ENTREVISTA COM MARLOS NOBRE + FEMUSC NOMEIA MARLOS NOBRE EMBAIXADOR DO FESTIVAL

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Marlos Nobre, um dos maiores compositpores contemporâneos do Brasil, esteve presente ao 7º FEMUSC 2012 (7º Festival de Música de Santa Catarina), realizado na cidade de Jaraguá do Sul.
O Festival aconteceu de 22 de janeiro a 4 de fevereiro, e um dos pontos altos foi a execução da obra Cantoria Concertante, do nosso compositor Marlos Nobre, que foi apresentada no dia 01 de fevereiro pela Orquestra do Festival dirigida pelo maestro Alex Klein.
Foi uma execução primorosa e o Festival é espetacular. O público que lotava a sala aplaudiu de pé durante 10 minutos e e o compositor foi nomeado Embaixador do Festival. Houve depois uma entrevista feita pela assessoria de imprensa do festival, liderada por Sônia Pillon, cujo teor integral transcrevemos abaixo.

Nome completo e idade
72 anos, compositor brasileiro de música de concerto.

É casado, tem filhos, netos?  Alguém da família seguiu seus passos?
Sou casado com a grande pianista brasileira Maria Luiza Corker e temos uma única filha Karina, hoje com 18 anos, solteira e universitária.

Onde nasceu e onde vive hoje?
Nasci em Recife e vivo, desde 1962, no Rio de Janeiro.

Desde que idade passou a tocar piano?
Comecei com 4 anos de idade, com minha prima Nysia Nobre, na época a melhor professora de piano de Recife, aluna de Tomás Terán.

Quando começou a se apresentar e onde? Fale brevemente sobre sua carreira a partir de então, nacional e internacional.
Comecei a me apresentar desde cedo, nos recitais dos alunos da Nysia no Teatro de Santa Isabel em Recife. Logo aos 6 anos, eu começa a fazer pequenas composições e era evidente que eu era dotado para a composição. Entrei para o Conservatório Pernambucano de Música aos 10 anos, para completar os estudos de piano e teoria musical. Com 14 anos comecei a estudar com o grande professor Pe. Jaime Diniz que chegara a Recife vindo da Itália, onde ser formara. Aí comecei seriamente os estudos de contraponto e fuga, que me levaram à técnica da composição. Estudei em 1960 com Koellreutter e, em 1961, com Camargo Guarnieri. Depois, ganhei concurso da Rockefeller Foundation em 1962 para estudar com compositores como Ginastera, Messiaen, Dallapiccola, Malipiero e Copland no período 1963/64 no Instituto Di Tella em Buenos Aires.
A partir daí começou minha carreira no exterior, ao apresentar minha obra UKRINMAKRINKRIN em Paris, vencendo a Tribuna de Compositores da UNESCO e sendo apresentada em cerca de 45 países. Daí em diante, minha carreira deslanchou no exterior e no Brasil. Impossivel detalha,r mas resumindo ganhei então 25 primeiros prêmios internacionais e no Brasil, comecei a participar dos Festivais mais importantes de música contemporânea nos Estados Unidos (meu Concerto Breve em 1971 estreado por João Carlos Martins em Washington me valeu consagração crítica no Wshington Post e no New York Times), em Londres (dirigindo a Royal Philharmonic Orchestra no Queen Elizabeth Hall estreando ali meu “Concertante do Imaginário” solista minha mulher, a grande pianista brasileira Maria Luiza Corker, a quem dediquei a peça.
Assinei contratos de edição de minhas obras na Alemanha, França, Itália e comecei a lançar minha obra em CDs, começando com um CD duplo pela Lemán Classics da Suíça, que me valeu críticas consagratórias na Fanfare/USA. No momento. tenho cerca de 37 CDs lançados internacionalmente e minha obra é tocada em todo o mundo. Posso assim dizer que me sinto parcialmente realizado, como compositor, mas ainda não totalmente. Diariamente crio minha obra com o mesmo fervor de 40 anos atrás.
Em 2004 recebi o grande prêmio Tomás Luís da Victoria, concedido na Espanha, com dotação de 60.000 euros, por ser considerado então como o mais importante compositor do Continente Iberoamericano. Um reconhecimento intenarcional que afaga o ego mas não me deslumbra, jamais. Sigo escrevendo e compondo diariamente minha obra e ainda tenho muito a dizer.

