"REQUIEM " , DE VERDI, EM VERSÃO TAPA-BURACO NO MUNICIPAL DO RJ. CRÍTICA DE LOENARDO MARQUES NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.
Força do conjunto foi o ponto alto do concerto; enquanto a falta de um projeto artístico sólido é o grande “calcanhar de Aquiles” do Municipal.
Depois de o fantasma de famigerados cancelamentos (ou adiamentos ou outras desculpas esfarrapadas) ter retornado recentemente ao Theatro Municipal do Rio de Janeiro, a instituição programou para este agosto uma nova apresentação da Messa da Requiem, uma das obras-primas de Giuseppe Verdi, desta vez em versão tapa-buraco. Antes, porém, de tratar da missa verdiana, é necessário analisar o Municipal e sua programação problemática e sem ambição.
Primeiramente, vá lá que o problema ocorrido no Anexo do Theatro, em decorrência da queda de três edifícios vizinhos no começo do ano, seja uma justificativa plausível para as alterações realizadas pela direção do Municipal em sua programação 2012. Ainda assim, questiono: qual é o projeto artístico do Municipal do Rio? Existe tal projeto? Bem, se existe, desconheço, e desafio qualquer um a esmiuçá-lo.
O que sei é que a programação do único teatro de ópera do Rio de Janeiro, em especial exatamente a sua programação de ópera, é, para dizer o mínimo, desprovida de ambições maiores. A escolha dos títulos parece quase aleatória ou então baseada em parâmetros não muito sólidos, como o tal “ano da Itália no Brasil”. 2013 será o “ano da Alemanha no Brasil” e, apesar disso, dificilmente teremos mais de um Wagner (que só deve aparecer por causa do seu bicentenário de nascimento), e é muito pouco provável que tenhamos Strauss.
Diante disso, é intrigante ler as palavras da Secretária de Estado de Cultura, Adriana Rattes, no programa de sala vendido na noite desta sexta-feira: “Ao apresentar espetáculos como este, o Governo do Estado do Rio de Janeiro, através da SEC, proporciona ao nosso estado a excelência da arte erudita, do Brasil e do mundo”.
A Secretária, com todo o respeito, só pode estar brincando. Se estivesse realmente interessada em “excelência”, começaria dando à direção do Municipal as condições necessárias para a realização de uma temporada digna, não apenas neste, mas também nos anos vindouros. Por condições, entenda-se verba, dinheiro – aquele que não falta às obras do Maracanã e à publicidade do Governo do Estado. Tudo tem a sua importância, naturalmente. O problema é que o Municipal parece não ter tanta importância aos olhos do Estado, assim com a Cidade das Artes (antiga Cidade da Música) não parece ter importância alguma para a Prefeitura do Rio. Tudo, muito provavelmente, porque, no Brasil, a arte de alto nível não gera muitos votos.
Especificamente sobre a programação de ópera do Municipal, será que a Secretária sabe que o Theatro não monta uma ópera de Wagner desde 2003? Será que sabe que não temos uma de Strauss desde 1998? Será que a Secretária saberia nos dizer quando foi a última vez que uma ópera de Rossini subiu ao nobre palco da Cinelândia, completa com encenação, em produção própria? A Secretária bem que poderia fazer esta pesquisa, pois constataria que já faz vinte anos (ou quase isso) que uma ópera de Rossini não recebe uma produção completa do Municipal (O Barbeiro de Sevilha de 2010 não foi produção do Municipal, e o de 2009 no Teatro João Caetano não foi encenado).
Só quando se inteirar direitinho dessas informações, apurá-las, verificá-las, analisá-las e corrigir o absurdo de um teatro de ópera passar 14 anos (até o momento) sem mostrar uma ópera de Strauss é que a Secretária poderá, talvez, pensar em usar a palavra “excelência”, e somente poderá usá-la se ela, a Secretária, resolver investir de verdade no Municipal (entenda-se: “dar o seu jeito” de fazer o Municipal ter uma programação decente). Afinal, dentre outras coisas, é para isso que a Secretária é paga, ou eu estou falando alguma besteira?
A maior prova de que o Municipal não vai bem está no fato de que, dentre as mudanças na programação deste ano, apareceu a ópera Cavalleria Rusticana, que será apresentada em forma de concerto em setembro – exatamente a mesma ópera apresentada na mesma forma de concerto em 2009, quando o Theatro estava fechado para reforma. Tantas óperas do repertório internacional há anos não são apresentadas no Rio, e o Municipal repete a Cavalleria sem encenação! Mas tenham dó! Por que não um Mefistofele ou uma A Danação de Fasto, só para ficar em dois exemplos de algo diferente para os padrões cariocas, alguma coisa para arejar um repertório muito pautado num feijãozinho com arroz sem graça?
