"PELLEAS ET MLELLESANDE" GANHA BOA MONTAGEM NO MUNICIPAL DE SP. CRITICA DE LEONARDO MARQUES NO BLOG DE OPERA E BALLET.

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Boas vozes, ótima orquestra e encenação razoável garantem o triunfo da única ópera de Debussy.

Neste sábado, 15 de setembro, estreou no Theatro Municipal de São Paulo Pelléas et Mélisande, ópera em cinco atos e quinze cenas, de Claude Debussy, sobre libreto ligeiramente adaptado pelo próprio compositor diretamente do drama homônimo de Maurice Maeterlinck. Debussy, na verdade, utilizou o texto original de Maeterlinck com alguns pequenos cortes e ajustes.

Composta entre 1893 e 1902, ano de sua estreia na Opéra-Comique de Paris, esta obra-prima narra a história de Mélisande, uma misteriosa jovem cujo passado em momento algum é esclarecido ao longo da trama, encontrada perdida em uma floresta por Golaud, neto do rei Arkel. O viúvo Golaud a toma por esposa e a leva para viver com ele no castelo do avô. Lá, nasce entre Mélisande e Pelléas, o meio-irmão de Golaud, um amor puro e, ao que tudo indica, casto. Um dia, Golaud vê Pelléas envolto nos longos cabelos de Mélisande e começa a desconfiar de uma possível traição. Então, pede a seu meio-irmão para se afastar de sua esposa, que está grávida, e chega a usar seu próprio filho, Yniold (fruto de seu primeiro casamento), para espionar Mélisande, nada descobrindo, no entanto.

Pelléas decide ir embora, seguindo conselho de seu pai, e marca um encontro de despedida com Mélisande. Neste encontro, ambos confessam o amor que sentem um pelo outro, mas são surpreendidos por Golaud. Este apunhala Pelléas mortalmente, enquanto sua esposa consegue fugir. Na cena final, Mélisande, que já deu à luz sua filha, está agonizando. Golaud, um bom homem que foi destruído pelo ciúme, insiste em saber se ela, que desconhece a morte de Pelléas, ama seu meio-irmão. Mélisande confirma sentir por ele um amor inocente. Ela morre, e Golaud fica desesperado, por não ter a certeza da traição – traição que talvez nunca tenha efetivamente se concretizado.

Pelléas et Mélisande é uma obra representativa do Simbolismo, movimento surgido na França no final do século XIX. Ao longo da ópera, elementos como luz e sombra, carregados de significados simbólicos, são continuamente abordados, e o clima geral é de dúvida e mistério. Estruturalmente, ao contrário de Wagner, o compositor francês prefere atos baseados em cenas curtas e espontâneas. As cenas se sucedem sem uma lógica temporal totalmente definida; e o discurso é fragmentado, lembrando mais um sonho que propriamente a realidade.

Musicalmente, a obra se caracteriza por uma declamação lírica bastante clara, deixando o texto em evidência, sempre muito compreensível. A orquestração, rica e colorida, acompanha o drama com uma qualidade ímpar, criando a atmosfera de intimidade e sugestão requerida pela trama. Destaca-se claramente a utilização sutil e refinada dos sopros (madeiras e metais) e da harpa, esta com movimentos ondulantes e transparentes.

A produção de Iacov Hillel para o Theatro Municipal do São Paulo, que tem a terceira cena (entre Yniold e um pastor) do quarto ato cortada – sem prejuízo ao bom entendimento da obra –, é de muito bom nível, e em sua concepção o diretor opta pela sugestão, o que vai ao encontro das intenções do compositor. O cenário minimalista de Hélio Eichbauer é bastante funcional, ambientando adequadamente a ação em cada cena da ópera, e promovendo a troca de ambientes com agilidade. Para isso, o cenógrafo utiliza com inteligência poucos elementos cênicos e um palco giratório, além dos elevadores de palco.

É importante notar que, nesta produção, o minimalismo não é gratuito, como muitas vezes vemos em encenações de óperas no Brasil, quando, em verdade, por “minimalismo” deve-se entender falta de recursos ou de criatividade e imaginação.

A iluminação assinada pelo próprio Hillel ajuda a criar o clima etéreo tão condizente com esta obra delicada e única, em perfeita consonância com as projeções de detalhes de telas de Claude Monet, a cargo de Binho Dias, no fundo da cena e, em especial, num grande círculo de madeira localizado no centro do palco. Os figurinos corretos e bem executados de Cássio Brasil completam esta competente encenação.

Na récita de 15 de setembro, em sua curta participação, o Coral Lírico esteve bem, preparado por Mário Zaccaro. Já a Orquestra Sinfônica Municipal, conduzida por um Abel Rocha seguro e bastante inspirado, interpretou belamente a difícil partitura de Debussy. O maestro soube extrair do conjunto uma sonoridade límpida, utilizando-se de dinâmicas precisas. Destaque para os interlúdios.

Dentre os solistas, o sopranino Giovani Prado demonstrou desenvoltura cênica e interpretou corretamente o menino Yniold; o baixo Sergio Righini esteve bem como o Médico que só aparece na cena final; a contralto Kismara Pessatti foi uma segura Geneviève; e o baixo Sávio Sperandio viveu o velho e sábio rei Arkel com sensibilidade e profundidade.

A soprano Rosana Lamosa foi uma Mélisande delicada e misteriosa na medida exata, e correta vocalmente, ainda que tenha enfrentado dificuldades quando descia à região mais grave de sua tessitura. O barítono francês Vincent Le Texier demonstrou uma notável projeção que sabia dosar muito bem, e viveu um ótimo Golaud, que se tornou mais dramático à medida que a ópera avançava.

O tenor Fernando Portari, depois de interpretar um Duque de Mântua que cresceu ao longo das récitas de Rigoletto no Rio de Janeiro, mais uma vez mostrou porque é um de nossos melhores cantores e compôs um Pelléas de inocência tocante. Vocalmente impecável, o cantor carioca parece ter uma relação especial com o repertório francês, no qual invariavelmente oferece excelentes performances, no Brasil e no exterior.

Pelléas et Mélisande, que merece uma visita e fica em cartaz até o próximo dia 23, é mais uma ópera de ótimo nível levada pelo Theatro Municipal de São Paulo nesta temporada. As próximas óperas do teatro paulistano serão Violanta, de Korngold, e Uma Tragédia Florentina, de Zemlinsky, apresentadas em programa duplo a partir de 12/10 – às quais não poderei assistir.

Leonardo Marques

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