MANON VS. MANON LESCAULT . ARTIGO DE ÓPERA PARA PRINCIPIANTES NO BLOG DE ÓPERA E BALLET
Tendo em conta que em breve o Met de Nova Iorque irá transmitir em directo a Manon de Massenet por esse mundo fora e que tal irá gerar muita conversa, numa iniciativa inédita, o Ópera para Principiantes alia-se ao blog Opera &Musica Classica em Lisboa num frente a frente pela defesa da melhor adaptação à ópera da história de Abbé Prevost, Manon Lescaut. Qual a melhor e mais completa adaptação: a de Puccini ou a de Massenet?
As diferenças estilísticas
Quando colocadas lado a lado, percebemos logo as diferenças entre as duas versões. São tão distantes como a ópera francesa o é da italiana. Puccini é herdeiro de uma tradição de música patriótica e quente e intensa. E está na génese do derradeiro movimento operático italiano: o verismo.
Quanto aos librettos: Puccini estava muito mais interessado em mostrar a queda de Manon e toda a sua desgraça ao ser deportada para os Estados Unidos.
Um resumo do libretto da versão de Massenet pode ser lido aqui.
Portanto, muito resumidamente, na Manon de Puccini teremos música intensa e dramática, na de Massenet teremos música ligeira (não confundir com banal ou pouco inspirada) e sensual. Cabe-me agora defender porque considero a adaptação de Massenet a melhor.
O amigo Placido parece não ter duvidas: a de Puccini é sem sombra de duvidas a melhor. Mas a minha pergunta é simples: Será mesmo? Para mim, a resposta sai muito prontamente: Não!
Antes de mais, alerto para a extensão deste post, que é de aproximadamente 5 páginas A4, mas contar tudo isto em poucas palavras parece-me inconcebível. Este post contém também spoilers para aqueles que não conhecem as respectivas óperas.
Um pouco de história
Abbé Prevost escreveu em 1731 o romance “L’Histoire du chevalier dês Grieux et de Manon Lescaut” o qual, devido ao seu conteúdo "escandaloso" foi de imediato proibido de ser comercializado. Mas, tal como acontece com tudo o que é proibido e que põe em causa a nossa virtude moral, depressa se tornou um sucesso. 100 anos depois era adaptada ao Ballet por Halévy (o homem que compôs a ópera La Juive e que era parente de Bizet) e à opera por Daniel Auber em 1856. Será, no entanto, Massenet, em 1884 o tipo que colocará a história de Manon para sempre nos palcos da lírica.
Poucos anos depois, um tipo italiano, com a mania das grandezas e do romantismo e dramatismo exacerbados, ainda praticamente desconhecido no panorama musical, decide fazer frente a frente a Massenet e compor uma versão italiana da mesma história. Massenet, sentindo-se incomodado (ou ameaçado? Conheceria já o potencial do homem que lhe fazia frente?) acusa-o de plágio. Quando o processo chega ao fim, decide-se que a obra de Massenet se chame “Manon” e que a de Puccini se chame “Manon Lescaut”. Verdade seja dita, os librettos pouco coincidem, para não mencionar a distância entre os estilos de composição.
As diferenças estilísticas
Quando colocadas lado a lado, percebemos logo as diferenças entre as duas versões. São tão distantes como a ópera francesa o é da italiana. Puccini é herdeiro de uma tradição de música patriótica e quente e intensa. E está na génese do derradeiro movimento operático italiano: o verismo.
Se por um lado Puccini abraçava a passos largos o dramalhão de faca e alguidar, Massenet, por outro, era o ultimo representante de toda uma tradição musical francesa e, de algum modo, o precursor, através dos seus estudantes, de novos géneros musicais, entre os quais o naturalismo – cujo melhor exemplo é a ópera “Louise” de Charpentier.
Em Massenet vemos toda a herança da escola francesa numa só pessoa: A utilização do Ballet (agora com uma maior preocupação com a coerência), a utilização das gavotte, dos diálogos falados em vez dos recitativos cantados italianos, uma maior preocupação em adaptar a música aos textos (ao invés de os textos à musica como acontece na tradição italiana), e de uma grande sensualidade e quase que “doçura” melódica, esta ultima uma característica de grande influencia Gounoudiana na ópera do final do sec.XIX.
Quanto aos librettos: Puccini estava muito mais interessado em mostrar a queda de Manon e toda a sua desgraça ao ser deportada para os Estados Unidos.
A Massenet, por sua vez, interessa-lhe muito mais mostrar a vida boémia que acompanha todas as personagens, e a inconstância e insatisfação que Manon vive. Interessa-lhe mostrar o lado mais silly e ao mesmo tempo mais ternurento e apaixonado na personagem e a rápida caminhada para a desgraça a que os seus desejos e ambições conduzem.
