MORRE A CUBANA ALICIA ALONSO, A ÚLTIMA DIVA DO BALÉ CLÁSSICO.

                                                 Fidel Castro condecora Alicia Alonso em 1998.

Fidel Castro apoiou bailarina, história viva da dança do século XX.


A notícia era esperada. Podia acontecer a qualquer momento, pois se sabia que o estado de saúde de Alicia Alonso era delicado havia bastante tempo. A grande bailarina cubana estava prestes a completar 99 anos (seu aniversário é em dezembro) e tinha passado pelo hospital em várias ocasiões, embora tivesse sempre conseguido superar os maus momentos com a mesma vontade e força que lhe fizeram se sobrepor aos problemas de visão e continuar dançando, ou dirigir o Balé Nacional de Cuba até quase o último momento. Mesmo assim, por volta do meio-dia (hora em Havana), a confirmação oficial de seu falecimento comoveu o mundo da cultura cubana, por tudo o que ela representava.
Alicia morreu devido a uma crise cardiovascular no hospital Cimeq, em Havana, o mesmo onde em 2016 faleceu seu amigo e grande protetor Fidel Castro, que desde que desceu da Serra Maestra, em 1959, a apoiou, junto com seu ex-marido Fernando Alonso, em seu empenho de criar o Balé Nacional de Cuba (BNC) e, além da companhia, uma verdadeira escola cubana de balé, com traços próprios e à altura das grandes escola do mundo, como a russa e a francesa.
Seu nome verdadeiro era Alicia Ernestina da Caridad Martínez del Hoyo. Nasceu em 21 de dezembro de 1920 num quartel de Havana, onde seu atuava. A cubana era a história viva do balé do século XX, uma honra que ela compartilhou, é claro, com a moscovita Maya Plisétskaya (1925-2015): duas carreiras paralelas em que não faltaram embates. Ambas subiram teimosamente nos palcos ao redor do mundo. E ambas estavam determinadas a dançar até quando pudessem no século XXI, num caminho extraordinário que foi do esplendor dos anos quarenta à estranha era da crise da dança contemporânea.
A avalanche de reações à sua morte não se fez esperar. Do México, o presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, tuitou: "Alicia Alonso se foi e nos deixa um enorme vazio, mas também um insuperável legado. Ela situou Cuba no altar do melhor da dança mundial. Obrigado Alicia por sua obra imortal. Somos Cuba". “A primeira vez que a vi dançar no Pró-Arte Musical eu tinha dez anos e me deslumbrou”, conta Miguel Barnet, ganhador do Prêmio Nacional de Literatura, que foi seu amigo durante 60 anos. “Enfrentou a vida com um temperamento inigualável: sempre me deslumbrou a expressão de Alicia, que apesar de ser uma mulher cega interpretou personagens extraordinários”. Segundo Barnet, sua condição de lenda “não é só pelo que fez ela e conseguiu, mas também por ter criado uma escola com um estilo próprio”, reconhecido e reconhecível. “Uma escola mais sensual, voluptuosa, curvilínea, nada rígida… Nenhum bailarino cubano se baseia só na técnica, e sim também na qualidade interpretativa. Primeiro a técnica, sim, mas junto com ela o virtuosismo artístico.”
                    Alicia Alonso em 1990, aos 72 anos, em um ensaio com Orlando Salgado em Nova York.TIM CLARY (AP)
A condição de Alicia Alonso de “grande dama do balé cubano e de formadora de várias gerações de bailarinos” era destacada na quinta-feira pelos mais veteranos e os mais jovens. Aimara Vassalo, hoje subdiretora da Academia de Dança de Carlos Acosta, tem 42 anos, dos quais 23 dançando no Balé Nacional de Cuba. “Meu sonho era ser bailarina e entrar no BNC. Para todo garoto que desejava dançar, Alicia era o paradigma e a referência, e graças a ela muitos pudemos cumprir nosso sonho”. Conta, e é verdade, que em Cuba há uma “verdadeira cultura de balé”, muito difícil de encontrar em outros lugares. “Não se trata só que desde pequeno a gente pode ver balé na televisão; o balé é elitista, caro, e aqui qualquer um, por mais humilde que seja, se tiver condições pode ir a uma escola de balé e fazer um teste, e estudar e virar bailarino, e isso em grande medida é graças a Alicia.”
Para Vassalo os anos que passou no BNC foram muito especiais. “Tê-la ali nos ensaios era algo motivador para todos nós, sempre serei grata a ela por ter possibilitado que meu sonho se tornasse realidade”. Os vínculos de Alonso com a Espanha eram grandes, e, casualmente, sua morte coincidiu com a visita que fazia à ilha o ministro interino de Relações Exteriores do país europeu, Josep Borrell. “Surpreende-me em Cuba o falecimento da lenda da dança Alicia Alonso, uma figura irrepetível e universal que representou como ninguém o enorme talento artístico dos cubanos. Descanse em paz", disse.
Sim, morreu Alicia Alonso, e milhares de amantes da dança, cubanos e de todo o mundo, choram hoje a mitologia de sua lenda.

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