Les Troyens @ Royal Opera House . Crítica de Ópera para Praincipiantes no blog de Ópera e Ballet..

No inicio deste mês tive uma das experiências mais marcantes da minha vida no que a ópera diz respeito.
Aproveitando que ia visitar um grande amigo meu a Londres, espreitei o site da Royal Opera e pensei: “Hum, Les Troyens…Berlioz…Ah produção do Mcvicar, hum…mas quatro horas de opera não sei se aguento…ah mas é a Antonacci!” e comprei um bilhete. Aconteceu que depois surgiu a greve dos controladores aéreos e o meu voo foi cancelado. Troquei uns emails e consegui revender o meu bilhete. Ao menos não perdia o dinheiro. E então a greve foi suspensa e quando ia para voltar a comprar já só havia bilhetes a 200 libras! Com o coração a bater de forma desenfreada fazia refresh à página (“Va la! Va la! Va laaaaa!”) até que lá apareceu um bilhete a um preço bastante acessível. Comprei e meti-me a caminho da terra de sua majestade a rainha de Inglaterra.

O Domingo estava pouco soalheiro, à boa moda inglesa. No inicio de Julho e a fazer frio, chuva e vento como se estivéssemos em Março! Mas dentro daquelas quatro paredes bem aquecidas, construídas em perfeito estilo vitoriano, linhas simples e clássicas, tapeçarias encarnadas e ornamentos em talha dourada, o conforto imperava. Com as energias recompostas e os ossos reaquecidos sentei-me na primeira fila do balcão lá de cima, num lugar onde a proximidade aos companheiros do lado ultrapassava em muito qualquer barreira das convenções sociais. Mas quando o pano subiu e a musica de Berlioz começou a penetrar os meus ouvidos, todo o desconforto gerado por estar apertado entre um parapeito e uma senhora e um senhor avantajados foi de imediato posto de parte e nada nem ninguém me conseguiu fazer despregar a minha atenção do que decorria em palco.

“Os Troianos” narra a história da queda de Tróia e do que se seguiu depois ao povo que fugiu, o qual depois de abandonar a Grécia partiu para Cartago para daí seguir para Itália e fundar aquela que seria a futura cidade de Roma.
Escrita no mais puro estilo francês do sec. XIX, a obra encontra-se dividida em cinco actos, havendo lugar para as habituais cenas de bailado. No entanto, apesar do seu estilo predominante de grand-opera eu atrevo-me a dizer que, conceptualmente, esta ópera aproxima-se muito mais de Wagner do que de Mayerbeer, quer na simplicidade das linhas melódicas, quer na duração das árias, duetos e cenas. Digo mais, Berlioz é um Wagner à lá Française!

Vou focar-me neste post sobretudo nas impressões que esta obra me causou e nas interpretações, ficando para próximo algumas notas relativas ao compositor e ao que deu origem a esta obra.

Cassandra, a sacerdotisa que previu a ruína de Troia e a quem ninguém prestou atenção foi interpretada pela grande mezzo Caterina Antonacci. Descobri esta cantora há algum tempo com uma sensual interpretação de Carmen numa produção da Royal Opera, lado a lado com Jonas Kaufmann, naquela que foi, até agora para mim, a dupla mais escaldante que já ouvi a interpretar esses papéis. Antonacci enquanto Cassandra (papel que já cantou diversas vezes e do qual existe um registo em dvd) era pura loucura e desespero. Começou de forma monumental com a primeira ária onde a vemos a rebolar-se no chão e a sua interpretação não parou de crescer até à cena em que enfrenta a multidão e os alerta para a condenação que se aproxima. Ao fim de quase uma hora a cantar ininterruptamente, Antonacci trouxe a casa abaixo quando se aproxima a cena da sua morte. O publico entusiasticamente aplaudia sem cessar, numa verdadeira explosão de reconhecimento pelo que havíamos assistido



Após o intervalo assistimos ao terceiro acto, o qual decorre já em Cartago.A holandesa Eva-Maria Westbroek foi Didon. Uma Didon gentil, algo tímida e inocente. O americano Bryan Hymel foi o inconstante e indeciso Eneias e Fabio Capitanucci foi Chorebe.
Hymel foi a substituição de última hora para esta produção, ocupando o lugar de Jonas Kaufmann, o qual foi obrigado a retirar-se por ordens do médico. Apesar de aparentemente tímido no inicio, Hymel conquistou toda a sua confiança, prendando-nos com uma interpretação fabulosa, sobretudo no belíssimo dueto amoroso “Nuit d’ivresse” e na ária “inutiles regrets”.

