FILMES E MÚSICA CLÁSSICA - UMA UNIÃO QUE NEM SEMPRE DÁ CERTO. ARTIGO DE OSVALDO COLARUSSO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.
O cinema, em diversos momentos, escolheu o mundo da musica clássica como tema de diversas produções. Biografias de compositores, nem sempre fiéis à verdade histórica, é algo que encontramos com facilidade na produção cinematográfica. E o pior é que as inverdades, muito bem filmadas, passam, para a maior parte do público, como fatos históricos autênticos. Vou comentar alguns filmes, a maior parte deles que não tem nenhum escrúpulo em termos históricos, e alguns raros, que em muito contribuem para que certas verdades históricas se tornem ainda mais evidentes. Não desprezo o fato de que um filme levanta certa curiosidade a respeito de autores clássicos, mas me incomodam as “invencionices” com claros objetivos comerciais.
Amadeus de Milos Forman – o arquétipo da inverdade cinematográfica
O mais famoso dos filmes a se servir de uma biografia de um compositor clássico como base de seu roteiro foi “Amadeus”, dirigido por Milos Forman. O retratado no filme foi Wolfgang Amadeus Mozart ( 1556-1791), um dos mais importantes compositores da história da música ocidental. Produção de 1984 este filme é, na verdade, baseado numa peça de teatro escrita por Peter Shaffer (o mesmo autor de Equus), que plagiou por sua vez uma curta peça de teatro do escritor russo Alexander Pushkin, que, aliás, serviu como libreto para uma ópera de Rimsky-Korsakow. Apesar do apuro histórico em termos de locações (belas filmagens realizadas em Praga), esta produção recai no velho “hábito” cinematográfico, falseando a história para tornar o espetáculo mais atraente. Aliás, foi uma grande maldade fazer um retrato tão maléfico do compositor Antonio Salieri (1750-1825), um músico na verdade respeitado pelo próprio Mozart, e amado por seus alunos, entre eles Franz Schubert( 1897-1828), que até lhe dedicou uma pequena obra como presente de aniversário. Amadeus foi uma superprodução, e ganhou Oito Oscars. A qualidade cinematográfica é inquestionável, mas confesso que me irrita a visão de um Mozart irresponsável e superficial, apenas dotado de uma genialidade “descontrolada”. E me irrita esta visão de "bem versus mal", como uma explicação para o surgimento de obras primas. A personalidade de Mozart é infinitamente mais complexa do que reduzir tudo a um “pai autoritário” e a um “gênio incompreendido”. O filme diverte, mas não informa.
Pobre Beethoven
Um gênio tão famoso quanto excêntrico como Ludwig van Beethoven (1770-1827) , com uma existência trágica, sobretudo por sua surdez, é vitima há muitas décadas de diretores cinematográficos. Desde o clássico do diretor francês Abel Gance , rodado em 1936, Un grand amour de Beethoven ( não sei se existe tradução para o português), há uma fixação para se descobrir quem era a tal da “amada imortal” que o compositor às vezes citava em sua correspondência. A cena, no filme de Gance, em que o compositor escreve a sua Sinfonia Pastoral, é francamente cômica. E a falta de verdade histórica dá lugar à fantasia mais desvairada do grande diretor francês, que aliás dirigiu uma excelente biografia de Napoleão, um filme mudo que contou com a participação de Antonin Arthaud no papel de Marat. Nos tempos modernos o pobre Beethoven foi vitima de dois filmes absurdamente mentirosos: “Minha Amada Imortal”, produzido em 1994, do diretor Bernard Rose. Mentira tão bem contada e com uma trilha sonora excelente acaba convencendo muita gente que os fatos narrados são verdadeiros. Outro desastre é “O segredo de Beethoven” da diretora Agnieszka Holland, que conta uma história completamente fantasiosa da estreia da Nona Sinfonia. Pobre Beethoven. Merecia algo mais do que isso.
As fantasias de Ken Russel
Se for para falsear, por que não fazer uma “alegoria enlouquecida”? É o que fez o diretor inglês Ken Russel. Além de inúmeros filmes de curta metragem sobre compositores, que ele rodou para a BBC, Ken Russel filmou em longa metragem três biografias de compositores em que se aproveitou de fatos históricos para grandes delírios cinematográficos. O mais antigo destes filmes é Delírio de Amor (1970) (The Music Lovers), uma biografia altamente instigante do compositor russo Tchaikovsky (1840-1893). Sua biografia de Gustav Mahler (1860-1911),rodada em 1974, abusa dos fatos verídicos travestidos em alegorias fantasiosas. Mas confesso que aprecio. Nunca me esquecerei da cena em que Mahler se converte ao cristianismo para poder assumir a direção da ópera de Viena (fato verídico). O compositor entra numa gruta, imitando Siegfried ( da ópera de Wagner) indo à caça de um dragão, e sai da gruta saboreando uma cabeça de um porco, isso tudo assistido de forma exultante, pela viúva de Wagner, Cósima (foi ela que exigiu que Mahler se convertesse ao cristianismo). Mas a obra mais controversa de Ken Russel é Lisztomania (1975) em que o diretor inglês retrata Liszt (1811-1886) como uma estrela do Rock, e acaba abusando da fama de que Liszt era, por assim dizer, muito bem dotado para o sexo. Devo dizer que prefiro estes excessos de Ken Russel à filmagen piegas da vida de Chopin (1810-1849) (À noite sonhamos - 1945) ou às mentiras deslavadas sobre Stravinsky (1882-1971) (Coco Chanel & Igor Stravinsky – 2009).
