HAIRSPRAY : MODISMOS, PRECONCEITOS E HUMOR EM MUSICAL ÍCONE SOBRE OS ANOS 60. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DA ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.

 

Hairspray. Musical. Antônia Prado/Tiago Abravanel/Tinno Zani/Direção Concepcional. Agosto/2024. Fotos/Ricardo Brunini


O ideário original de Hairspray foi do polêmico cineasta americano John Waters em filme de 1988 protagonizado pela travesti Divine, um ator performático adorado por ele, e que entre aplausos e censura se tornou, na cinematografia vista como marginal, um absoluto cult.

O impacto provocado pelo filme acabou inspirando a criação de um musical diferencial do estilo Broadway estreado em 2003. Que por sua vez levou a outra película sob mesma titulação, na versão de Adam Shankman, direcionada a fazer com que John Travolta assumisse o mesmo papel da  Divine.

E no final das contas, o musical acabou virando um campeão de prêmios do Tony, com sua narrativa ironica à base de um humor crítico abordando comportamentos políticos e sociais eivados de preconceitos raciais e também da gordofobia que ia contra a maré de uma crescente onda da estética física perfeccionista.

O que é representado ali através das pretensões de uma adolescente gorda em se tornar uma estrela dançante e cantante no ambicionado show popular televisivo The Cornin Collins Show de uma emissora de tv local em Baltimore. Tracy vai em frente, sem medo de desafiar estes tramites de exclusão, e acaba sendo a vencedora da competição.

Hairspray. Musical. Com Tiago Abravanel (Edna Turnblad) e Vania Canto(Tracy). Agosto/2024. Fotos/Ricardo Brunini.


E para isto contando com o estímulo apoiador da sua mãe Edna Turnblad, enfrenta todas as barreiras ao derrotar o mau humor e o ciúme rancoroso de Velma, ex miss Baltimore a favor de sua filha Amber, numa reviravolta que faz o papel do seu futuro noivo Link mudar pra o lado de Tracy.

Todos estes personagens de destaque sendo representados, sempre com rara maestria, ora por um irresistível Tiago Abravanel no papel drag de Edna Turnblad, ora por uma energizada e engraçada Vania Canto na performance da adolescente gorda Tracy, sem se esquecer das boas intervenções do pai, um pouco menos indulgente, Turnblad (Lindsay Paulino).

Enquanto um romantizado Ivan Parente como o galã Link Larkin do programa de tv, uma convicta Verônica Goeldi como Amber, a filha da orgulhosa Velma  (por Liane Maya em mais uma de suas irreprimíveis atuações) ampliam o timing cômico do musical.

A trama dramatúrgica de Hairspray, escrita a quatro mãos por Mark O’Donnel e Thomas Meehan partindo, em suas linhas básicas, do filme de John Waters sabendo como transcender sua época levando-o a um envolvimento além tempo, capaz de interessar espectadores de quase cinco décadas após, em versões com muitas idas e voltas.

E mesmo que sua trilha (Scott Wittman/Marc Shaiman) se sustente em nostálgico estilo do rock primitivo, até hoje ainda entusiasma com suas pegadas acertadas de rythm and blues. Além do sotaque subliminar de uma tessitura pop mais contemporânea imprimida nesta releitura musical por Rafael Vilier para um grupo de 12  instrumentistas. Com um envolvente alcance no agitado gestual coreográfico de Tiago Dias capaz, aqui, de não deixar indiferente o mais acomodado dos espectadores.

A concepção cenográfica (Rogerio Falcão) remete aos filmes de animação e aos cartoons. Onde a indumentária, no exagero caricato de suas cores, ao lado do exotismo de um visagismo facial (Feliciano Sanroman) encimado por cabelos laqueados, sugestiona uma ambiência psicodélica quando ressaltada nos brilhos de efeitos luminares (Wagner Antônio).

E é, especialmente, na tipicidade de um daqueles ancestrais programas televisivos de auditório, no caso o Corny Collins Show da cidade de Baltimore, que a disputa da rechonchuda Edna Turnblad pelo primeiro lugar faz aflorar momentos de inveja preconceituosa de suas rivais.

Ao superar o complexo provocado pela gordofobia da personagem, por um impulso cúmplice de idealismo, ela também apela e se insere na luta contra a segregação racial. E ainda ganha o amor daquele charmoso Link que vai se tornando, a partir daí, um ex de sua concorrente Amber.

Numa recriação teatral acurada, sob tríplice direção concepcional (Antônia Prado, Tiago Abravanel e Tinno Zani), no entremeio de Humor, Pantomima, Preconceito, Moda e Programa de TV anos 60, apesar de uma certa ingenuidade cotidiana em suas abordagens comportamentais e de um ar de dejá vu em temas melódicos e ritmos roqueiros quase esquecidos, Hairspray nunca deixou de ser um ícone do teatro musical. Nesta sua mágica imersão nostálgica em tempos idos sempre traz o riso de volta com um olhar ancorado na reflexão. Afinal, para aquilo que foi bom, saudade nunca terá idade...

                     


       

                                          Wagner Corrêa de Araújo

Hairspray está em cartaz no Teatro Riachuelo/Cinelândia, quintas e sextas, às 20h; sábados às 16h e 20h; domingos, às 15h e 19h, até o dia 18 de agosto.

Comentários