Nos anos de 1970, o senhor foi o responsável por um projeto importantíssimo, que visava disseminar a música  clássica, o “Concertos para a Juventude”. Fale um pouco sobre isso. Quando começou, quando terminou, qual sua avaliação sobre os resultados…
Eu comecei a dirigir a série Concertos para a Juventude na TV Globo e alí vi a oportunidade de levar a grande música, a música clássica à TV em larga escala. Mas não fiz somente “concertos”. Criei então os Concursos para Jovens Instrumentistas, para Bandas de Música, para Corais Universitários, para Ballet, para Jovens Pianistas, animando assim o meio musical.
Antônio Meneses foi revelado ao vencer o Concurso de Jovens Instrumentistas e ganhou uma bolsa para estudar na Europa. Uma infinidade de jovens ali encontrou o primeiro impulso para suas carreiras. As bandas de música, pouco estimuladas no Brasil, tiveram então a oportunidade de aparecerem no cenário nacional, mostrando a riqueza deste gênero no Brasil. Os Corais supreenderam a todos pela qualidade. Os pianistas, violinistas, violonistas, flautistas, enfim todos os jovens, tiveram o primeiro grande impulso em suas carreiras.
Era então o primeiro grande apoio nacional à juventude musical brasileira. Lançamos discos com os vencedores dos concursos de Corais, de Bandas, e a partir daí criamos circuitos de apresentações de recitais com joven em todo o Brasil a que chamei de Rede Nacional de Música. Tudo isso em 1970, antecipando assim em 40 anos o que hoje está sendo feito, graças a Deus em todo o Brasil e aqui na FEMUSC.
O sucesso era enorme, o patrocínio era do Governo através do MEC e da própria TV Globo. Mas a Globo queria o horário para transmitir as corridas internacionais de carros, que começava então a interessar ao público. Lutei até quanto foi possível, uma resistência que foi de 1970 a 1980, quando finalmente venceram os interesses comerciais e o horário foi definitivamente dado ás corridas de carros e a música perdeu seu horário supremo e único na Televisão comercial brasileira.
O pior é que tudo estava gravado em caixas e caixas de fitas de gravação, enormes, pesadas e caríssimas. O Boni, diretor geral da TV Globo me disse então que a Globo não era cultural e ele daria todas as fitas gravadas em 10 anos com todo aquele imenso acervo, se o governo (MEC) trocasse o acervo por fitas virgens. Era um negócio maravilhoso para o MEC. Tentei convencer as autoridades do governo que aquele acervo não poderia se perder. Tudo inútil. O Boni esperou, esperou e como nada se resolvia ele decidiu pelo pior: apagou tudo e reutilizou as fitas em programas do Chacrinha e similares.
Essa a verdadeira história do que considero um erro fundamental da nossa gestão governamental naqueles anos. Uma perda absurda, uma história que se perdeu para sempre.

O senhor é apontado como o melhor compositor de música erudita no Brasil, depois de Villa Lobos. Fale sobre isso.
Sinceramente eu não gosto desta história de ser o melhor, o maior, coisas assim pelo estilo. Nunca trabalhei visando ser “o melhor”, isso não existe. Ao ganhar o prêmio Tomás Luis da Victoria, consideraram-me o “melhor e mais importante do Continente Iberoamericano”, isto está registrado em ata. Mas tudo isso afaga meu ego, é uma recompensa indubitável ao meu trabalho incessante e extenuante de mais de 51 anos de exaustiva criação de obras (meu catálogo atual tem 260 obras compostas). Isso é maravilhoso naturalmente, mas quero usar isso para incentivas a juventude musical do Brasil, sobretudo os jovens compositores.
Quero que de alguma maneira o exemplo do meu trabalho sirva para que sintam que é possível, sim, adquirir um lugar de relevo na cultural do Brasil, sendo um compositor. Mas para isso batalhei muito. Outra grande lição é que sem um esforça incessante, contínuo, brutal, ninguém chega lá. São horas, dias, noites, anos, nos quais me subtraí as distrações comuns dos mortais, em prejuízo às vezes do convívio com amigos ou com minha própria família, para me isola e compor.
Porque a profissão do compositor é de total isolamento: você está ali, sentado, diariamente, só, irremediavelmente só, diante da partitura branca, com seus lápis e não tem outra coisa a fazer senão escrever, escrever e escrever. Eu o faço 8 e às vez 10 horas diariamente, quando tenho de compor novas obras o que significa: sempre. E isso não me deixa opções de muito lazer. O sacrifício é pela criação de minha obra, e essa é minha alegria e minha escravidão.

Quantas e quais obras o senhor produziu?
Já disse antes, até aqui são 260 obras. Em todos os gêneros, pois não quero aqui dar todos os títulos. Para orquestra sinfônica, cordas, solistas, câmera, corais, música para violão, para todos os instrumentos solistas desde a flauta até a tuba, desde o violino até o contrabaixo, para todos instrumentos de percussão, para harpas, cantatas, oratórios, concertos, divertimentos, sonatas, sonatinas, enfim os mais diversos ou seja, TODOS os gêneros da música, excetuando até aqui somente a ópera, mas isso já está sendo providenciado: estou no momento terminando minha primeira ópera sobre o tema LAMPIÃO, uma grande ópera em 3 Atos.

Quais projetos da sua brilhante carreira o senhor destacaria?
Acho que projetos como a composição de minha obra integral. Eu diria que o que almejo é a minha obra em sua integralidade e cada peça, desde a menor até a mais estendida, é parte de um todo. Assim eu vejo minha criação. Desde as obras para flauta e violoncelo solos, até às grande cantatas, aos grandes concertos. Naturalmente o que mais me interessa no momento são as obras mais recentes, pois nelas eu estou atingindo aquilo que sempre busquei, ou seja, a perfeição máxima de que sou capaz e que ainda persigo, dia a dia.
As minhas obras mais recentes, como por exemplo o Concerto nº 2 para percussão e Orquestra (encomendado e estreado pela OSESP em 2009) e os MOVIMENTOS SINFÔNICOS para grande orquestra (encomendados e estreados pela Orquestra Petrobrás dirigido pelo meu querido amigo e grande maestro Isaac Karabtchevsky em 2011), estas obras representam o meu pensamento atual e nelas eu cheguei a um grau de perfeição de escritura sinfônica que me agrada pessoalmente.

