"MACBETH" ,DE VERDI , NO MUNICIPAL DE SÃO PAULO. CRÍTICA DE ÉRICO DE ALMEIDA MANGARAVITE NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.

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Estreia mundial de montagem dirigida por Robert Wilson agrada ao público paulistano.

Acabei com minha vida por um amorzinho vagabundo”. A frase dita em setembro de 2012 por um rapaz que, a pedido da namorada, assassinou uma dançarina que com ela rivalizava mostra o quão atemporais são algumas das estórias de William Shakespeare. Sim, porque o jovem caminhoneiro, após arrepender-se do crime que cometera, prestou declarações dando a entender que agira cegamente, no afã de agradar sua namorada a qualquer preço. Algo semelhante ocorre em Macbeth: um homem de personalidade vacilante é levado a delinquir pela força que emana de uma mulher ardilosa e manipuladora.
Esse contexto foi levado ao extremo na montagem da ópera Macbeth, de Giuseppe Verdi (1813-1901), dirigida por Robert Wilson. Na encenação a que assistimos no Theatro Mvnicipal de São Paulo em 25 de novembro de 2012, a personagem de Lady Macbeth sobressaiu em todas as cenas nas quais se fez presente, deixando os demais elementos em segundo plano. Tal concepção, que ficou cada vez mais evidente à medida que a ópera evoluía, foi estabelecida já no dueto que precede o assassinato do rei Duncan: Macbeth – o suposto protagonista da ópera – permaneceu na penumbra, ao passo que a esposa do futuro rei foi iluminada o tempo todo.
Lady Macbeth também foi a personagem que mais se movimentou no palco: Wilson, como se sabe, tem como uma de suas fontes de inspiração o teatro Noh, de origem nipônica, em que prevalecem os movimentos sintéticos, sutis, em uma forma marcadamente lenta de se atuar. Os espectadores mais tradicionalistas (e há muitos com este perfil dentre os paulistanos) não aprovam: preferem maior movimentação e cenários suntuosos, cheios de detalhes. Enfim, trata-se de uma questão de gosto. Em defesa de Wilson se pode afirmar que o diretor é fiel às linhas mestras do enredo original e não emprega ideias desconexas em suas concepções (mal que se percebe em diversas montagens modernas).
Ademais, na presente montagem o efeito obtido pelo conjunto luz, adereços de cena e cenários foi belíssimo: diversas cenas ficarão na memória dos frequentadores do Municipal, tais como a entrada da corte do rei Duncan, as gotas que caíam sobre um gigantesco punhal no fundo do cenário, as três aparições fantasmagóricas (realmente medonhas) e a visão dos descendentes de Banco. A bem da verdade, nem tudo deu certo: alguns dos aparatos luminosos utilizados pelas bruxas teimaram não acendendo quando deveriam e o avanço das tropas de Malcolm e Macduff contra Macbeth não teve o impacto esperado. Todavia, temos a convicção de que assistimos a um grandioso espetáculo, em que a parte cênica foi, por si só, uma atração. De se ressaltar o grande comprometimento dos cantores e da equipe técnica com os conceitos propostos pelo diretor.
Musicalmente, o espetáculo também agradou. Macbeth é uma ópera que depende, fundamentalmente, de três elementos – o soprano que interpreta Lady Macbeth; o barítono que encarna o protagonista; o coro de bruxas. Pois bem: a napolitana Anna Pirozzi foi o destaque da récita, considerando as imensas dificuldades inerentes ao papel. Afinação precisa (não notamos qualquer agudo calante ou gritado), boa agilidade, excelente volume, timbre homogêneo inclusive nas notas mais graves. Cenicamente, atuou muito bem. Foi ovacionada ao final do espetáculo, com justiça.
O romano Angelo Veccia interpretou Macbeth. Barítono de voz pastosa, escura, não tão volumosa quanto a do soprano, mas adequada às dimensões do teatro. Bons agudos, que soaram brilhantes. Seguiu fielmente a partitura, cantando come scritto. Provavelmente por orientação do diretor, atuou com gestos contidos e expressões faciais discretas. Uma atuação digna, que também mereceu aplausos.
O Coral Lírico também se apresentou a contento. Em que pesem algumas entradas ligeiramente desencontradas, mas dentro daquilo que é perfeitamente aceitável, os coristas se apresentaram muito bem e mantiveram a regularidade ao longo da récita. Destacaram-se as vozes femininas, que apresentaram um timbre mais uniforme que o dos homens. Curiosamente, Patria opressa!, célebre excerto que foi muitíssimo bem interpretado pelo coral, recebeu aplausos apenas discretos.
Quanto aos demais cantores, boas atuações dos comprimários, destacando-se o baixo Carlo Cigni no papel de Banco. Voz segura, com vibrato controlado e timbre agradável. Uma pena o papel ser tão curto. Também esteve bem o tenor Lorenzo Decaro, que interpretou Macduff: adequada a rendição da ária “Ah, la paterna mano”, cantada com expressividade e boa técnica. Gabriele Mangione (Malcolm), Elayne Caser (Dama de Companhia) e Alessandro Svab (Médico) cantaram bem e contribuíram para o alto nível da récita. Infelizmente, as vozes das aparições soaram artificialmente amplificadas, destoando das demais.
A participação da Orquestra Sinfônica Municipal também merece elogios. Percebemos apenas um ou outro lapso, facilmente esquecíveis face aos diversos momentos de grande beleza, principalmente nas grandes cenas com coro. O regente Abel Rocha soube extrair do conjunto a correta tinta desta partitura verdiana, marcada por tonalidades menores e passagens sombrias. Alguns dos andamentos escolhidos, sobretudo nas cabalettas, poderiam ter sido mais acelerados. Todavia, há que se ressaltar a competência do regente no acompanhamento dos cantores, que não foram encobertos, e no controle de todo o conjunto.
Um ponto negativo foi o excesso de ruído de parte do público, sendo que em algumas das mudanças de cena o regente teve que esperar intermináveis segundos até que alguns mal educados permitissem o prosseguimento do espetáculo. Notamos ainda alguns inexplicáveis assentos vazios na plateia, não por falta de pessoas interessadas em assistir à ópera, uma vez que a procura por ingressos foi grande.
Certamente, as opiniões acerca deste Macbeth não serão unânimes. Afinal, ninguém deve se sentir obrigado a gostar das ideias de um diretor, por mais célebre que este seja. Talvez por esse motivo seja pertinente mencionar um pequeno detalhe da produção: um dos integrantes da corte do rei Duncan que atravessa o palco é um malabarista, que acompanha fielmente o séquito real até um último instante, quando subitamente deixa o palco pelo lado oposto. Essa pequena rebeldia, típica dos artistas e atemporal como as obras de Shakespeare, talvez nos faça compreender melhor as ideias de Robert Wilson. E, à medida que aceitamos tais conceitos, reconhecemos que o Theatro Municipal de São Paulo levou ao seu histórico palco uma belíssima homenagem ao bicentenário do compositor italiano que já se avizinha. Parabéns a todos os envolvidos, pois presenciamos uma récita memorável.
Érico de Almeida Mangaravite

Fonte: http://www.movimento.com/

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