Enquanto isso, o Municipal de São Paulo, que também passou por reformas recentemente, já está a meio caminho de ter o ciclo completo do Anel do Nibelungo, ou seja, já tem prontinhas duas das quatro óperas da célebre Tetralogia. Definitivamente, um abismo artístico separa o primo rico paulistano do primo pobre carioca, pois o teatro de ópera da terra da garoa está mostrando claramente qual é a sua ambição, enquanto a ambição do carioca é… é qual mesmo, hein?
Voltando ao Requiem de Verdi e aos seus artistas, que nada têm com os desmandos do Municipal, tivemos neste 24 de agosto uma bela versão da obra conduzida pelo jovem regente Leo Hussain.
Os solistas eram equilibrados. A soprano Eiko Senda esteve quase sempre bem, embora o nível de sua performance tenha caído no último movimento, Libera me. Razoáveis foram as participações da mezzosoprano Adriana Clis e do tenor Marcello Vannucci. Um nível acima esteve o baixo argentino Hernan Iturralde, dono de uma voz bem projetada, bem dosada e bastante expressiva.
O Coro do Theatro Municipal, sempre preparado por Maurílio dos Santos Costa, teve ótimos momentos, em especial no Dies irae. A Sinfônica da casa também teve momentos de brilho, com destaque para os gloriosos trompetes do Tuba mirum, sob a condução de um Leo Hussain que parece ter muito a dizer, apesar de exagerar um pouco no gestual. Com boas opções dinâmicas, apostando em fortes contrastes, e ainda orientando e corrigindo os músicos, o talentoso inglês conseguiu valorizar, sobretudo, o conjunto (orquestra, coro e solistas) da apresentação, que teve suas melhores passagens nos movimentos Lacrymosa (apesar do começo vacilante da mezzo, que se recuperou logo em seguida), Offertorio e Lux Aeterna, todos muito expressivos.
Pena que este bom concerto tenha ficado em segundo plano diante dos problemas aparentemente insolúveis da programação do Municipal. Este ano foi o Anexo, ano que vem será outra coisa – sempre acontece alguma coisa… A prova maior? Os vários assentos vazios em todos os andares da sala de concerto. Com tantas mudanças e falta de consistência, não há público que resista.
Leonardo Marques
Formado em Letras com pós-graduação em Língua Italiana. Frequentador assíduo de concertos e óperas. Participou de cursos particulares sobre ópera.
Fonte: http://www.movimento.com/
Depois de o fantasma de famigerados cancelamentos (ou adiamentos ou outras desculpas esfarrapadas) ter retornado recentemente ao Theatro Municipal do Rio de Janeiro, a instituição programou para este agosto uma nova apresentação da Messa da Requiem, uma das obras-primas de Giuseppe Verdi, desta vez em versão tapa-buraco. Antes, porém, de tratar da missa verdiana, é necessário analisar o Municipal e sua programação problemática e sem ambição.
Primeiramente, vá lá que o problema ocorrido no Anexo do Theatro, em decorrência da queda de três edifícios vizinhos no começo do ano, seja uma justificativa plausível para as alterações realizadas pela direção do Municipal em sua programação 2012. Ainda assim, questiono: qual é o projeto artístico do Municipal do Rio? Existe tal projeto? Bem, se existe, desconheço, e desafio qualquer um a esmiuçá-lo.
O que sei é que a programação do único teatro de ópera do Rio de Janeiro, em especial exatamente a sua programação de ópera, é, para dizer o mínimo, desprovida de ambições maiores. A escolha dos títulos parece quase aleatória ou então baseada em parâmetros não muito sólidos, como o tal “ano da Itália no Brasil”. 2013 será o “ano da Alemanha no Brasil” e, apesar disso, dificilmente teremos mais de um Wagner (que só deve aparecer por causa do seu bicentenário de nascimento), e é muito pouco provável que tenhamos Strauss.
Diante disso, é intrigante ler as palavras da Secretária de Estado de Cultura, Adriana Rattes, no programa de sala vendido na noite desta sexta-feira: “Ao apresentar espetáculos como este, o Governo do Estado do Rio de Janeiro, através da SEC, proporciona ao nosso estado a excelência da arte erudita, do Brasil e do mundo”.
A Secretária, com todo o respeito, só pode estar brincando. Se estivesse realmente interessada em “excelência”, começaria dando à direção do Municipal as condições necessárias para a realização de uma temporada digna, não apenas neste, mas também nos anos vindouros. Por condições, entenda-se verba, dinheiro – aquele que não falta às obras do Maracanã e à publicidade do Governo do Estado. Tudo tem a sua importância, naturalmente. O problema é que o Municipal parece não ter tanta importância aos olhos do Estado, assim com a Cidade das Artes (antiga Cidade da Música) não parece ter importância alguma para a Prefeitura do Rio. Tudo, muito provavelmente, porque, no Brasil, a arte de alto nível não gera muitos votos.
