IL GUARANY DOS PAMPAS GAÚCHOS.


    O imaginário popular pensa na ópera Il Guarany de Carlos Gomes como uma ópera genuinamente brasileira. Primeiro erro do povão é chamá-la de O Guarani ,esse é o livro de José de Alencar que deu origem ao libreto. Sua abertura, popularizada pelo chatíssimo e por muitos anos obrigatório programa de rádio “A Voz do Brasil”, é conhecida pela maioria dos brasileiros e considerada por muitos como o segundo hino nacional. A verdade é única e cruel: Il Guarany é ópera italiana, cantada em italiano, adaptada ao gosto do romantismo italiano do século XIX, apresentada pela primeira vez na Itália no famoso teatro Scala de Milão. A única ligação da ópera com o Brasil é o tema, esse sim brasileiro.
   Montada em diversos teatros nacionais e esquecida pelo resto do mundo, uma grande injustiça com Carlos Gomes. Compositor a altura e às vezes muito melhor que muitos italianos de sua geração. O Theatro São Pedro/SP apresentou no último dia 26/10/2011 mais uma versão da afamada ópera.
   Torci o nariz quando soube que o soprano Edna D’Oliveira iria interpretar a personagem Ceci. Conheço a cantora e imaginei sua voz inadequada a personagem. Quebrei a cara, o soprano conseguiu com seu belo timbre e uma técnica firme fazer uma grande Ceci. Agudos luminosos, quentes e uma emissão clara das notas foram o determinante. Coloraturas que exploram todas as nuances, muitas delas de baixo volume, mas de grande beleza. Um soprano que se superou, entendeu as dificuldades do texto, estudou e conseguiu dar grande credibilidade melódica a personagem.
Edna D'Oliveira
   Marcello Vanucci é veterano como Peri, já o conhecia nesse personagem, Teatro Alfa /2000. Sua voz tem agudos brilhantes e consistentes. Sua técnica é excelente . Uma interpretação convincente, com grande qualidade do início ao fim da récita. Para Vanucci esse personagem é uma moleza, ele tira de letra. Inácio de Nono foi um Gonzáles mediano, sua voz não tem o brilho fundamental nos graves, muitas vezes soa agressiva e desigual.
Marcello Vanucci
   A surpresa fica com Lício Bruno, seu Cacique esbanja potência na voz , escura e amedrontadora . Mostrou um vigor que empresta credibilidade ao personagem. Eduardo Janho-Abumrad fez um Don Antonio regular, com destaque na interpretação.
   Cenários com painéis que reproduzem os locais onde se passa a ação . Apresentados em preto e branco : corretos, simples e funcionais. Fabulosos no terceiro ato, dando a impressão tridimensional. Unidos a uma bela iluminação, muitas vezes estática. A direção de João Malatian é arroz com feijão, básica e correta. Fez um Il Guarany simples, sem frescuras.
   Os figurinos mostram aventureiros portugueses com roupas de inverno e trajes que lembram os conterrâneos gaúchos. Será que a ópera se nos pampas gaúchos? Será  o figurinista é gremista ou colorado? Só faltou o chimarrão. Trajes dos índios aimorés com desenhos geométricos, Peri usando uma longa bermuda cargo e as enormes galochas dos portugueses e espanhóis não convencem.
   A Orquestra do Theatro São Pedro fez a famosa abertura (não é protofonia como dizem por aí) desigual, no decorrer da récita o maestro Roberto Duarte acertou a mão e tudo se harmonizou. O coro abriu o primeiro ato em total falta de sintonia entre as vozes, melhorou no segundo ato e foi primoroso no terceiro. O volume excessivamente alto incomodou em muitas passagens. A coreografia do balé esteve correta, passos modernos com um pequeno número de dançantes encheram o palco de magia.
   Um Il Guarany de bom nível em quase todos os quesitos. Ópera montada com funcionalidade e pratica, sem as frescuras de muitos diretores que se dizem moderninhos. Que adoram inventar “conceitos” inexistentes (esses só existem em suas mentes). O Theatro São Pedro está montando um excelente repertório de óperas em seu acervo, destaco : Carmen, Don Pasquale e Il Guarany. Longa vida as óperas do Theatro São Pedro/SP.

