BÁRBARA : QUANDO A EUFORIA ETÍLICA TRANSITA ENTRE O RISO E O PESADELO. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.

 

Bárbara. Dramaturgia/Michelle Ferreira. Direção/Bruno Guida. Com Marisa Orth. Fotos/Marcos Mesquita.


Por favor, não afastem tanto a bebida da festa, porque ela está sempre perto. A minha vida foi uma festa até que virou um pesadelo”. Estas palavras caracterizam bem a narrativa etílica que a jornalista Barbara Gancia faz de fio condutor para seu livro autobiográfico “A Saideira : Uma dose de esperança depois de anos lutando contra a dependência” (Editora Planeta).

E que, por sua vez, inspira a dramaturgia de Michelle Ferreira titulada Bárbara, um monólogo tragicômico de sensitivo e diferencial apelo na trajetória da atriz Marisa Orth, mais reconhecida por seu timing humorístico em personagens populares como a Magda da série televisiva Sai de Baixo.

Não sendo esta a sua estreia em incursão dramática, o que ela já experimentou, entre acertos e desacertos, indo de personificações mais sérias nos palcos tais como Simone de Beauvoir (O Inferno Sou Eu) em 2010, ou Norma Desmond (Sunset Boulevard), de 2019, tendo passado ainda pelo protagonismo feminino em Misery, como uma enfermeira psicopata, na montagem paulista de 2005.

E é a própria intérprete que, no prólogo de Bárbara, deixa perceptível neste seu primeiro monólogo, sinalizador de suas quatro décadas como atriz, de que o que vai representar ali não é uma comédia mas um drama. Entre o riso e as lágrimas, não deixando de ser lúdico mas provocando, antes de tudo, uma árdua mas saudável mudança comportamental na vida da personagem.

Bárbara. Direção/Bruno Guida. Com Marisa Orth. Agosto/2023. Fotos/Marcos Mesquita.

 Através de um jogo performático cativante que acaba por envolver atriz/espectador numa problemática que ultrapassa o mero vício da saideira alcoólatra. E, atravessando a quarta parede, vai fundo nos conflitos internos identificados naqueles que julgam prencher o vazio das frustrações virando um copo atrás do outro.

Tema tratado com uma dose subliminar de tragicomicidade pela acurada concepção direcional de Bruno Guida e que, paralela à irreversível pulsão da dependência, sugestiona uma “dose de esperança” por intermédio da vivencia guerreira de uma jornalista pela redenção definitiva de um vício implacável. 

Ao lado de um suporte cênico/gestual imprimido por Ana Turra e Fabrício Licursi, sob o conceitual minimalista da bem cuidada direção de arte (Gringo Cardia). Que ecoa, nos efeitos luminares (Guilherme Bonfanti), na trilha autoral (André Abujamra) e na cotidiana indumentária (Fause Haten), convergindo tudo para o singular preenchimento psicofísico de uma narrativa confessional.

Ruy Castro afirma com empatia no prefacio do livro de Bárbara Gancia - “Há pessoas cujas vidas imploram para ser escritas”. O que pode ser constatado nesta  transposição à escritura dramatúrgica com um dúplice referencial de desafio, tanto na  trajetória da jornalista como no registro do supreendente descortino de um instigante caminho artístico para Marisa Orth. 

Ao transmitir à sua personagem um enunciado de veemência e verdade interior, além de demonstrar convicta força atoral para vencer um desafio em sua carreira. Sabendo como bem explorar todos os contornos de uma personificação teatral fora de sua habitualidade cênica mais voltada à comédia.

Em carismático dimensionamento estético capaz de conectar seus rompantes de irônico humor a um incisivo inventário dramático no entorno da dolorida dependência etílica. E revelando, sobretudo,  a maturidade interpretativa de um sólido percurso, tanto nos seus já reconhecidos recursos histrionicos como aqui e agora, nesta irreverente e, ao mesmo tempo, reflexiva gramática cênica de Bárbara...


                                                  Wagner Corrêa de Araújo


Bárbara está em cartaz no Teatro XP/Gávea, sexta e sábado, às 20h; domingo às 19h. Até 03 de setembro.

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