Um resumo do libretto da versão de Massenet pode ser lido aqui.
Portanto, muito resumidamente, na Manon de Puccini teremos música intensa e dramática, na de Massenet teremos música ligeira (não confundir com banal ou pouco inspirada) e sensual. Cabe-me agora defender porque considero a adaptação de Massenet a melhor.
O Veredicto
A Manon de Massenet começa com um alegre preludio musical que depressa se transforma em compassos lentos e românticos. Estão desde logo lançados os temas que iremos ouvir sob várias transformações ao longo de toda a obra.
Quando se levanta o pano, começa-se logo com um quarteto muito engraçado a cantar sobre o hospitaleiro não lhes dar de comer e estarem a morrer à fome. Logo aqui Massenet começa a ganhar pontos. De forma completamente disparatada começamos por rir com a tontice a que estamos a assistir. Surge então uma grande multidão para assistir à chegada da carruagem que trás os viajantes. Dela sai Manon, que chegou à cidade para ir para um convento. Começamos desde logo a perceber o carácter sarcástico que a musica de Massenet inclui, e que se revelará na cena da igreja na sua plenitude. Tanto pode conferir uma enorme inocência a Manon, como, por outro lado, lhe dá um ar completamente irónico, uma vez que desde logo percebemos que Manon, deseja tudo menos ficar fechada entre quatro paredes rodeada de velhotas. (Sabe-se que Massenet era um convicto ateu).
Não sendo tão bom quanto Puccini na composição para grandes massas a música que acompanha o coro é sempre toda ela colorida e bem-disposta, indo de encontro com a jovialidade, naturalidade e alegria daquilo que envolve as personagens. Até que Des Grieux surge e os dois se envolvem num dueto altamente romântico e sensual em que decidem fugir para Paris. Uns podem argumentar: Como pode o acto 1 ser superior ao de Puccini se nem uma ariazinha a sério tem? Ao que respondo: Mas tem um senhor dueto! Para quê ouvir um quando se podem ouvir dois? No dueto “nous vivrons a Paris” que os dois amantes cantam antes de fugirem e de o acto terminar, percebemos o ar sonhador com que cantam e se abraçam e com que abraçam a nova vida que os espera. Os sonhos de vida conjunta, os planos de felicidade, de uma casa em Paris, de um romance em Paris, de uma vida boémia como a dos grandes romances. A menina do campo que se envolve com um rapaz rico e que irá concretizar os seus sonhos!
O que se narra no acto 2 da Manon de Massenet aparece implícito na de Puccini. Mais uma prova de que Massenet pretende, muito mais que o seu rival italiano, contar uma história ao invés de arranjar uma desculpa para fazer uma grande cena dramática.
Neste acto assistimos à vida íntima dos dois amantes, o seu idílio amoroso, em que julgam que nada os pode separar. Mas pode. E não são os factores externos, mas a própria ambição de Manon.
Quando o seu primo surge lá em casa, acompanhado de Bretigny disfarçado, assistimos a uma cena altamente comovente. Se por um lado temos um Des Grieux sonhador, contente por estar a tentar convencer o seu pai a aceitar Manon como sua futura esposa, por outro lado vemos Bretigny a avisar Manon de que o pai de Des Grieux enviou alguém para raptar o seu filho e afasta-lo de Manon e que esta pode contar com o apoio de Bretigny, caso aceite viver com ele. Num impasse entre avisar Des Grieux ou aceitar a vida de luxo que Bretigny lhe pode oferecer sem qualquer inconveniente, percebemos que esta acaba por aceitar o que lhe foi proposto. Aproveitando um momento da tarde desse dia em que se encontra sozinha em casa, canta melancolicamente “Adieu nottre petite table” em tom de despedida de tudo o que até ali viveu. São poucos compassos mas carregados de uma profunda tristeza e pesar, e ao mesmo tempo resolução. Manon quer ser feliz, embora julgue que aquilo que lhe trás felicidade é mais palpável do que realmente é.
Quando Des Grieux retorna, é como se fosse um caminhar lento até ao patíbulo. Manon simplesmente actua, como se nada fosse, para manter Des Grieux feliz. “En fermant les yeux” assistimos a um dos momentos mais puros, simples e singelos dos momentos amorosos já compostos, tal é a naturalidade do carinho e afecto a que assistimos. A musica serve apenas de acompanhante, quase que de embalo.
E quando ouvimos o bater na porta, o qual sabemos ser o momento em que Des Grieux será levado, sentimos o palpitar do coração de Manon, o seu impasse, o seu receio, a sua aflição, o seu pânico. Manon percebe então que percisa de Des Grieux mas sente-se vacilar. Não quer deixá-lo, mas também não quer sofrer mais e quando, por fim, o momento chega, Manon deixa-se ficar impune, esperando o desenlace, exclamando apenas “mon povre chevalier!”, em profunda resignação. Ouvimos um fim de acto marcadamente romântico e apaixonado.
