UM POUCO DE MASSENET NO RIO, ENFIM ! CRÍTICA DE LEONARDO MARQUES NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.

Peças do compositor ignorado há anos pelo Municipal são ponto alto de concerto da Petrobras Sinfônica.
Massenet -Foto Internet
 
  Na última sexta-feira, 05 de outubro, no quarto concerto de sua Série Djanira, a Orquestra Petrobras Sinfônica (OPES) brindou o público presente (que não foi tão numeroso, talvez por um reflexo antecipado das eleições do fim de semana) no Theatro Municipal do Rio de Janeiro com peças de Giacomo Puccini e, sobretudo, Jules Massenet, compositor simplesmente ignorado pelos programadores da casa de ópera carioca, Deus sabe desde quando. Basta dizer que, em 17 anos de presença constante no Municipal, nunca pude ver uma ópera de Massenet subir ao seu palco. Absurdo dos absurdos.
   O concerto, regido por Silvio Viegas, teve como solistas dois dos mais renomados cantores líricos brasileiro: a soprano Rosana Lamosa e o tenor Fernando Portari, casal 20 da ópera no Brasil. Portari é cantor de nível internacional, em constante evolução técnica, e que a cada apresentação nos mostra seu belo fraseado, senso de estilo, excelente projeção e apurada musicalidade, dentre outros predicados. Já Rosana Lamosa é artista mais irregular, capaz de, em um dia inspirado, encarnar uma Mélisande encantadora que voa em céu de brigadeiro, e, poucas semanas depois, como no caso desse concerto de sexta-feira, enfrentar sérias turbulências.
   Foi exatamente com o “sumido” Massenet que a noite começou. Fernando Portari, que já há algum tempo vem se destacando como excelente intérprete do repertório francês, que me parece muito adequado ao seu timbre, apresentou seu cartão de visitas atacando com precisão e grande expressividade a linda joia que é Pourquoi me Réveiller, do terceiro ato da ópera Werther, numa comovente interpretação, já dando sinais de como seria toda a sua noite. Em seguida, Rosana Lamosa apresentou uma fria Il est doux, il est bon, ária de Salomé na ópera Hérodiade, demonstrando por sua vez que sua noite não seria tão inspirada quanto a de seu marido.
   A Petrobras Sinfônica e o maestro Viegas interpretaram então a conhecida Méditation (Meditação), da ópera Thaïs, com solos do Spalla Felipe Prazeres. Tivemos uma performance correta com um ou outro deslize por parte do solista. Na sequência, da mesma ópera, Rosana Lamosa sofreu com a ária do segundo ato Ah! Je suis seule… Dis-moi que je suis belle, que começa explorando a região média da tessitura, na qual a solista historicamente apresenta dificuldades.
   Fernando Portari voltou então ao palco para encerrar a primeira parte da noite, interpretando duas peças do terceiro ato de Manon – a mesma ópera que o tenor cantou em Berlim ao lado de Anna Netrebko. Primeiro, enfrentou magnificamente a ária de des Grieux, Ah! Fuyez douce image, com grande vigor. E, logo em seguida, o dueto Toi! Vous!, que encerra o ato, momento no qual pôde exprimir toda a paixão do personagem – mesma ocasião em que, aliás, a soprano teve sua melhor performance em todo o concerto.
   Foram apenas quarenta minutos de Massenet, mas o suficiente para sentir o quanto um compositor com seu refinamento faz falta em nossa casa de ópera. Deu vontade de ouvir a Manon completa. Será que custa tanto assim montar uma Manon tendo um Portari no auge da forma à disposição? Em tempo, o Theatro São Pedro, de São Paulo, levará Werther a partir de 25 de novembro, com o próprio Fernando Portari no papel-título, numa época em que, por uma série de compromissos profissionais e pessoais, dificilmente conseguirei dar uma escapada até São Paulo – o que para mim será uma enorme pena.
   Depois do intervalo, foi a vez de Giacomo Puccini. De Manon Lescaut, ópera não levada no Rio também há muitos anos, Portari atacou com precisão a ária Donna non vidi mai. Lamosa jogou para a plateia e cantou a popularíssima O mio babbino caro, de Gianni Schicchi, apenas com correção. Os solistas então se juntaram para lembrar o sempre emocionante final do primeiro ato de La Bohème, com o lindo dueto O soave fanciulla.
   Depois, a Petrobras Sinfônica apresentou um inédito por aqui, ou quase isso, Prelúdio para orquestra, em Mi menor, de 1876 – uma obra de juventude, já que Puccini tinha apenas 17 anos quando a compôs. A primeira metade é meio insossa, mas a segunda é bastante expressiva e já dá mostras do gênio que o compositor viria a se tornar. Sob a batuta precisa de Viegas, a orquestra deu valor à peça.
   Em seguida, Rosana Lamosa voltou ao palco para cantar Chi il bel sogno di Doretta, da ópera La Rondine, uma ária que está além de suas possibilidades. Logo depois, foi a vez de Portari jogar para a plateia, enfrentando, de Turandot, Nessun dorma, uma ária bastante popular, mas para a qual ele ainda não está preparado, como deixa bem claro o esforço para atingir a região grave na repetição do verso “nessun dorma” ainda no começo da peça. De acordo com a evolução de sua voz, quem sabe no futuro o tenor possa realmente estar preparado para o registro dramático?
   A orquestra voltou ao primeiro plano com o lindo Intermezzo de Manon Lescaut, interpretado com correção, e com destaque para os solos de Felipe Prazeres (violino), Hugo Pilger (violoncelo) e Ivan Zandonade (viola). E, encerrando o programa inicial, Portari e Lamosa cantaram o dueto que encerra o primeiro ato de Madama Butterfly, Bimba dagli occhi pieni di malia.
   A essa altura, o que já estava mesmo na memória era o raro Massenet da primeira parte. A Petrobras Sinfônica, sob Viegas, acompanhou os solistas com correção ao longo da noite. O maestro, ao lado dos solistas e dos músicos, concedeu um bis: uma versão em português de Lippen Schweigen, o famoso dueto de amor do terceiro ato da opereta A Viúva Alegre.
   Encerro com um elogio ao público presente no Municipal na noite do dia 05, que em nenhum momento aplaudiu fora de hora, inclusive aguardando a conclusão da orquestra em todas as peças, somente se manifestando depois de o maestro desarmar. É uma pena que nem sempre seja assim, especialmente nas montagens completas de ópera, quando parece até haver uma competição sobre quem se manifesta primeiro. É preciso ouvir todas as notas que os compositores se deram ao trabalho de escrever, como ocorreu na sexta-feira.

Leonardo Marques
Formado em Letras com pós-graduação em Língua Italiana. Frequentador assíduo de concertos e óperas. Participou de cursos particulares sobre ópera.

Fonte: http://www.movimento.com/

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