CRÓNICAS OPERÍSITICAS: A PRIMEIRA VEZ A GENTE NÃO ESQUECE. LUCIA DI LAMMERMOOR NO PALÁCIO DAS ARTES /MG , POR MONICA.
ÓPERA: A primeira que eu vi, ao vivo e a cores, foi há muitos e muitos anos. Era uma missão familiar do tipo ‘não basta ser sobrinha, tem que participar’. Lá estávamos eu e mamãe no Palácio das Artes, especialmente para ver meu tio ser lord Arturo em uma montagem local de Lucia de Lammermoor. Primeira coisa que deve ser dita: Lucia não é a melhor escolha para introduzir o mundo da ópera a uma adolescente, por mais que ela adore música e o tio em questão. Donizetti realmente pegou pesado, periga você sair do teatro na maior deprê. É verdade que isso vale para a maioria das óperas disponíveis no mercado, mas pelo menos, Verdi costumava incluir tantas árias e coros bonitos no seu trabalho, que no final a gente se pega cantarolando distraída uns trechinhos no caminho para casa. Dá um super alívio emocional.
Em Lucia não. Essa ópera é hardcore. Lucia e Edgardo se amam, mas são de famílias inimigas (#romeuejulietafeelings). Lucia é forçada a se casar com lord Arturo enquanto Edgardo está fora. Edgardo volta e aparece justamente na hora do ‘I do’. Lucia mata Arturo e fica louca, ou fica louca e mata Arturo. E morre. E aí fica todo mundo em volta do túmulo da Lucia chorando baldes a morte dela, e Edgardo morre também. E isso porque é uma ópera em três atos, né. Espiche o libreto e ainda dá pra mais um bom tanto de drama.
O ponto alto daquela noite foi a Ária da Loucura no terceiro ato. Conhecer eu até já conhecia, minha tia era soprano coloratura e de vez em quando cantarolava uns pedacinhos pela casa. No teatro foi outra coisa. Lucia não ficou simplesmente andando de um lado para outro no palco, doidinha e ensanguentada, soltando seus trinados (e, como diria meu pai pra minha tia, ‘ela trina’ muito bem!). Lucia subiu a escadaria. E no final, gente, Lucia rolou escada abaixo, sem dublê nem nada, estatelando-se lá embaixo aos pés de Enrico, o irmão desalmado. O público aplaudiu entusiasticamente, até hoje não sei se foi por conta da beleza do canto da moça ou pelo final apoteótico. Eu só conseguia pensar “mas será que ela vai rolar escada abaixo todas as noites?” Morri de dó da cantora, espero que pelo menos tenham pago as sessões de massagem depois.
De lá pra cá, foram muitas óperas em vários teatros, e aos poucos fui aprendendo a apreciar as produções cuidadosas, a técnica dos solistas e todo aquele dramalhão de folhetim que hoje a gente vê, seja em Hollywood, na Broadway ou no horário nobre na Globo, e se diverte. Lágrimas aos milhares, intrigas, amores impossíveis e sim, mortes aos montes, mortes cinematográficas como a de Lucia (alguém me disse que na novela das oito um personagem morreu rolando escada abaixo, estabacando-se na sala de visitas). Coisa pra se cortar os pulsos com lixa de unha, que é pra durar uma ária inteira de uns cinco minutos ou mais, que em ópera ninguém morre rapidinho. E as árias sofriiiiiidas como a de Violetta, suaves como a de Eurídice, dramáticas como a da Rainha da Noite, apaixonadas como a de Calaf, nostálgicas como a de Nadir. E tudo isso começou lá atrás, num passado um tanto distante, quando eu ainda mal conhecia Shakespeare, não gostava de chocolate amargo e nem de sushi, e hoje adoro todos eles…
MONICA.
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