"PELLÉAS ET MÉLISSANDE" - ACERTOS E ERROS NO MUNICIPAL DE SÃO PAULO. CRÍTICA DE MARCO ANTÔNIO SETA NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.


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Aí está uma ópera da qual foi banida a ária, suplantada por uma declamação mais aproximada da linguagem humana.

Onde a orquestra oferece um fundo exótico e não facilmente compreensível; na qual, tudo é mais atmosfera e ambiente, do que ação e exterioridade.

Após uma polêmica e zombada produção de “O Crepúsculo dos Deuses”, onde o seu criador, Richard Wagner, foi escarneado com uma penca de invenções mal logradas, viu-se no Theatro Municipal de São Paulo, uma bem lançada encenação nas mãos de Iacov Hillel, respondendo pela direção cênica e iluminação do espetáculo que está em cartaz naquele teatro, até o dia 23 de Setembro. De seu trabalho, há notável significação, desta absoluta ópera, joia lírica do movimento impressionista da música francesa da lavra de Claude Debussy.

Estreada a 30 de Abril de 1902, o poema dramático de Maurice Maeterlinck, subiu ao Teatro Opera-Comique, em Paris e causou grande escândalo. Os intérpretes estreantes foram Mary Garden (Melisande), Jean Périer (Pelléas), Hector Dufranne (Golaud), Gérville-Reache (Geneviev), Félix Vieulle (Arkel), Charles Viguié ( um médico) e André Messager como maestro concertattore e diretor d’orchestre. Segundo o comentário de Alfred J. Swan: “As melhores cenas dessa ópera apresentam-nos visões de beleza sobrenatural e uma transcendente sabedoria proveniente das páginas de Maeterlinck”.

Como curiosidade, ocorre que na ocasião Debussy havia prometido que Georgette Leblane, companheira de Maeterlinck, cantaria o papel de Melisande, todavia Albert Carré, o diretor da Opera-Comique, deu o papel ao soprano Mary Garden, uma cantora americana ainda desconhecida no âmbito europeu. Essa decisão despertou a ira de Maeterlinck que, pelas colunas de “Le Figaro”, passou a atacar a ópera antes mesmo de sua estreia. Entre suas palavras de ira constavam: “…esse espetáculo será realizado contra a minha vontade….só me resta desejar que o desastre seja retumbante e imediato! “

Várias encenações se sucederam àquela de 30 de abril de 1902, mas somente quatro anos mais tarde na mesma Opera-Comique, a ópera triunfou definitivamente. E não há, hoje teatro de ópera, que despreze esta joia de Debussy, com poema de Maurice Maeterlinck .
A sugestão é a opção de Iacov Hillel e Hélio Eichbauer com espaços primordialmente vazios invocando a abstração com detalhes de projeção de pinturas de Claude Monet ao fundo da cena, um palco giratório permite que os locais de ação sejam insinuados por meio de alguns adereços cênicos, e assim, se sucedam de modo a lembrar a magia do tempo, como evocação do eterno retorno. Com esse ambiente criado para o melodrama, na produção ora apresentada, apreciamos figurinos de Cássio Brasil bem adequados aos personagens de Maeterlinck.

Questionável é ver o Theatro Municipal, na récita de 17 de Setembro com apenas 1/5 de sua capacidade de lotação. E o que é pior: no único intervalo muitos se retiraram para não mais voltar. Será então que a escolha desta ópera foi um dos acertos da direção artística do Municipal? Uma intensa divulgação com anúncios fazendo–se constar o elenco artístico ora mencionado nos jornais e revistas de circulação, poderiam atrair um público novo para conferir uma ópera raramente apresentada em nosso Municipal. E aí….quanto custou essa produção para a municipalidade, quanto foi pago de cachê aos cantores da ópera ? Ninguém faz idéia, também de quanto o maestro regente ganhou para reger cada récita, ninguém imagina, sendo um direito de todo munícipe sabê-lo. Quanto custou esta ópera para a municipalidade ?

Quanto à Orquestra Sinfônica Municipal e seu regente Abel Rocha: iniciou-se com uma sonoridade seca, sem brilho, a qual deveria ser procurada na essência que as notas de Debussy requerem: o filigrana da interpretação etérea (“a doçura em movimento”) ; a orquestra soava muito seca, sem refinamento interpretativo ! O exprimir das intenções ficou muito aquém dos cantores. Após o intervalo, os instrumentos e músicos se aqueceram, melhorando na interpretação da complexa partitura, contudo ainda deixando a desejar o cornê-inglês no diálogo da cena 4 do Ato IV, onde faltou a doçura no sopro do instrumento ( On dirait que ta voix a passé sur la mer au printemps” – “ quel est ce bruit “ ) ?

Fernando Portari desincumbiu-se bem no papel de Pelléas, melhor vocal que cenicamente, faltando-lhe maior envolvimento com Melisande, mostrou-se à vontade musicalmente.

Vincent le Texier merece os melhores elogios e aplausos do elenco, quer pela beleza de seu timbre, pela amplitude do registro de barítono dramático, quanto de seu volume vocal, somando-se ao caráter do homem ciumento que soube traduzir, ao encarnar plenamente o personagem de Golaud. Sua interpretação é tudo o que se pode esperar de uma “performance”. Imagine-se esse artista como o Barão Scarpia !, papel de seu repertório…!

A Mélisande de Rosana Lamosa não esteve à altura de seus companheiros principais. A voz apresenta sons médios e graves com pouca luminosidade, restando-lhe agudos razoáveis, em que lhe pese um bom desempenho cênico. Talvez outro soprano patrício faria melhor essa Mélisande.

O alto nível interpretativo do Arkel do baixo Sávio Sperandio, o avô de Mélisande, mostra-nos o quanto um cantor brasileiro pode acessar em qualidade artística. Um artista pronto para o desempenho de grandes personagens, entre eles: Dr. Bartolo, Mustafá, Banquo, Príamo, Don Profondo, Nilakántha e o Cacique de “Il Guarany”.

Kismara Pessatti pouco demonstrou como contralto na Genevièv, com uma inexpressiva sonoridade vocal. O Yniold de Marcelo Damasceno, sopranino (17/9), pouco se ouviu de sua pequeníssima voz, faltando-lhe projeção. Talvez se microfonassem-no, o ouviríamos melhor. Sérgio Righini, um dos baixos do Coral Lírico Municipal, fez o médico muito satisfatoriamente, bem como as vozes internas dos marinheiros pelo coral retro-mencionado.

Escrito por Marco Antônio Seta em 18 de setembro de 2012.

Fonte: http://www.movimento.com/

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