D. JOÃO VI E A MÚSICA QUE ENCONTROU QUANDO CHEGOU. ARTIGO DE MARCUS GÓES NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.



D. João e seu séquito fundearam suas naus e fragatas na Baía de Guanabara no dia 7 de março de 1808, mas só desembarcaram divididos no dia seguinte.
O regente, seguindo seus já costumeiros hábitos religiosos, herdados de sua mãe D. Maria, estabeleceu que seu primeiro ato na capital do Vice-Reino seria ir a uma igreja agradecer a Deus o sucesso final da viagem. Com efeito, atravessar o Atlântico naquela época era ainda perigoso e incerto, sendo inúmeras as notícias de naufrágios e tempestades.
O Rio de Janeiro se engalanara para receber os recém-chegados. Havia sido escolhida a Igreja dos Carmelitas, bem em frente ao cais principal da cidade (até hoje no mesmo lugar) para a cerimônia religiosa e “Te Deum” e já preparada para o evento, mas como o regente havia dito que queria “a catedral” da cidade, transferiu-se tudo para a Igreja do Rosário, então Sé provisória devido ao mau estado da Sé antiga.
No dia 8 de março, deu-se o desembarque e seguiram todos a pé pelo percurso natural em direção à Igreja do Rosário, o qual ainda hoje é o mesmo: atravessa-se a Praça XV, a Rua  1º de Março e toma-se a longa reta que é a Rua do Rosário. O cortejo seguiu uma variante pela atual Rua do Carmo. A igreja se situava na Rua do Cano, atual Uruguaiana , depois da   atual Avenida Rio Branco ( que não existia ainda) .
D. Maria não acompanhou o cortejo, indo  diretamente para o Paço, bem em frente ao cais de desembarque.  Carlota Joaquina, de péssimo humor, seguiu o tempo todo de cara amarrada.  D. João, este, exultava. E exultava com razão. Ali estava são e salvo, salva estava a monarquia, sem vexames  e exílios forçados, e o Vice-Reino, mesmo com muitos aspectos negativos, era belíssimo e o acolhia com reverência e afeto.
Seria na então Igreja do Rosário que D. João se sentiria pela primeira vez surpreso pelo que encontrou na música no Brasil: à frente de pequenas orquestras e dos cantores se achava o Padre José Maurício Nunes Garcia, então Mestre de Capela da Sé desde 1798. É natural que nem D. João nem sua corte esperassem encontrar na acanhada cidade tais possibilidades. Orquestra, coro, cantores, todos bem preparados e ensaiados, eram realmente surpreendentes.
Igual  e agradável surpresa teria o regente nos dias seguintes, nos quais uma sucessão de eventos em que se ouviria muito boa música (há vários relatos da época, especialmente do Padre Perereca, cronista e anotador de tudo que se passava) tocaria fundo sua sensibilidade de amante da música de igreja e de solenidade. Na Igreja do Parto, a Irmandade de Santa Cecília organiza outra cerimônia de culto e música a que esteve presente o regente com filhos e parentes. Seria  prova do gosto de D. João pelo que encontrou e de sua pronta simpatia por José Maurício o grande número de alvarás, éditos e decretos que assinou logo depois de sua chegada, ocupando-se da música, dos músicos, dos compositores, arranjadores e copistas, das igrejas e do movimento musical de modo geral.
Compreende-se a surpresa do regente. Não podiam nem ele nem sua Corte saber como era  realmente o ambiente e o nível  da produção musical no Brasil. Decerto terão antes ouvido falar daquela esplêndida floração de compositores das Minas Gerais formadores do que hoje se classifica como o movimento musical inserido dentro do “Barroco Mineiro”, certamente viram e ouviram a Lapinha cantar em Lisboa, seguramente receberam dos vice-reis e governadores cartas com referências às composições de José Maurício (já em 1783, quando tinha ainda 16 anos, este compusera uma antífona) e de outros compositores do Rio de Janeiro, de São Paulo, da Bahia, de Goiás, de Pernambuco, do Pará, do Maranhão. Mas foi só chegando ao Rio e tendo contato direto com a produção musical, vendo  e ouvindo orquestras,  cantores, coro, instrumentistas, pequenos conjuntos de trios e quartetos, que lhes foi possível aquilatar que a música que se fazia no Brasil era de boa qualidade.
D. João logo iria ter contato com o teatro de época, do qual Manuel Luís e seu teatro eram elementos principais, e mais tarde faria inaugurar em 1813 o Teatro São João, que seria o maior teatro do Brasil durante muitos anos, depois sob vários nomes, tendo sido Teatro São Pedro o principal deles. Esse teatro ainda se encontra no mesmo local, pouco diferente em sua forma geral e com as mesmíssimas arcadas e colunas à frente, sob o nome de Teatro João Caetano.
MARCUS GÓES (1939-2016) – transcrito e adaptado do livro “DOM JOÃO – O trópico coroado”,de MARCUS GÓES, Biblioteca do Exército Editora,RJ,2008.

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