais pelos personagens que pela música em si. O público da segunda metade do século XIX não estava preparado para ver uma cigana livre , independente e conquistadora no palco. Mulheres fumando, contrabandistas, deserção e brigas contribuíram para o fracasso da estréia. Fato esse demonstra que a ópera estava muito a frente de seu tempo.
O século XX trouxe ares de modernidade e a Carmen se fixou no repertório de todos os grandes teatros . Sua música envolvente, quente e mediterrânea fez a ópera ser a mais querida do público, que lotando teatros e comprando gravações fez dela um sucesso.
Ao montar Carmen depara-se com um problema, que edição usar. Esse que vos escreve conhece mais de duas dezenas de versões em vídeo e e outra dezena assistida no teatro, nenhuma é igual a outra. Algumas possuem os diálogos que caracterizam a opera comic francesa, outras possuem recitativos e existem as híbridas, com as duas características. A versão aqui analisada pertence as híbridas.
Difícil analisar a regência de Carlos Kleiber. O enigmático maestro que pouco regia e era avesso a gravações mostra que sabe tirar o máximo de uma excelente orquestra. Seu jeito único de reger trás um colorido especial, com destaque para a precisão nos instrumentos . Seus tempos são perfeitos, rápidos ou dramáticos quando necessário. Dando fluência a partitura e a tornando agradável aos ouvidos. Uma obra prima de regência.
Franco Zeffirelli é um aclamado diretor italiano, nessa obra ele mostra todos seus dotes artísticos. Sem inovações e com muita criatividade nos revela várias facetas dos personagens através de movimentação cênica e gestual. Domínio de câmera e locuções exatas fazem o espectador sentir a emoção de estar assistindo a ópera ao vivo.
O tom pastel prevalece nos cenário e figurino no primeiro ato, o vermelho no segundo , o escuro no terceiro e o pastel novamente no último. Tudo condizente com o libreto, lembrando á Sevilha da época. Moderno após 26 anos de sua exibição.
Plácido Domingo está inspirado nessa noite. Consegue até vencer seu ponto fraco, os agudos. Todos estão lá . Atuação cênica impecável, sempre um excelente ator, faz um Don Jose sofrido e enciumado. A ária La fleur que tu m'avais jetée é o ponto alto da noite, dramaticidade poucas vezes vista em palco. A voz de Domingo estava no auge nos anos 70.
Obraztsova possuí belo timbre , ideal para encarnar e cigana rebelde. Além da voz escura e volumosa mostra uma atuação cênica correta. Peca nos agudos um pouco estridentes. As vezes volúvel , cínica, teimosa e apaixonante nos mostra as inúmeras facetas da personagem . Tudo com grande desenvoltura tornando emocionante sua atuação. Uma Carmen inesquecível.
O ponto fraco entre os solistas fica por conta de Yuri Mazurok, barítono de voz ocre , sem brilho e inapta para o toureiro Escamilo. Não transmite a força necessária a um personagem que tem como atributos a coragem e a valentia. Sua música é simples e vigorosa na ópera, sua voz não se adapta a essas características.
A personagem de Micaela representa no início da ópera a juventude , a pureza e a inocência. Isabel Buchanan consegue expressar esses sentimentos , na voz , no tipo físico e na atuação. Faz de Micaela uma boa moça, doce e apaixonada por Don Jose. Sua voz lírica com agudos brilhantes é perfeitamente adequada. Ganha força no terceiro ato, quando tem que demonstrar toda sua coragem ao procurar don Jose entre os contrabandistas. Da ingenuidade para a maturidade perfaz o caminho evolutivo da pessoa humana.
O selo TDK tem se destacado por lançar títulos de qualidade primorosa em solistas, imagem e som. Nessa ópera temos uma gravação de 1978, analógica transposta para o digital. A qualidade do som e imagem ficam medianos se comparados aos recentes lançamentos com matriz digital. Mas este é um pequeno detalhe diante da riqueza dos figurinos , regência monumental de Carlos Kleiber , direção exemplar do Zeffirelli, atuação primorosa de Plácido Domingo e Elena Obraztsova. Uma Carmen histórica que serve de referência a quem quer conhecer a riqueza dessa ópera.
Ali Hassan Ayache
Ali Hassan Ayache
CARMEN, Elena Obraztsova,Plácido Domingo, Yuri Mazurok, Isobel Buchanan, Cheryl Kanfoush, Axelle Gall,Kurt Rydl, Heins Zednik, CARLOS KLEIBER. Staatsoper, Viena, Áustria, 1978. DVD com legendas em espanhol,Alemão,Inglês,Italiano, Francês, Região 0, todos os países, gravado ao vivo em 9 de Dezembro de 1978. Cantado em francês, 154 min.
Eis aí uma obra da qual não posso dizer que possuo uma interpretação favorita,a peça possibilita tantas interpretações diferentes,apesar de ser acima de tudo popular!Recentemente foi abordada pela escola de interpretação "de época",gravada em vídeo por Gardiner na mesma Opéra Comique onde a peça estreara,mas se quisermos conhecer como se ouvia uma Carmen no tempo de Bizet,existe uma gravação,em alemão,que chega perto,datada de 1908 pois se trata da primeira ópera a ser gravada completa!Remarco que a protagonista da versão de Gardiner virá à São Paulo esse ano se apresentar com a OSESP,Anna Caterina Antonacci.Gosto muito também de ouvir as suítes dessa ópera,uma das poucas do gênero que se sustentam perfeitamente em forma instrumental.Marc Minkowski gravou apenas os interlúdios e desejamos que um dia registre mais dessa maravilha,por sua vez um regente espanhol chamado Pablo Gonzalez lançou recentemente com a orquestra de Barcelona um excelente gravação das suítes completas de Carmen;sempre quis conhecer o que interpretes espanhóis poderiam fazer com essa música e o resultado é arrebatador.Estes discos podem-se encontrar no Spotify.Isaac Carneiro Victal.
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