RETROSPECTIVA COREOGRÁFICA 2024 : ENTRE O CLÁSSICO E O CONTEMPORÂNEO, A DANÇA VOLTA MAIS ENERGIZADA AOS PALCOS CARIOCAS. ARTIGO DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.

 

Cia de Dança Deborah Colker / Sagração. Deborah Colker/Direção Coreográfica/Concepcional. Março/2024. Flavio Colker/Fotos.


Numa inédita concepção cênica/coreográfica, a temporada foi aberta com a Sagração da Cia de Dança Deborah Colker, plena de uma brasilidade rítmica/dançante, na diferencial transmutação do primitivo universo dos aldeões russos segundo Stravinsky, em saga indigenista pelo olhar dos povos originários da terra brasileira.

Após completar dez anos de ausência, o Grupo de Dança DC voltou com uma obra inédita – AmazôniA, na funcional parceria estética e coreográfica de João Wlamir, Jaime Bernardes e Mônica Barbosa, com o propósito de resignificar, cênica e gestualmente, a ambiência mágica deste signo pulmonar do mundo sujeito, mesmo assim, aos maiores reveses.

Já o Grupo Corpo reapresentou Corpo - diferente experimento que atua como um poema concretista, fundindo a sonoridade de palavras vocalizadas em jogo gestual entre pés e mãos. E Parabelo, numa abordagem do sertanismo e da fome nordestina, onde a resistência ao agreste é sinalizada por vigoroso movimento mecânico/robótico dos bailarinos.

Márcio Cunha Dança Contemporânea retornou com o inédito Boca do Mundo, obra voltada conceitualmente às rodas de capoeira e dos terreiros do Candomblé numa demonstração de seu vigoroso processo criador, potencializado no contínuo fluxo de outras linguagens por seu idealizador, múltiplo artista plástico, performer atoral e bailarino.

Focus Cia de Dança/Entre a Pele
e a Alma. Alex Neoral/Coreografia. Junho/2024. Leo Aversa/Fotos.


Alex Neoral e sua Focus Cia de Dança figurou com Entre a Pele e a Alma, uma releitura cênico -coreográfica do tríptico pictórico de Hieronymus Bosch – Jardim das Delícias, apoiando-se na trilha autoral encomendada a Ney Matogrosso. Procurando questionar a simbologia sublime do painel pré-renascentista com um gestualismo erotizado de sotaque visionário. E quanto à recriação De Bach a Nirvana, sabendo como estabelecer um elo enunciador entre duas épocas, da dança à música, do sugestionamento etéreo do barroco à alegria féerica do rock, com reconhecidos músicos ao vivo, indo da catarse bachiana ao frenesi do grunge rock.

E é também numa trilha presencial roqueira que a Renato Vieira Cia de Dança, em ansiado retorno com  criação inédita, estabelece liames homoeróticos, sonoros e coreográficos, da idade medieval aos nossos dias em Gaveston & Eduardo. Uma criação contundente que, por meio de nossa análise crítica, com imagens em video, que foi postada em Paris, entusiasmou o coreógrafo/editor da revista danse.org - Patrick Kevin O'Hara por ter acompanhado de perto o inglês David Bintley, quando este foi pioneiro ao incursionar pelo mesmo tema, nos anos 90, para o Stuttgart Ballet.

Balé do Theatro Municipal apresentou, inicialmente, um Lago dos Cisnes em clima ascendente para retomada de sua singular marca de única companhia clássica oficial do país, aqui, alcançando maior brilho com um top convidado - o bailarino Gustavo Carvalho. Encerrando sua temporada, com recordes de público, por intermédio da volta de O Quebra Nozes, sempre através do animador empenho de seu diretor Helio Bejani e do maitre Jorge Teixeira.

Mas foi por intermédio do conceituado coreógrafo uruguaio Ricardo Alfonso, que o BTM atingiu sua mais perfeita montagem de 2024, com La Fille Mal Gardée, que teve seus pontos altos na fidelidade à tradição com espaço para qualitativas atuações de solistas e do Corpo de Baile, sob envolvente teatralidade na performance de personagens ora romantizados, ora marcados por uma bem humorada pantomima. Valendo ainda destacar a retomada de Triple Bill, pelo criador brasileiro além fronteiras Ricardo Amarante, completando o retorno dúplice de Love Fear Loss e do Bolero, com sua personalista versão de Scheherazade, a partir de Fokine.

Balé do Theatro Municipal/La Fille Mal Gardée. Ricardo Alfonso/Concepção Coreográfica. Agosto/2024. Daniel Ebendinger/Fotos. 

Não podendo deixar de serem registrados os quatro espetáculos internacionais da Temporada de Dança Dell'Arte. A saber, a Cia Sankai Juku com seu minimalismo cenográfico ressaltando, por meio do gestualismo butoh, a transubstanciação físico-reflexiva da ancestralidade espiritual japonesa. E o grupo Momix em Alice - com dança, acrobacia e efeitos cinético-visuais, num multi-espetáculo cênico, com sotaque de musical da Broadway, inspirado no popular livro de Lewis Carrol.

Outra concepção multimídia trouxe de volta a David Parsons Dance reapresentando alguns de seus números antológicos, como o exponencial solo Caught, de 1982, ao lado de Nascimento, 1990, carismática homenagem a Milton, via alegórico alcance e música contagiante. Para finalizar com um dos espetáculos coreográficos mais extasiantes do ano Anna Karenina, pelo Eifman Ballet  (São Petersburgo).

De tamanha força emblemática, desde a ruptura dos parametros estéticos de uma típica cia russa, imprimindo-lhe cenas sensoriais que culminam na perfeição absoluta no uso paralelo do gestual clássico com ousada estética da dança contemporânea...

 

                                              Wagner Corrêa de Araújo



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