SE ESSA LUA FOSSE MINHA: A ORIGINAL BRASILIDADE DE UM MUSICAL JUVENIL PARA TODAS AS IDADES. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DA ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.

 

Se Essa Lua Fosse Minha. Vitor Rocha/Idealização/Texto. Maio 2023. Fotos/Victor Miranda.

 Um sotaque mítico (a la Mário de Andrade) de releitura  investigativa no entorno do folclore com suas cirandas e cantorias infantis, mais os provérbios e ditados da cultura popular, se  conectam à narrativa  dramaturgica/musical de um amor adolescente. Com um referencial de Romeu e Julieta, sob o dístico poético/romântico de versos de Alphonsus de Guimarães (Ismália) e Felix Luna (Alfonsina y el Mar).

Estes são os ingredientes básicos de Se Essa Lua Fosse Minha, um espetáculo juvenil para todas as idades concebido pelo revelador talento dúplice dos jovens Vitor Rocha, ator e dramaturgo, e Elton Towersey, autor e intérprete da trilha sonora. Sob o seguro  comando direcional de Victória Ariante para um majoritário elenco da novíssima geração de cantores/atores do musical brasileiro.

O enredo se desenvolvendo através de uma imaginária expedição marítima, em aproximativa similaridade com as dos descobridores das terras da América, oriunda de uma provincia espanhola titulada ficticiamente de Terrarosa, com destino à incógnita Porto Leste. Num embate com os povos nativos aplainado, pós muitos conflitos e numa paz temporária, por uma simbiótica linha divisória, garantidora do direito nativo diante dos invasores de além mar.

Quebrada, no confronto da tradição familiar de dois lados, após a rebelde paixão de Iago (Arthur Berges), herdeiro do monarca de Terrarosa, por Leila (Luci Salutes), natural de Porto Leste, em detrimento da noiva Belisa (Marisol Marcondes) prometida em núpcias por seus genitores reais (Leonam Moraes/Larissa Carneiro).

Além destes personagens, são fundamentais à sequencialidade fabular, as participações de uma espécie de sibila anciã apoiada na maturidade interpretativa de Priscila Araujo, junto a dois papéis carismáticos - o do mordomo Florípio (Thiago Marinho) e de Vitor Rocha, dividindo-se como autor/ator na personificação de Pirulito. Completando o cast destacam-se, ainda, Kiko do Valle, Edmundo Vitor e Daniel Haidar.

Se Essa Rua Fosse Minha. Musical de Elton Towersey/Vitor Rocha. Victoria Ariante/Direção. 


A concepção cenográfica (Victoria Ariante-Diego Rodda-João Bio) caracerizada por um minimalista preenchimento do espaço via cubos/quadros que propiciam o uso de riscos de giz, extensivos ao piso do palco junto a uma indumentária atemporal, sendo tudo ressaltado pelos efeitos luminares (Fran Barros) e pelo sugestionamento frontal de uma lua no alto. Potencializada ainda por uma sonoplastia autoral ao vivo no teclado (Elton Towersey), inventiva e provocadora de sonhos, com sua recorrência às lembranças musicais da infância e expositiva de sutis acordes sob frases reflexivas da crença popular.

Tornando-se proeminente, desde a primeira cena, o energizado vocabulário do movimento (Alberto Venceslau), com sua conexão de fisicalidades na delicadeza expressiva da corporeidade dançante. Havendo que se notabilizar também o esforço convicto imprimido por jovens atores/cantores/bailarinos para viabilizar uma envolvente performance coletiva. Onde, por um processo natural de aperfeiçoamento de um elenco ascendente, se torna perceptível o bravo empenho da direção de Victoria Ariante.

A ludicidade da acurada proposta textual de Vitor Rocha, já na sua terceira peça publicada, extensiva a uma projeção além fronteiras, é entremeada por lances de humor e de uma previsível tragédia final. Desfilando, com esmerado acerto, temas caros à nossa contemporaneidade como a intolerância racial, o preconceito de classes, a livre sexualidade, a afirmação das individualidades.

Incluído, muito a propósito, o uso imersivo e emotivo de versos evocativos de um amor fantasioso intermediado por reflexos lunares e pelas ondas marítimas. Vitor Rocha transmutando, com rara inspiração, o simbolismo do poeta mineiro Alphonsus de Guimarães no epílogo de Se Essa Lua Fosse Minha (no alterativo substitutivo vocabular de Rua por Lua do cântico de roda) como expressão da lírica mineiridade recíproca de um para o outro, e que há, certamente, de ecoar no coração e ficar na memória afetiva de cada espectador :

“Quando Ismália enlouqueceu/Pôs-se na torre a sonhar/Viu uma lua no céu/Viu outra lua no mar (...) Queria a lua do céu/Queria a lua do mar (...) As asas que Deus lhe deu/Ruflaram de par em par/Sua alma subiu ao céu/Seu corpo desceu ao mar...”

 

                                            Wagner Corrêa de Araújo


Se Essa Lua Fosse Minha está em cartaz no Teatro Gláucio Gil/Copacabana, sábados e domingos, às 20h. Até 28 de maio.

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