Ali Hassan Ayache.

Comentários

  1. Vou assistir hoje, seguindo a indicação que recebi de você ontem.

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  2. No derradeiro meio século, Il Guarany foi apresentada em duas ocasiões no Teatro Nacional de São Carlos: em Abril de 1968 com Carlos Jorge, Diva Pieranti, Lourival Braga, Pedro Stomper e Luís França, sob a direcção de Silva Pereira e no ano 2000 com Eduardo Itaborahy, Rosana Lamosa, Niko Issakov, Pepes do Valle e Alessandro Verducci com direcção orquestral a cargo de Luiz Fernando Malheiro.

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  3. O Sr. tem a pretensão de se tornar um crítico sério algum dia, Sr. Ali?
    É melhor começar a, pelo menos, ler alguma bibliografia específica. Suas "críticas" são uma ofensa ao que um verdadeiro crítico de arte faz.

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  4. Se não pudermos chamar "Il Guarany" de "O Guarani", aqui no Brasil (onde, para quem ainda não sabe, fala-se o português), então, por coerência, não poderemos também nos referir a outras óperas em nosso idioma (como "O Barbeiro de Sevilha", "O Elixir do Amor", "A Flauta Mágica"). Já pensou, referirmo-nos a elas como "Il Barbieri di Siviglia", "L'Elisir d'Amore", "Die Zauberflöte"??? Puro pedantismo!
    Me espanta a sua condescendência parcimoniosa com o senhor Educardo Abumrad. Você é amigo dele?
    Lamento quem se dê por contente com o "feijão-com arroz" cotidiano e simples nas direções cênicas. Na minha opinião, os diretores deveriam sempre nos oferecer novas leituras, novas possibilidades, novas perspectivas, usando ferramentas como a criatividade, a invenção e a ousadia (mas concordo que índio vestido à la "Flintstones" não fica bem). Citando Oswald de Andrade, não é por sermos uma "massa" que não deveríamos comer biscoito fino de vez em quando. Só feijão-com-arroz cansa.

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  5. Concordo com o Marco Antônio. Infelizmente há um bola de neve no quesito direção: os "diretores" (entenda-se como diretor, aqui, a pessoa que marca cenas, o que, definitivamente, é bem diferente de dirigir) não saem do feijão-com-arroz porque pensam que o público não está pronto ou não é o que lhes interessa. Todos querem ver mesmo é belas vozes e pronto. Pessoas como o Sr. Ali fazem jus a essa parcela do público. O restante, penso eu, é subestimado mesmo. O povo quer ver espetáculos de qualidade. Em minha modesta opinião, não é o público que é despreparado...

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  6. Dalila, acho que o problema é mais sério. O diretor não só pensa que o público não está pronto, como acha que os cantores não dão conta de sair do convencional. Porque por anos eles ouviram: "Não posso fazer isso, pois vai atrapalhar meu canto!" ou "Sou cantor, não ator!". Infelizmente essas mentiras se tornaram verdades de tão repetidas. Espero que a nova geração de cantores, mais disposta e interessada em realmente contar a história, não só cantá-la, mostre aos poucos que, sim, é possível ousar, se movimentar enquanto canta, dançar, e ser tanto ator quanto cantor. E aí nós finalmente teremos o que Wagner chamou de obra de arte total!

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  7. Bravo, André. Concordo com você. O dia em que os cantores de ópera se interessarem por ter o mesmo preparo dos cantores de musicais, por exemplo, que cantam, dançam e atuam, as coisas mudarão. No entanto, nenhum deles cogita ter aulas de interpretação teatral, por exemplo. De dança então, nem pensar. É uma pena. Por isso a ópera continua sendo feita como há duzentos anos atrás, destinada a um público igualmente arcaico, que parou no tempo.

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