DIVULGAÇÃO

A sinfonia dramática Romeu e Julieta (1839) é a última obra composta por Berlioz na década mais produtiva de sua carreira.


Esta fase se deu nos anos 1830, em que foram criadas a Sinfonia Fantástica (1830), Harold en Italie (1834) e a Grande Missa Dos Mortos (1837). As origens da obra, entretanto, remontam ao outono de 1827, quando Berlioz assistiu no Théâtre de l’Odéon, em Paris, à célebre tragédia de Shakespeare, com a atriz irlandesa Harriet Smithson, sua futura esposa, no papel de Julieta.
 Berlioz registrou em suas Memórias o poderoso efeito que aquela noite lhe causou: “Embeber-me do sol ardente e das noites amenas da Itália, testemunhar o drama daquela paixão imperiosa e irresistível — fervente como lava, pura e radiante como o olhar de um anjo —, as vinganças furiosas, os beijos desesperados, a frenética disputa entre o amor e a morte, era mais do que eu podia surportar. […] Naquela época, não sabia uma palavra de inglês, mas a força da atuação, em especial de Julieta, a rápida sequência das cenas, o jogo de expressão, voz e gesto me disseram mais e me deram uma compreensão muito mais rica das ideias e paixões do texto original do que poderiam dar as palavras de minha pobre tradução.
Segundo o poeta francês Émile Deschamps (1791-1871), que transcreveu em versos o texto que Berlioz redigiu para a sinfonia, ele e o compositor trabalharam em um plano para Romeu e Julieta logo no início de 1828. Contudo, a obra só seria composta mais de dez anos depois. Nesse meio tempo, Berlioz passaria dois anos na Itália (1831-32), onde teve a oportunidade de assistir à ópera I Capuleti e i Montecchi, de Vicenzo Bellini, baseada no drama de Romeu e Julieta, e se casaria com Harriet Smithson.
É nesse período, também, que Berlioz sofre maior influência da música de Beethoven, estudando detidamente as partituras do compositor alemão. Na Sinfonia Pastoral, ele encontrou uma realização altamente sofisticada e nada ingênua da ideia de música descritiva; na Nona, as possibilidades expressivas de uma sinfonia coral. Em uma espécie de prefácio à primeira edição da obra, Berlioz de fato ressalta que Romeu e Julieta não é uma ópera em versão de concerto nem uma cantata, mas uma sinfonia coral. Dessa forma, assinala o princípio que orientou a composição da obra: explorar os meios pelos quais a orquestra pode representar um drama sem o auxílio constante das palavras. Não por acaso, os solistas vocais e o coro interpretam personagens secundários ou “narradores” da peça, ao passo que é a orquestra quem “encarna” os dois amantes.
Romeu e Julieta contém três partes subdivididas em movimentos cujos títulos indicam a sequência dos episódios dramáticos. Inicia-se com um fugato que evoca os combates de espada entre as duas famílias inimigas nas ruas de Verona, ao qual se segue um recitativo dos metais representando a intervenção do príncipe, que faz cessar a luta. Coro e solistas entram após essa introdução orquestral, em um “Prólogo” em que o drama é apresentado e premonições sinistras são feitas.
Três movimentos compõem a segunda parte da sinfonia. O primeiro estrutura-se pelo contraste entre os ritmos de dança que remetem à festa na casa dos Capuleto e uma dolorosa melodia que exprime a solidão e a tristeza de Romeu. O movimento seguinte instaura uma atmosfera de silêncio noturno e tem em seu núcleo a bela “Cena de Amor”, adágio em que breves motivos rítmicos das madeiras (Julieta) alternam com o lirismo melódico dos violoncelos (Romeu).
Em 1858, Berlioz diria que, de toda a sua obra, a “Cena de Amor” de Romeu e Julieta era a peça de que mais gostava. O “Scherzo” seguinte constitui uma espécie de diversão ou de sonho ligeiro em que Berlioz evoca a Rainha Mab, fada a que se refere Mercúcio, amigo de Romeu, em uma passagem da peça de Shakespeare. Mab é uma fada que traz sonhos nos quais os desejos se realizam, o que em parte explica o uso, nesse “Scherzo”, de sonoridades originais — como a dos címbalos antigos —, impensáveis na época em que obra foi composta.
O “Cortejo Fúnebre de Julieta” inaugura a terceira e última parte da sinfonia. Em suas duas sinfonias anteriores, Berlioz também incluíra movimentos de marcha — a “Marcha Para o Suplício” da Sinfonia Fantástica e a “Marcha dos Peregrinos” de Harold en Italie. Para Romeu e Julieta, compõe uma marcha fúnebre, que evoca a procissão do enterro da filha dos Capuleto. Berlioz retornaria ao gênero na Sinfonia Fúnebre e Triunfal (1840) e na Marcha Fúnebre Para Hamlet (1844); além disso, o próprio “Offertorium” da Grande Missa Dos Mortos evoca uma procissão. O movimento seguinte de Romeu e Julieta, no qual Berlioz confere ao silêncio uma função expressiva, é talvez o mais “realista” da obra. Após o retorno da melodia da “Cena de Amor” — técnica que antecipa o leitmotiv wagneriano —, violinos sugerem os sobressaltos dos corpos dos amantes, que começam a sofrer a ação do veneno, e o oboé por fim exala em pianissimo os últimos suspiros de Julieta.
A sinfonia se encerra com um longo e grandioso “Finale”, em que Berlioz procura aproveitar ao máximo o potencial expressivo da combinação de orquestra, coro e solistas. O movimento lembra uma cena de grand opéra, marcada pela presença das multidões e estruturada pela sequência coro—recitativo—coro. Não por acaso, Romeu e Julieta causou forte impressão em Wagner, que assistiu à estreia da sinfonia em Paris. Em 1860, o compositor alemão enviaria a Berlioz a partitura de Tristão e Isolda com a dedicatória: “Ao grande e caro autor de Romeu e Julieta/ O grato autor de Tristão e Isolda”.
PEDRO FRAGELLI é doutor em Literatura Brasileira e editor da Revista da Osesp.