Dois filmes soberbos
Dois filmes europeus fogem à regra de torcer os fatos para conseguir um “glamour” que faça sucesso comercial. O primeiro é “Todas as manhãs do mundo”, produção de 1991. Dirigido por Alain Corneau, baseia-se num romance de Pascal Quignard. Dois compositores barrocos franceses são retratados: Monsieur de Sainte-Colombe ( cerca de 1640 – cerca 1700) e Marin Marais (1656–1728).Sabe-se muito pouco de Monsieur de Sainte-Colombe, e o pouco que se sabe aparece no filme: suas duas filhas, seu caráter reservado e sua recusa em tocar para o rei, além de ser um excepcional virtuose da Viola da Gamba, instrumento que entrou em desuso na segunda metade do século XVIII. Sabe-se de seu desentendimento com seu discípulo Marin Marais, que almejava a glória na corte de Luiz XIV, e também se sabe que Marais se escondia embaixo da cabana que seu mestre usava para estudar, para aprender a técnica magistral do velho músico. A determinação de Monsieur de Sainte-Colombe de utilizar a música como meio de comunicação espiritual é magnificamente descrita neste filme. Vale a pena lembrar que as interpretações de Gérard Depardieu como Marin Marais e Jean-Pierre Marielle como Monsieur de Sainte-Colombe são soberbas. Este filme foi exibido em cinemas comerciais brasileiros e foi comercializado como VHS (vídeo) mas infelizmente nunca foi lançado em DVD em nosso país. No entanto em lojas on line estrangeiras, como a amazon.com ou a Fnac francesa esta obra prima é facilmente encontrável.
Outro filme nunca lançado comercialmente no Brasil é Le Roi Danse , produção belga de 2000, dirigida por Gérard Corbiau. A única exibição em nosso país foi em TV a Cabo, com o título traduzido, por razoes obvias, por “A dança do rei”. Este filme contou com a assessoria histórica de Philippe Beaussant, um excelente escritor francês, e que é um especialista em musica barroca. Sua magnifica biografia do compositor francês, de origem italiana, Jean-Baptiste de Lully (1632-1687), Le musicien du soleil (Éditions Gallimard, 1992) deu origem a um roteiro excepcional. As filmagens, feitas basicamente no Palácio de Versalhes, mostram de forma clara as intrigas da corte de Luiz XIV, e a ambição e a maldade de Lully. A reconstrução dos grandiosos ballets dançados pelo próprio rei, e a perseguição que Lully fez ao dramaturgo Moliére informam de maneira eficaz sobre uma época fascinante da história francesa. Até a morte do compositor, por gangrena, é retratada de forma bem clara. Vale a pena lembrar que Lully batia os compassos com uma enorme estaca, e sem querer atingiu seu próprio pé, provocando um grande ferimento. Este é outro filme que só é possível assistir comprando uma cópia em DVD nas lojas já citadas.
Filmes como estes são, para nós músicos, e para o público em geral, um verdadeiro convite para conhecermos mais a respeito da história e das modificações das linguagens. Filmes sérios como estes deveriam ser mais frequentemente exibidos. Mas, infelizmente, um filme assim nunca será um sucesso de bilheteria.
Osvaldo Colarusso
Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/blog/falando-de-musica/
Você tem razão. Beethoven nunca foi devidamente biografado (a única tentativa decente que vi, foi um documentário dramatizado feiro pela BBC, em três episódios. Muito bom. Sobre Schubert, vi um filme, alemão creio, que é legal: A Casa das Três Meninas.Narra um episódio na vida dele. O Amadeus é um grande espetáculo, mas, de fato desinforma. Gosto muito do filme, baseado numa peça que quer discutir outra coisa - inveja, mediocridade etc. Salieri era um músico respeitado, tanto que Beethoven foi seu aluno por mais uma década, aprendendo como harmonizar vozes.
ResponderExcluirSegundo a ndustria cinematográfica americana nada consta, não há respeito, somente lucro e ganância
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