RECORDAR É VIVER, MINHA PRIMEIRA CRÍTICA DE ÓPERA - PAVAROTTI, DUAS VEZES AÍDA.
Nos últimos anos de vida ouvimos que o tenor Luciano Pavarotti perdeu a voz, mal conseguia cantar uma ópera inteira e que já era passado o tempo de se aposentar. Mas houve tempos em que o grande tenor italiano teve seus dias áureos. Caso tivesse parado na hora certa todos se lembrariam dele como um grande cantor. Quem teve a sorte de viver essa época e assistiu ao vivo pode se considerar um felizardo. Quem é jovem ou não tem a chance de conhecer os grandes teatros líricos do mundo opta para o vídeo e o cd. Pavarotti gravou em vídeo duas versões da ópera Aída, uma delas no San Francisco Opera House em 1981 e outra na Scalla de Milão em 1985, ambas estão disponíveis em dvd.
A ópera em questão exige um tenor dramático , de voz encorpada, escura e volumosa. Sabemos que essa não é uma característica do Pavarotti. Sua voz é lírica, leve, clara. Mas não nos decepcionamos com isso, seus agudos brilhantes nos fazem esquecer algumas exigências do papel e nos lembram uma época em que o tenor cantava divinamente. Sua Celesta Aída é magnífica, a sustentação da nota si no final da ária faz qualquer teatro explodir em aplausos. Toda sua fama se justifica nesses dois vídeos, sua voz pouco mudou no intervalo de tempo entre ambos. Enquanto esbanja voz Pavarotti mostra os defeitos de sempre. Péssimo ator, não transmite emoção alguma em seu Radames , sempre estático no palco e seu tamanho em nada lembra um guerreiro que vence os etíopes.
A versão do Scalla tem como protagonista Maria Chiara no papel da escrava Aída. Voz adequada ao personagem, soprano dramático de primeira grandeza, transmite a emoção e a dubiedade da escrava que apaixonada por Radames vê seu povo ser massacrado por ele. Sua ária “Ritorna vincitor!” é vibrante, viva e conflituosa. Excelente atuação vocal e cênica para um papel já cantado por inúmeras divas do século XX. Ghena Dimitrova é um mezzo soprano de voz escura e potente, ideal para representar Amneris. Faz uma mulher apaixonada , frustrada e vingativa por não ter seu amor correspondido por Radames. Sua apresentação no quarto ato mostra todos os recursos vocais e cênicos que uma grande mezzo soprano pode ter. Todos os conflitos interiores transparecem em sua atuação, mandou o amado a morte e o perdoa caso ele lhe seja fiel. O grande problema dessa versão do Scalla são os cenários, carregados ao extremo, coloridos em excesso, pesados demais até para um egiptólogo apaixonado. Os figurinos seguem o mesmo padrão, todos cafonas, lembram uma festa a fantasia onde todos querem aparecer. A maquiagem é outro caso de excesso que beira ao ridículo.
Tudo isso culmina na Marcha Triunfal na segunda cena do segundo ato onde o excesso dita a moda.
A versão do San Francisco Opera House apresenta Margaret Price como Aída. Seu primeiro ato é frio, sem emoção. Parece que a cantora não aqueceu a voz antes de entrar no palco ou não tem peso para o papel. Apresenta grandes dificuldades nos agudos, é nítido o esforço que faz para cantar . Cenicamente tenta ser uma atriz, mas resvala na interpretação pouco convincente. Seu grande momento é a ária do terceiro ato “O Pátria Mia”, sua voz “esquentou” , foi convincente, demonstrou toda a dor de perder sua pátria. Stefania Toczyska faz uma Amneris fria , de voz grave e metálica não compromete o personagem, mas não empolga.
O ponto alta dessa versão é a montagem, temos cenários e figurinos que dão fluência ao enredo. Cenários limpos e leves são a predominância,pilares de pedra contrastam com uma luz adequada e muito bem postada. Figurinos simples e inspirados, como não podia deixar de ser no antigo Egito, são a característica central. Destaques negativos para algumas roupas que parecem ser de extraterrestres. Mas nada que se aproxime aos exageros do Scalla. Final comovente onde a atmosfera de luz e cenários combina com a morte iminente dos dois personagens.
A orquestra do Scalla com muitos anos de experiência em ópera se sai muito bem, a regência de Lorin Maazel é refinada e clássica impondo a partitura todo o romantismo verdiano. Navarro conduz a orquestra de San Francisco correndo alguns riscos em acelerar o ritmo, mas confiante me seus músicos faz uma leitura moderna. Os coros de ambos os teatros estão satisfatórios, com especial apreço pelo do Scalla que tem estilo próprio de cantar Verdi. Apesar de serem versões antigas gravadas em fitas vhs e transpostas para o dvd temos som e imagem de boa qualidade em ambos os dvds, nada que se compare aos recentes lançamentos de óperas gravadas em tecnologia digital.
Quem deseja uma montagem limpa, com Pavarotti em plena forma vocal opta pela versão do San Francisco Opera House. Quem optar pela montagem do Scalla verá cenários grandiosos e carregados com figurinos e maquiagens exagerados. Com a compensação de ter Pavarotti, Chiara e Dimitrova cantando muito. Quem é viciado em ópera como eu compra as duas, e como nunca se contenta tem as versões do Met, do San Carlo de Napoli e da Arena di Verona. Mas isso é assunto para outros carnavais.
Ali Hassan Ayache
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