Especificamente sobre a programação de ópera do Municipal, será que a Secretária sabe que o Theatro não monta uma ópera de Wagner desde 2003? Será que sabe que não temos uma de Strauss desde 1998? Será que a Secretária saberia nos dizer quando foi a última vez que uma ópera de Rossini subiu ao nobre palco da Cinelândia, completa com encenação, em produção própria? A Secretária bem que poderia fazer esta pesquisa, pois constataria que já faz vinte anos (ou quase isso) que uma ópera de Rossini não recebe uma produção completa do Municipal (O Barbeiro de Sevilha de 2010 não foi produção do Municipal, e o de 2009 no Teatro João Caetano não foi encenado).
Só quando se inteirar direitinho dessas informações, apurá-las, verificá-las, analisá-las e corrigir o absurdo de um teatro de ópera passar 14 anos (até o momento) sem mostrar uma ópera de Strauss é que a Secretária poderá, talvez, pensar em usar a palavra “excelência”, e somente poderá usá-la se ela, a Secretária, resolver investir de verdade no Municipal (entenda-se: “dar o seu jeito” de fazer o Municipal ter uma programação decente). Afinal, dentre outras coisas, é para isso que a Secretária é paga, ou eu estou falando alguma besteira?
A maior prova de que o Municipal não vai bem está no fato de que, dentre as mudanças na programação deste ano, apareceu a ópera Cavalleria Rusticana, que será apresentada em forma de concerto em setembro – exatamente a mesma ópera apresentada na mesma forma de concerto em 2009, quando o Theatro estava fechado para reforma. Tantas óperas do repertório internacional há anos não são apresentadas no Rio, e o Municipal repete a Cavalleria sem encenação! Mas tenham dó! Por que não um Mefistofele ou uma A Danação de Fasto, só para ficar em dois exemplos de algo diferente para os padrões cariocas, alguma coisa para arejar um repertório muito pautado num feijãozinho com arroz sem graça?
Enquanto isso, o Municipal de São Paulo, que também passou por reformas recentemente, já está a meio caminho de ter o ciclo completo do Anel do Nibelungo, ou seja, já tem prontinhas duas das quatro óperas da célebre Tetralogia. Definitivamente, um abismo artístico separa o primo rico paulistano do primo pobre carioca, pois o teatro de ópera da terra da garoa está mostrando claramente qual é a sua ambição, enquanto a ambição do carioca é… é qual mesmo, hein?
Voltando ao Requiem de Verdi e aos seus artistas, que nada têm com os desmandos do Municipal, tivemos neste 24 de agosto uma bela versão da obra conduzida pelo jovem regente Leo Hussain.
Os solistas eram equilibrados. A soprano Eiko Senda esteve quase sempre bem, embora o nível de sua performance tenha caído no último movimento, Libera me. Razoáveis foram as participações da mezzosoprano Adriana Clis e do tenor Marcello Vannucci. Um nível acima esteve o baixo argentino Hernan Iturralde, dono de uma voz bem projetada, bem dosada e bastante expressiva.
O Coro do Theatro Municipal, sempre preparado por Maurílio dos Santos Costa, teve ótimos momentos, em especial no Dies irae. A Sinfônica da casa também teve momentos de brilho, com destaque para os gloriosos trompetes do Tuba mirum, sob a condução de um Leo Hussain que parece ter muito a dizer, apesar de exagerar um pouco no gestual. Com boas opções dinâmicas, apostando em fortes contrastes, e ainda orientando e corrigindo os músicos, o talentoso inglês conseguiu valorizar, sobretudo, o conjunto (orquestra, coro e solistas) da apresentação, que teve suas melhores passagens nos movimentos Lacrymosa (apesar do começo vacilante da mezzo, que se recuperou logo em seguida), Offertorio e Lux Aeterna, todos muito expressivos.
Pena que este bom concerto tenha ficado em segundo plano diante dos problemas aparentemente insolúveis da programação do Municipal. Este ano foi o Anexo, ano que vem será outra coisa – sempre acontece alguma coisa… A prova maior? Os vários assentos vazios em todos os andares da sala de concerto. Com tantas mudanças e falta de consistência, não há público que resista.
Leonardo Marques
Formado em Letras com pós-graduação em Língua Italiana. Frequentador assíduo de concertos e óperas. Participou de cursos particulares sobre ópera.
Fonte: http://www.movimento.com/
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