OPINIÃO E GOSTO. ARTIGO DE MARCUS GÓES NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.
Opinião e gosto são causas de discussões, polêmicas nos jornais, tapas e até tiros.
Há quem pense que dizer que a terra é quadrada é um livre direito de opinião. Outros não se conformam se alguém não gosta de Elvis Presley. E por aí.
Na área artística, que é a que nos interessa, o assunto se incendeia. Já vi dois amigos se engalfinharem porque um adorava Picasso e o outro o detestava. E na área musical, que é a que diz respeito a este site, não menor é o calor das divergências.Vale a pena ajustar alguns pontos básicos em nosso assunto que é a música.
Em primeiro lugar, não há ouvidos iguais. O meu ouvirá um lá natural de um violoncelo diferentemente do que ouvirá o ouvido do Epaminondas. Eu poderei ouvir a nota áspera e o Epaminondas poderá ouvi-la mais suave. Eu poderei achá-la calante, o Epaminondas afinadíssima.
Isto posto, é de suprema ignorância musical o Epaminondas pretender que um indivíduo ouça não com o seu próprio ouvido, mas com o ouvido dele. Os profissionais sabem disso e conhecem as diferenças de percepção. Por isso, há por exemplo os regentes de orquestra, ensaiadores, preparadores, que têm entre seus trabalhos o de igualar sons nos naipes, cuidar da afinação, do volume. Cada instrumentista tem o seu ouvido, o seu instrumento. E tem o seu próprio cérebro, que é o fim da linha de tudo.
No caso de solistas cantores, é possível e comum que um cantor cante mal com voz bonita e cante bem com voz feia, sempre respeitada a individualidade do ouvinte. A falta de uniformidade nas sensibilidades augitivas é total. Um exemplo famoso é o de Maria Callas, cuja voz, endeusada por muitos, foi chamada de “voz de vinagre” por Arturo Toscanini, que a ouviu várias vezes no início de sua carreira e nunca declarou que a havia achado muito boa cantora. Toscanini ouvia com o ouvido dele, é lógico, e achava a voz da Callas áspera, ácida, muito longe do que prescrevia a escola do belcanto italiano.
Espantar-se ou assustar-se com o modo como os outros ouviram e taxar de errado o que outros ouvintes disseram é pretensioso e descabido. É como dizer “olha, eu escuto melhor que você”, ou “vou ensiná-lo a escutar com os meus ouvidos”. Toda a medicina mudará a partir do momento histórico em que o João poderá ouvir com os ouvidos do Joaquim.
O correto nesses casos é dar sua própria opinião, baseada no que ouviu com seus próprios ouvidos. É diferente e subalterno afirmar “o João disse que a primeira de Brahms é feia, imaginem, ela é linda” no lugar de dizer simplesmente que aquela sinfonia é linda, contrariando a opinião do João.
No mais, não há em arte o absoluto. O Juca detesta a Mona Lisa, o Zeca acha Wagner um chato, a Maria chora de emoção ao ouvir John Cage.
Para terminar, um exemplo literário. Há quem ache lindo e poético o lamentoso verso do enamorado chorando a morte da amada: “Nem um goivinho ornava a cova dela.” O gosto é livre ou não é ?…
BLEIB BEI UNS, DENN ES WILL ABEND WERDEN (BWV 6).
MARCUS GÓES – MAIO 2012
Fonte: http://www.movimento.com/
Há quem pense que dizer que a terra é quadrada é um livre direito de opinião. Outros não se conformam se alguém não gosta de Elvis Presley. E por aí.
Na área artística, que é a que nos interessa, o assunto se incendeia. Já vi dois amigos se engalfinharem porque um adorava Picasso e o outro o detestava. E na área musical, que é a que diz respeito a este site, não menor é o calor das divergências.Vale a pena ajustar alguns pontos básicos em nosso assunto que é a música.
Em primeiro lugar, não há ouvidos iguais. O meu ouvirá um lá natural de um violoncelo diferentemente do que ouvirá o ouvido do Epaminondas. Eu poderei ouvir a nota áspera e o Epaminondas poderá ouvi-la mais suave. Eu poderei achá-la calante, o Epaminondas afinadíssima.
Isto posto, é de suprema ignorância musical o Epaminondas pretender que um indivíduo ouça não com o seu próprio ouvido, mas com o ouvido dele. Os profissionais sabem disso e conhecem as diferenças de percepção. Por isso, há por exemplo os regentes de orquestra, ensaiadores, preparadores, que têm entre seus trabalhos o de igualar sons nos naipes, cuidar da afinação, do volume. Cada instrumentista tem o seu ouvido, o seu instrumento. E tem o seu próprio cérebro, que é o fim da linha de tudo.
No caso de solistas cantores, é possível e comum que um cantor cante mal com voz bonita e cante bem com voz feia, sempre respeitada a individualidade do ouvinte. A falta de uniformidade nas sensibilidades augitivas é total. Um exemplo famoso é o de Maria Callas, cuja voz, endeusada por muitos, foi chamada de “voz de vinagre” por Arturo Toscanini, que a ouviu várias vezes no início de sua carreira e nunca declarou que a havia achado muito boa cantora. Toscanini ouvia com o ouvido dele, é lógico, e achava a voz da Callas áspera, ácida, muito longe do que prescrevia a escola do belcanto italiano.
Espantar-se ou assustar-se com o modo como os outros ouviram e taxar de errado o que outros ouvintes disseram é pretensioso e descabido. É como dizer “olha, eu escuto melhor que você”, ou “vou ensiná-lo a escutar com os meus ouvidos”. Toda a medicina mudará a partir do momento histórico em que o João poderá ouvir com os ouvidos do Joaquim.
O correto nesses casos é dar sua própria opinião, baseada no que ouviu com seus próprios ouvidos. É diferente e subalterno afirmar “o João disse que a primeira de Brahms é feia, imaginem, ela é linda” no lugar de dizer simplesmente que aquela sinfonia é linda, contrariando a opinião do João.
No mais, não há em arte o absoluto. O Juca detesta a Mona Lisa, o Zeca acha Wagner um chato, a Maria chora de emoção ao ouvir John Cage.
Para terminar, um exemplo literário. Há quem ache lindo e poético o lamentoso verso do enamorado chorando a morte da amada: “Nem um goivinho ornava a cova dela.” O gosto é livre ou não é ?…
BLEIB BEI UNS, DENN ES WILL ABEND WERDEN (BWV 6).
MARCUS GÓES – MAIO 2012
Fonte: http://www.movimento.com/
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