“Depois de longa indecisão, fixei-me na ideia de uma sinfonia com coros, solos de canto e recitativo coral, da qual o drama de Shakespeare, Romeu e Julieta, seria o tema sublime e sempre novo. Escrevi em prosa todo o texto; Émile Deschamps, com sua facilidade extraordinária, o transpôs em versos, e comecei a compor. Trabalhei durante sete meses, sem parar por mais de três a cada trinta dias. Que vida ardente vivi naquele período! Com que vigor nadava nesse grande mar de poesia, acariciado pela brisa louca da fantasia, sob os raios tépidos desse sol de amor que Shakespeare acendeu, acreditando-me capaz de chegar à ilha maravilhosa onde se eleva o templo da arte pura!” -HECTOR BERLIOZ . Memórias, XLIX (1865).

“Não deve haver dúvida sobre o gênero musical a que pertence esta obra. Ainda que vozes sejam frequentemente usadas aqui, não se trata de uma ópera em versão de concerto nem de uma cantata, mas de uma sinfonia coral. Se há canto quase desde o início, é para preparar a mente do ouvinte para as cenas dramáticas cujos sentimentos e paixões deverão ser expressos pela orquestra. É também para introduzir as massas corais gradualmente conforme a música se desenvolve, considerando-se que sua aparição súbita poderia prejudicar a unidade da composição. Assim, o “Prólogo”, no qual o coro apresenta a ação, é cantado por apenas quatorze vozes. Posteriormente, o coro dos homens da família Capuleto é ouvido fora do palco; então, na cerimônia do funeral, cantam homens e mulheres dos Capuleto. No início do “Finale”, os coros dos Capuleto e dos Montecchio aparecem com Frei Lourenço e, no fim, os três coros cantam juntos. A última cena da obra, a da reconciliação entre as duas famílias, é a única que entra no domínio da ópera ou do oratório. Nunca foi representada em palco algum desde o tempo de Shakespeare, mas é bela demais, musical demais, e conclui uma obra dessa natureza bem demais para que o compositor pense em tratá-la de maneira diferente. Se, nas famosas cenas do jardim e do cemitério, o diálogo dos dois amantes — os apartes de Julieta, as explosões apaixonadas de Romeu — não são cantados, se os duetos de amor e desespero são confiados à orquestra, as razões são numerosas e fáceis de compreender. Em primeiro lugar, e isto apenas seria suficiente, trata-se de uma sinfonia e não de uma ópera. Segundo, uma vez que duetos dessa natureza receberam tratamento vocal milhares de vezes pelos maiores mestres, era de bom senso, embora inusual, procurar um novo meio de expressão.  Além disso, a própria sublimidade desse amor tornava sua representação tão perigosa para o compositor que ele teve de dar à sua imaginação uma latitude que o significado das palavras cantadas não lhe poderia conferir. Recorreu, então, à linguagem instrumental, mais rica, mais variada e menos precisa, e que por sua indeterminação mesma será incomparavelmente mais poderosa num caso como esse.” - PRÓLOGO DE BERLIOZ PARA SUA “SINFONIA DRAMÁTICA” ROMEU E JULIETA.

ARTISTAS
Regente –  Stéphane Denève
Mezzo – Kristine Jepson
Tenor – Rúben Araújo
Barítono – Mikhail Petrenko
Orquestra Sinfônica do Estado de SP
Coro da Osesp
Coral Jovem do Estado


PROGRAMA
Hector BERLIOZ [1803-69]
Romeu e Julieta, Op.17 [1839]
Primeira Parte
- Introdução (Combates. Tumulto. Intervenção do Príncipe) Prólogo (Estrofes. Scherzetto)

Segunda Parte
- Romeu só. Tristeza. Ruído Distante de Baile e de Concerto. Grande Festa na Casa Dos Capuleto
- Noite Serena. O Jardim dos Capuleto, Silencioso e Deserto. Jovens da Família Capuleto Saem da Festa, Passam e Cantam Reminiscências da Música do Baile.
- Cena de Amor –  A Rainha Mab, ou a Fada dos Sonhos (Scherzo)

Terceira Parte
- Cortejo Fúnebre de Julieta
- Romeu no Mausoléu dos Capuleto. Invocação. Despertar de Julieta. Alegria Delirante, Desespero. Últimas Angústias e Morte Dos Dois Amantes
- Final (A Multidão Acorre ao Cemitério. Rixa Entre os Capuleto e os Montecchio. Recitativo e Ária de Frei Lourenço. Juramento de Reconciliação)

SERVIÇO

Sala São Paulo
Praça Júlio Prestes, s/no.

Dias 18, às 10h. – dia 19, às 21h. e dia 20.08, às 16:30h.
Ingressos de R$ 40,00 a R$ 135,00
Fonte: http://www.movimento.com/

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