O acto três, também não narra nada que se encontre na versão de Puccini. Este encontra-se dividido em duas cenas. A primeira numa festa em Paris. A segunda na Igreja de Saint-Sulplice.
Já passou algum tempo desde que Manon e Des Grieux se afastaram. Manon é agora uma mulher famosa e rica, que tem tudo o que deseja. Todas a invejam, todos a desejam. Quando Manon surge entre a multidão todos a celebram. Está radiante, como que a encarnação da felicidade. E canta então uma gavotte a enaltecer a alegria da juventude e a enaltecer a sua felicidade e superioridade face aos que a rodeiam.
Quando termina de cantar, assistimos a um diálogo entre o Pai de Des Grieux e Bretigny sobre o que entretanto aconteceu a Des Grieux. Manon ouve-o, e sem conseguir resistir durante muito mais tempo, começa a fazer pergunta atrás de pergunta, desculpando-se que uma sua amiga havia tido um caso com Des Grieux. Uma vez mais um momento perfeitamente natural e realista que facilmente conseguimos reconhecer mesmo nos dias de hoje. “ah eu tenho um amigo que diz que disse que fez”. Percebemos então que Des Grieux decidiu tornar-se padre e que se encontra muito abalado. Percebemos pela primeira vez a insatisfação da vida de Manon, o seu vazio emocional. E sempre com uma musica de fundo completamente alheada do que se desenrola, assistimos ao pesar de Manon. Esta farta-se então de tudo e segue em busca de Des Grieux.
Começa então a segunda cena. Na igreja, percebemos que as moças piedosas que agora enchem os bancos da igreja, apenas vão para ver o novo padre tão lindo, cheias de lascívia ao invés de buscarem o perdão junto do salvador. Assistimos ao pai de Des Grieux a falar com o filho em tom irónico mostrando-lhe que aquilo não é a vida para ele e ouvimos de seguida a uma ária de profundo desânimo do próprio Grieux “Je suis seule” em que este se expõe totalmente em frente de Deus.
Quando Manon surge na igreja e o começa a tocar-lhe de forma sensual na mão dizendo-lhe “N'est-ce plus ma main”, despertando-lhe o prazer da vida passada, Des Grieux sente os seus votos vacilarem. Não pode deixar-se levar novamente por aquela mulher que já destruiu uma parte dele. Ora, uma cena de assédio e sensualidade dentro de uma sacristia garante mais uns pontos a Massenet. Aqui não há limites para o escândalo. Há sim uma representação irónica daquilo que eram as idílicas idiotices da sua era. O sino toca, Des Grieux exclama que é a hora da oração, Manon suplica-lhe que o olhe nos olhos, que o ama, que venha embora!
Este dueto assume os píncaros da sensualidade e sexualidade. Um toque de dedos aqui, um agarrar da mão, um subir o braço, um aproximar da cara, o corpo do padre a tremer, a excitação a invadir-lhe, a voz sensual de Manon no seu ouvido relembrando-o dos bons momentos passados…Caramba! O homem não é de ferro e manda o hábito à fava e agarra Manon de forma louca e apaixonada.
O quarto acto encontra-se com o segundo da Manon de Puccini. Embora o desenlace final seja o mesmo, ou seja, o aprisionamento de Manon e a separação dos amantes, as situações não são as mesmas. Em Puccini a desgraça acontece porque os amantes são apanhados dentro de casa de Manon e Bretigny. Na de Massenet, são apanhados numa casa de jogo.
A música que dá inicio a este acto para mim é bastante original. Começa de forma intimista, quase misteriosa. Mostrando que o que ali se passa é de alguma forma ilegal. Manon e Des Grieux agora são dois boémios que alinham entrar em jogos de azar como forma de angariarem dinheiro para sustentar os vícios de Manon, embora a contra gosto de Des Grieux, o qual apenas se deixa arrastar. Conhecem uns truques e trapaceiam sempre de forma limpa sem dar nas vistas. A música da cena de jogo não será tão genial como a de Verdi na Traviata mas resulta bastante bem. Manon uma vez mais canta o quão fantástica é, lançando de novo invejas entre os seus admiradores, o que se revelará fatal. Quando os dois amantes são descobertos, gera-se a confusão, ouvem-se gritos para se esconder o dinheiro todo, e eis que surge a polícia e os prende. Surge o pai de Des Grieux para o levar consigo e pagar a sua fiança, completamente desapontado com a desgraça do filho, muito à semelhança de Germont no segundo acto da Traviata. Assistimos neste acto a mais uma cena de grande emotividade quando Manon cospe um “Miseráble” na cara do homem que os denunciou e se separa de Des Grieux. A música é pesada, é triste, é profunda, reflecte o desânimo, o desespero de todos os que ali estão envolvidos. Não é certamente como o final do terceiro acto da Manon de Puccini, o qual é extraordinário, mas não deixa de ser arrepiante. É também ele grande, é também ele triste, é só e apenas mais curto e de menor auto comiseração (tão frequentes em Puccini).