Quais os projetos que o movem hoje?
Os grandes projetos: acabo de terminar uma nova obra encomendada pela Venezuela, pelo meu grande e querido amigo o maestro José Antonio Abreu criador do “El Sistema”. É um novo Concerto para Orquestra que deve ser estreado pela Orquestra Simón Bolivar dirigido por Gustavo Dudamel brevemente. E a nova obra encomendada pela OSESP, uma obra que tem o título provisório de “Sagração da Sagração” para estrear em 2013, ano do centenário da criação da Sagração da Primavera de Stravinsky obra que mexeu comigo em minha juventude, de maneira fundamental. E a Ópera Lampião sobretudo e mais projetos de ópera, pelo menos mais duas novas óperas em caminho nos próximos anos, se Deus quiser. A Ópera agora é meu interesse maior e mais urgente: é o quero fazer e ao que quero me dedicar nos próximos anos.

Tente falar sobre a emoção que sentiu ao ser aplaudido de pé no Femusc 2012, depois de ter sua composição tocada no palco? Foi a segunda apresentação mundial dessa obra? Fale dessa obra e quando ela surgiu.
A apresentação de minha CANTORIA CONCERTANTE pela orquestra de jovens do FEMURJ, a Orquestra de Música Contemporânea dirigida pelo excepcional músico e regente Alex Klein, foi para mim uma imensa alegria. E, ao ver aquele público enorme do SCAR de pé, aplaudindo a obra depois do acorde final, foi uma das grande emoções de minha vida de compositor. Eu já tinha dito ao Alex e à orquestra que aquela execução já era mais de acordo com minha obra, meu estilo e minha visão do que a estreia anterior na Espanha. E olhe que em Madrid a obra foi estreada mundialmente pela Orquestra Sony da Escuela Superior de Música Reina Sofia. Escrevi esta obra por encomenda de Paloma O´Shea, Presidente da Escuela, e nela coloquei solos importantes para todos os primeiros músicos dos naipes de cordas, madeiras, metais, e percussão.
A execução no Festival FEMUSC foi portanto esplendorosa, absolutamente perfeita, cada detalhe da partitura mereceu o cuidado especial do Maestro Alex Klein e os jovens corresponderam à altura. Uma grande performance.

O senhor passa a ser o Embaixador do Femusc a partir de agora. Como é isso para o senhor?
É uma honra indescritível ser o Embaixador do FEMUSC. Uma honra e uma responsabilidade, pois representa um reconhecimento do meu país à minha criação e ao que posso fazer para ajudar, no que for possível para tudo que for necessário. Eu fiquei absolutamente maravilhado, encantado com tudo que vi e ouvi no FEMUSC. Desde as criancinhas, tocando de maneira comovedora, séria e surpreendente, até os quartetos de cordas, os conjuntos de percussão, de sopros, metais, percussão, enfim uma verdadeira FESTA DA MÚSICA BRASILEIRA.
O Alex Klein, com a experiência vivida na Chicago Symphony, tem na veia e no espírito o verdadeiro sentido da elevada carga emocional da música, mas sobretudo a responsabilidade de fazer o melhor que seja possível. O nível de exigência dos ensaios de Alex Klein, que presenciei na preparação de minha obra, são de uma minuciosidade incrível,  jamais satisfeito com uma solução boa, querendo sempre a solução melhor ou seja do mais alto nível. Não existe a palavra cansaço, nem existem meios termos. O ideal perseguido por Klein é a perfeição, porque é esta perfeição que ele tem em seu DNA musical e em seu espírito de grande músico. E isso ele milagrosamente transmite e consegue de seus músicos jovens.
Uma pena que não pude ficar para o concerto final dele regendo a querida Sagração, com seu jovens músicos. Certamente será a mesma perfeição, que já comprovei ao assistir a um ensaio da obra ontem no FEMUSC.
Estou orgulhoso e profundamente agradecido de ter sido escolhido como Embaixador deste festival e pretendo levar da maneira mais séria possível tal honra.

E finalmente, quais a suas impressões sobre o Femusc, que está na 7a edição?
Acho que já andei dizendo algo antes: a impressão é de uma verdadeira USINA de música. É como se ali, aqueles jovens, estivessem sendo burilados para um futuro maior, que nosso Brasil merece. Deus queira que nossas autoridades governamentais, a própria presidente DILMA ROUSSEFF que admiro profundamente, se deixe tocar por todo este movimento maravilhoso, pois a prática da música pelos jovens brasileiros não é somente uma atividade profissional ou profissionalizante: é um movimento de integração, crescimento cultural e sobrevivência humana em nosso país.

Fonte: http://www.movimento.com/

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