POR QUE A CIDADE DA MÚSICA VIROU UM MISTÉRIO? ARTIGO DE CLÓVIS MARQUES NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.

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Em recente recepção, um diplomata europeu é informado por um alto funcionário da Cultura de que uma “inauguração” ocorrerá na Cidade das Artes em abril.

clovis marques Por que a Cidade da Música virou um mistério?
Clóvis Marques
Ao ser perguntado sobre a programação, o funcionário responde que não sabe. Faz sentido? O diálogo ocorreu realmente? É assim mesmo: sobre a administração do “nicho” música clássica no município do Rio de Janeiro, ficamos sabendo por boatos, suposições, adivinhação.
A Cidade das Artes, como todo mundo sabe, é um complexo construído pela administração anterior (com o nome de Cidade da Música) para dotar o Rio de uma sala sinfônica moderna, destinada a ser a sede da Orquestra Sinfônica Brasileira.
Nada mais natural: uma metrópole que se internacionaliza e tem uma tradição nesse gênero quer dotar-se de um hall sinfônico em condições de proporcionar música orquestral de alta qualidade aos habitantes e visitantes.
Houve roubalheira? A escolha do local foi arbitrária ou equivocada? Constatam-se erros e insuficiências no projeto e sua realização? Que seja.
A cidade quer o equipamento? O investimento feito merece ser aproveitado e posto para frutificar? Os contribuintes têm o direito de saber o que está acontecendo e o que será feito?
Há cerca de um ano esta coluna procura se informar junto ao governo do município sobre a situação da Cidade das Artes. Não houve secretário, subsecretário, assessoria institucional ou assessor pessoal que não fosse consultado a respeito. Como resposta, invariavelmente, evasivas e desinformação.

Mutismo e desinteresse

Como as dificuldades existem e o investimento é pesado, os gestores acham que precisam ser cautelosos, não falar antes do tempo, hesitam, tateiam, escondem o jogo. Não seria o caso de mais transparência e proatividade junto ao distinto público?
Mas… que público? Ele existe? Existe no Rio um público interessado na conclusão da Cidade das Artes e no seu funcionamento em padrão elevado?
O único jornal da cidade trata do assunto muito de vez em quando, para bater na alegada incúria do prefeito anterior, não para assumir o seu papel de identificar um interesse público (além da honestidade orçamentária) e defendê-lo.
Nesse mesmo jornal, O Globo, lia-se neste domingo 25: “O ‘notável apetite’ do Brasil por arte começa a se traduzir em público”, em reportagem intitulada “Exposição de Escher no CCBB carioca foi a mais visitada do mundo em 2011”. Páginas antes, outra reportagem, sobre a inflação dos preços dos hotéis na cidade, começava assim: “Beleza natural estonteante, sede dos próximos eventos esportivos mais importantes do planeta, calendário cultural aquecido, maior sensação de segurança nas ruas e, claro, destino turístico que virou moda internacionalmente.”
Prestaram atenção no “calendário cultural aquecido”?
Que acham os que se interessam por música clássica na cidade, no momento em que a temporada começa em locais improvisados e inadequados porque o Teatro Municipal está fechado, a Sala Cecília Meireles está em obras e a Cidade das Artes é uma miragem enigmática?
Já que estamos na seara dos recortes de jornal, aqui vai um outro, do Jornal do Brasil, em setembro de 1998. Era John Neschling falando a este repórter sobre a refundação da Osesp e a necessidade de uma sala própria para a orquestra: “É algo que dispensa explicação, ça va sans dire. (…) Os gastos com a construção da nova sala equivalem a três metros de túnel. Não é bicho de sete cabeças, basta um mínimo de vontade política visando ao lucro cultural e de imagem a longo prazo. São Paulo não pode continuar sem uma orquestra do padrão de tantas realizações da indústria, da economia e da cultura no Brasil, não podemos ficar para trás na música sinfônica.”

Minoria esmagadora?

A prefeitura do Rio está em processo de licitação para escolha da entidade de serviço público que vai gerir a Cidade das Artes. O prefeito declarou recentemente que a conclusão e funcionamento do equipamento não são prioritários, provavelmente porque está empenhado nas obras ciclópicas para preparar a cidade para os “eventos esportivos mais importantes do planeta”. Desse quadro de dinamismo e iniciativa não faz parte a música sinfônica, arte estranha no pedaço.
Existem no Rio alguns milhares ou algumas dezenas de milhares de pessoas para as quais a música clássica significa algo, já é um bem cultural e espiritual a ser cultivado. São, claro, uma minoria esmagadora.
Mas será mesmo? Será que o círculo vicioso da procura tímida e da oferta chocha não pode ser transformado em círculo virtuoso se o lado que responde pela oferta tomar a iniciativa? Se olhar ao seu redor e vir, em cidades de qualquer continente, como as músicas ditas cultas desempenham um papel agregador e saneador em sociedades cheias de problemas?
O que se pensava a respeito em São Paulo antes da refundação da Osesp? Há mais de dez anos o auditório da Sala São Paulo se enche TRÊS VEZES POR SEMANA para os concertos da Osesp! Em Belo Horizonte, começa a construção da sede da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, fundada há menos de cinco anos. Porto Alegre peleja com projeto equivalente, mas não consegue sair do chão…
Em cidades de países ricos, onde esse tipo de investimento também é uma decisão difícil, os grandes halls sinfônicos construídos nos dez últimos anos e repertoriados recentemente pela revista Gramophone assumem uma vocação de abertura para o espaço urbano circundante e para públicos múltiplos. São convidativos motivos de orgulho e convergência.

O que se quer?

Será que é tão diferente assim no Rio? Será que não existe aqui uma potencialidade aguardando a possibilidade? Por que vemos tantas iniciativas em tantas frentes, enquanto esta, a da música clássica, fica relegada e sempre na esfera do quase, do que deu errado, do que não sabe se quer realmente ou se pode ou merece?
Será que o “destino turístico que virou moda internacional” também acabará sendo visto, no momento em que atrair a atenção com “os eventos esportivos mais importantes do planeta”, como aquela grande metrópole tropical onde a música clássica de origem europeia tem um significado histórico e cultural mas não é cultivada em nível condigno?
Claro que até lá a Cidade das Artes estará funcionando. Mas em que condições? A Orquestra Sinfônica Brasileira continuará tentando heroicamente galgar patamares de qualidade, sem consegui-lo plenamente? Ou será que o Rio de Janeiro resolverá ter uma orquestra sinfônica de padrão internacional – o que requer um orçamento mais ou menos na faixa do dobro daquele de que dispõe a OSB?
Essas questões não merecem atenção séria na mídia. Meu ilustre amigo Luiz Paulo Horta provavelmente se depara no Globo com o mesmo muro de descrença e indiferença que sempre prevaleceu. Os editores dos meios de comunicação de massa cariocas, mesmo os das páginas de cultura, em geral encaram a música clássica como uma obrigação “para constar”, sem real interesse “de massa” – e a massa é tudo que lhes parece relevante. Atitude equivalente à dos gestores políticos, que se engancha negativamente na omissão dos mecenas. E assim vai a roda viciosa…
Então, o Rio de Janeiro quer a sala sinfônica da Barra da Tijuca? Por que só se fala do assunto para reclamar do custo? Por que não se engajou até hoje um debate sobre o uso dessa maravilha mal-amada? Por que se permite que ela fique refém do silêncio, da falta de iniciativa, de vontade, de imaginação, de erros?
Clóvis Marques
http://www.opiniaoenoticia.com.br/

Fonte: http://www.movimento.com/

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