O quinto e último acto narra praticamente o mesmo que o de Puccini, embora em situações diferentes. Enquanto o do francês, Des Grieux paga a um soldado para poder ir com a miúda” passar ali a noite” a uma casa na aldeia, na de Puccini vemos que Manon e Des Grieux se encontram a fugir da prisão, já no árido deserto em redor de Nova Orleães
Tenho de admitir que, se analisado isoladamente e assim de forma superficial, o quarto acto de Puccini pode bater o quinto de Massenet. A exigência que faz dos dois únicos cantores em palco durante um acto inteiro obrigando-os a manter a audiência constantemente cativada, a orquestração altamente elaborada, dramática e possante, batem o final mais suave de Massenet. As duas heroínas morrem, disso não temos duvidas. Mas uma morre à sede, a outra morre de desânimo. E é precisamente onde Puccini mais ganha que também mais perde. O seu quarto acto, embora possua uma grande ária e dueto, torna-se, de certo modo cansativo e um arrastar sem sucessão do drama e do desespero. Já na Manon de Massenet assistimos a um final mais “clássico” é verdade, mas também mais melancólico e sentimental.
No final de Puccini lamentamos pelo sofrimento a que as personagens estão a ser submetidas no meio do deserto. No de Massenet lamentamos porque os sonhos dos dois amantes se encontram desfeitos. Assistimos a uma Manon que finalmente se conhece e percebe aquilo que lhe fazia realmente falta. A dor que causou à única pessoa que sempre a amou e um puro e genuíno desejo de expiação (e eua doro uma boa história de expiação!). Manon está profundamente resignada de que não merece mais viver porque nunca trouxe felicidade a quem a rodeava. Des Grieux, por seu turno,está uma vez mais disposto a lutar por ela. E neste diálogo sincero e triste, onde a musica é composta por sons suaves e subtis que acompanham mais do que abafam os cantores (como acontece na Manon de Puccini), assistimos a um recordar de tudo aquilo que assistimos anteriormente. Ouvimos ecos de melodias anteriores que nos fazem pensar que acompanhámos realmente uma história do princípio até ao fim. O final desta ópera é quase a tender para o romantismo épico, se isso existir, crescendo e crescendo, quais melhoras antes da morte, até que por fim, ouvimos em tom suspirado um “n’est-ce plus ma main” cantado de forma carinhosa. Ouve-se umas cordas como prenúncio de morte e um último suspiro dizendo “ c’est l’histoire de Manon Lescaut”. A música acaba intensamente e o pano cai. Meu Deus! como passar indiferente a este final!
Quando chegamos ao fim, sentimos aquela sensação de melancolia, tristeza, misturada com prazer e barriga cheia, porque assistimos a uma história a sério, contada do princípio ao fim, com tudo a que temos direito. Rimos, comovemo-nos, deslumbramo-nos, sentimos tudo o que os personagens sentem, vemos Ballet, ouvimos musica, e concluímos: Que belo serão aqui passei! Porque mais que tudo, a Manon de Massenet é isso mesmo: Uma grande história muito bem cantada.
E para os que ainda não se encontram totalmente convencidos…um ultimo trunfo. A Manon de Massenet não acaba aqui. Uma segunda opera foi composta,raramente levada a palco, dado o seu carácter bem menos adaptável, chamada “Le Portrait de Manon” onde agora vemos um Des Grieux bem mais velho com os seus filhos, olhando fixamente para o retrato que guardou de Manon.
E se tudo o que aqui foi apresentado, caríssimo leitor, não o tiver feito mudar de opinião relativamente à melhor versão desta história, fico pelo menos satisfeito de que, daqui em diante, irá pelo menos ter um eco reminiscente de que existem outras interpretações do mesmo.
ARTIGO DE ÓPERA PARA PRINCIPIANTE, TENTEI DESOCBRIR O NOME DO AUTOR DO ARTIGO , NÃO ENCONTREI EM SEU BLOG.
Fonte : http://operaparaprincipiantes.blogspot.com.br/
ARTIGO DE ÓPERA PARA PRINCIPIANTE, TENTEI DESOCBRIR O NOME DO AUTOR DO ARTIGO , NÃO ENCONTREI EM SEU BLOG.
Fonte : http://operaparaprincipiantes.blogspot.com.br/
Comentários
Postar um comentário