Quanto a Westbroek, a sua inocente e querida Didon foi interpretada com uma grande delicadeza, num crescendo de sensibilidade, mostrando-nos uma personagem fraca, altamente insegura e dependente do seu amante.
Quanto aos restantes interpretes, todos eles foram de primeira linha.
A direcção musical de António Pappano foi um mimo para os ouvidos. Há anos que aprecio o trabalho deste maestro. É senhor de uma notável sensibilidade dramática e teatral, conferindo espaço aos cantores, e dedica especial atenção aos detalhes da partitura, fazendo-nos descobrir sons que nem imaginávamos estarem presentes nas obras que dirige.
Quanto à produção de Mcvicar, muita tinta já correu, muito insulto e muito elogio. Da minha parte, gostei de tudo menos do monstro final que apareceu, o qual foi para alem do ridículo. O cavalo, mais para show off do que para qualquer outra coisa, foi no entanto bem conseguido. Show-off é um dos requisitos base para se fazer um grand-opera, portanto achei enquadrado.
Para mim, foi sobretudo o terceiro acto o que achei mais bonito esteticamente. Foi recreada uma cidade típica do norte de Africa, com uma maqueta sobre a qual as personagens caminhavam, maqueta essa que mais tarde irá ser utilizada como lua na cena do dueto amoroso, e por fim irá aparecer quebrada, como símbolo do fim que espera a sua rainha. Mas o acto que mais me impressionou foi o quarto acto, em que Eneias e Didon se conhecem sentimentalmente e esta por se encontrar fragilizada emocionalmente tenta combater os sentimentos que crescem pelo troiano. No entanto acaba por ceder e os dois amantes envolvem-se numa belíssima cena a dois culminando no famoso e belíssimo dueto “nuit d’ivresse”. Enquanto os amantes se aproximam e conhecem até ao momento em que o amor entre eles lhes é impossível de resistir por muito mais tempo, as luzes baixaram e a música tornou-se mais envolvente, naquela que foi a mais perfeita simbiose da noite de todas as artes envolvidas em palco. Tal foi o impacto em mim que quando terminou experimentei uma sensação próxima à de acordar de um sonho bom. E quando as personagens saem de cena e eu espero que tudo acabe, surge nas trevas o deus Mercúrio com asas bem abertas cantando sinistramente “Itália! Itália! Itália”, deixando tudo em suspenso, qual pressagio de uma maldição. Ui o arrepio e a excitação para o que podia acontecer a seguir!
Naturalmente que o desenlace final já se consegue antecipar. Os dois amantes acabam separados. Eneias parte para fundar Roma e Didon suicida-se numa pira, num grande ritual.
Berlioz não desperta paixões com a sua música como os compositores italianos e um ou outro francês conseguem fazer, e foi bastante desprezado no seu tempo pelo seu carácter avant-garde mas despreza-lo seria um erro grave. É um facto que a sua música não desperta simpatias numa primeira fase mas se lhe dermos oportunidade ela envolve-nos e quando nos apercebemos estamos completamente submersos. Foram de facto 4h30 de ópera, uma coisa que até pode parecer de loucos, mas quando estava quase a chegar ao fim só pensava: “quero mais!!"

Para os que desejarem assistir a esta opera, a mesma está disponivel ate outubro aqui: http://thespace.org/items/s0000e78
Por fim, deixo aqui uma referencia em cd e em dvd das poucas gravações que existem desta obra:
 

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