MEU CARO AMIGO : A PRAZEROSA TRAJETÓRIA DRAMATÚRGICA / MUSICAL DE UMA PERSONAGEM QUE SÓ QUER SABER DE CHICO BUARQUE. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.
| Meu Caro Amigo. Joana Lebreiro/Direção Concepcional. Felipe Babenco/Dramaturgia. Com Kelzy Ecard. Fevereiro/2025. Renato Mangolin/Fotos. |
Está de volta aquele que foi o primeiro grande sucesso, no formato de uma representação solo, da atriz Kelzy Ecard em turnês brasileiras, que se estenderam por cinco anos, a partir da estreia carioca do monólogo musical Meu Caro Amigo, em 2009, resultado do ideário dúplice da atriz e do dramaturgo Felipe Barenco, contando com apurada direção de Joana Lebreiro.
Onde é abordado, com leveza lúdica e bom humor, o dia a dia familiar e social de Norma Aparecida (Kelzy Ecard), sinalizado sempre no entorno de uma contínua e irrestrita paixão pelas canções de Chico Buarque, desde a infância e adolescência até se tornar professora de História, enquanto, ao mesmo tempo, referencia os acontecimentos políticos e culturais de um país então imerso em sombras.
O que nesta releitura, quando a personagem se torna então sexagenária, em 2016, possibilita fazer uma conexão crítica a partir dos provocadores e icônicos recados ideológico-musicais do compositor, tornando-se oportunos aos dias de hoje.
Na constatação de que o conservadorismo do pai de Norma, um militar favorável a 1964 e, portanto, nada disposto a aceitar a admiração da filha por um irredutível entusiasta da democracia (Chico Buarque), prova que muita pulsão recessiva ainda vem resistindo por aí, na assumida tendência golpista da nossa última (des)governança.
| Meu Caro Amigo. Joana Lebreiro/Direção Concepcional. Felipe Babenco/Dramaturgia. Com Kelzy Ecard. Fevereiro/2025. Renato Mangolin/Fotos. |
Em espetáculo com qualitativo andamento e diferencial sotaque de seu roteiro musical (Marcelo Alonso Neves) a partir de antológicas canções do compositor, potencializadas por artesanal acompanhamento solo, ao vivo, do pianista João Bittencourt. Onde a vocalização de Kelzy Ecard é alternada também por citações originais das gravações de Chico Buarque, desde o seu primeiro LP, de 1966, com a disparada popular de A Banda.
A atriz sabendo como equilibrar sua afinada voz com uma performance gestual/dramática bem de acordo com a identificação personalista sugerida por temas dos mais densos que remetem aos tempos difíceis da ditadura, no caso de Cálice (Chico Buarque/Gilberto Gil), a registros mais lúdicos e intimistas de situações amorosas, tais como Apesar de Você e Quem Te Viu Quem Te Vê.
O sugestivo décor do espaço cenográfico e indumentário (Dani Vidal e Ney Madeira) destaca um painel com capas dos discos de Chico Buarque, sendo completado por uma mesa e cadeira paralelas a um sofá, tendo à sua frente um microfone fixo e móvel, ressaltados por precisos efeitos luminares (Paulo Cesar Medeiros) quase sempre mais vazados. Tudo integrando-se, enfim, a este retrato de pictórica afetividade, através da envolvência do comando concepcional de Joana Lebreiro.
Kelzy Ecard, assumindo o lugar de tantas mulheres como Norma Aparecida, fascinadas de corpo, sangue e alma, pelo cancioneiro do ídolo poético/musical, expande com irreprimível convicção a sua atuação cênica. Em seus arroubos cantantes, intermediados por falas capazes de contextualizar a narrativa com o universo existencial da personagem naquele controverso momento histórico de um país.
Não deixando, aqui, de lembrar a justa causa que levou Chico Buarque, em parceria com Francis Hime, a uma de suas mais emblemáticas composições. Na sua dedicatória, com especial afeto, ao dramaturgo Augusto Boal então nostálgico de um Brasil tão distante, no seu forçado exilio além-mar em terras lusitanas.
O que, bem a propósito, titula este necessário espetáculo como Meu Caro Amigo, a partir da mensagem político/reflexiva desta canção quase uma carta, ecoando sua simbologia, do passado ao presente, ontem, agora e para sempre:
“Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock’n’roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol
Mas o que quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta”...
Wagner Corrêa de Araújo
Meu Caro Amigo está em cartaz no Teatro Sesi/Firjan, Centro/RJ, todas as segundas e terças, às 19hs, até 25 de fevereiro.



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