ALDO BALDIN / UMA VIDA PELA MÚSICA : DIFERENCIAL TRIBUTO FÍLMICO A UM DOS MAIORES TENORES BRASILEIROS DE TODOS OS TEMPOS. ARTIGO DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.
Aldo Baldin - Uma Vida Pela Música. Um filme documentário de Yves Goulart. Dezembro/2024. Fotogramas/Divulgação. |
Aldo Baldin, pela ascendência de imigrantes rurais italianos nasceu em Urussanga, cidade do interior catarinense, tendo uma instantânea carreira que o levou, da provinciana vida na roça, aos maiores palcos mundiais operísticos, com vitoriosa trajetória artística e existencial sob seus breves 49 anos.
Considerado um dos mais solicitados tenores líricos para o repertório da ópera às grandes obras corais, especialmente barrocas, atuou sob a regência de nomes que incluiam de Karl Richter e Neville Merrimer a Herbert von Karajan, entre muitos outros, deixando um precioso legado, registrado em cerca de cem gravações.
E foi graças a um destes raros e felizes acasos do destino que um conterrâneo seu o cineasta Yves Goulart, radicado em Nova York, ao se deparar com foto da capa de um de seus discos, este com obras de Villa-Lobos, percebeu que era a igreja matriz de Urussanga estampada, em traços gráficos, ao lado de Aldo Baldin.
Incitado pela curiosidade, pois nunca imaginara que um tenor de sua terra natal tinha sido dos maiores do Brasil em termos universais, decidiu realizar uma alentada pesquisa no entorno do cantor lírico. Sendo este o fator que acabou levando ao tema daquele seu próximo filme titulado, bem a propósito, como Aldo Baldin - Uma Vida Pela Música.
Aldo Baldin - Uma Vida Pela Música. Yves Goulart/Direção Concepcional. Aldo Baldin entre a soprano suiça Edith Mathis e o barítono alemão Dietrich Fischer-Dieskau, icônicos intérpretes de A Criação, de J. Haydn, por Sir Neville Marriner, 1981. Foto/Divulgação. |
O que, em sua detalhista busca documental, levou Yves Goulart ao encontro das origens ouvindo o núcleo de familiares e amigos, continuada nos parceiros da então ascendente trajetória artística. E qual não foi a sua mais absoluta surpresa ao descobrir que, pouco antes de sua súbita morte, por uma síncope cardíaca, Aldo Baldin havia gravado um longo autodepoimento, com a idéia de transformá-lo num livro.
Se por uma adversidade fatalista isto não pôde acontecer, este registro sonoro, acompanhado de vasto material iconográfico (fotos e imagens em video), acrescido de esclarecedoras entrevistas com nomes fundamentais à carreira do tenor, no Brasil e no exterior, serviria, então, como base para um diferencial doc filme.
No seu dimensionamento como um relato autobiográfico, recorrendo ao uso da própria voz do protagonista titular, direcionando o roteiro narrativo do cineasta para envolvente formato documental. “Ele começou a gravar um audio como premonição de nossa finitude”, afirmou na época um convicto Yves Goulart, diante do projeto que demorou cerca de uma quase década e meia.
Onde a sequencialidade do enredo é sugestionada com funcional suporte estético, em sensitiva intermediação imagética e pictórica, potencializada na trilha artesanalmente captada pela viúva de Aldo Baldin, a musicista Irene Flesch Baldin, através das citações de antológicos trechos de obras interpretadas pelo tenor mundo afora.
E se a opinião de tantas personalidades do meio musical brasileiro (de Isaac Karabtchevsky a Edino Krieger) e além fronteiras, contextualiza bem a importância de Aldo Baldin, o documentário tem seu aspecto didático nas inúmeras falas do tenor, sobre o alcance das diversas facetas interpretativas de uma tessitura de voz que se destacava tanto no Evangelista das Paixões de Bach, como em personagens operísticos.
Lembrando que tivemos o privilégio de vê-lo numa marcante montagem cênica de A Flauta Mágica, por Gianni Ratto em 1982, no TMRJ, com uma psicofisicalidade performática luminosa, como cantor/ator, no papel de Tamino. Ele que, nos primórdios nos palcos de ópera, tinha sido relegado a papéis bufos, por não ter um physique du rôle ideal para mais galantes personificações. E ali atuando junto com Maria Lúcia Godoy, como Pamina, par amoroso de Tamino, e que esta explica, no filme, ressaltando o fascínio pelas nuances da técnica vocal de Aldo Baldin.
E foi, há exatos trinta anos, em janeiro de 1994, literalmente reiterando uma perceptível realidade, enfatizada num Brasil de tão frágil valoração quanto ao seu legado artístico, que aconteceu a melancólica, embora, ao mesmo tempo subliminarmente irônica, declaração do tenor que inspiraria Yves Goulart. Numa pulsão de resgate memorial, com emblemático carisma, inserida, pelo texto verbalizado na voz do cantor, no prólogo deste tão belo e reflexivo filme nominado Aldo Baldin - Uma Vida Pela Música :
“Hoje é dia 3 de janeiro de 1994. Eu estou fazendo esta fita para poder escrever um pequeno livro sobre Aldo Baldin, tenor brasileiro. Porque daqui duas gerações, seguramente, ninguém vai saber quem foi Aldo Baldin e para o Brasil seria uma pena”... No dia seguinte foi encontrado morto debruçado ao piano sobre a partitura de um Lied de Schubert - An Die Musik (Uma ode à Música) - o que significa simbolicamente que até seus últimos suspiros foram sinalizados pela entrega total a uma vida pela música...
Wagner Corrêa de Araújo
Aldo Baldin - Uma Vida Pela Música, direção de Yves Goulart, recebeu diversos prêmios em mostras internacionais e está sendo apresentado em centros culturais (no RJ, foi no CCBB ), enquanto aguarda seu lançamento no circuito cinematográfico.
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