O conflito de judeus e palestinos na visão de um grande músico. Artigo de Osvaldo Colaruso no blog de Ópera e Ballet.
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Jihad Misharawi,correspondente da BBC em Gaza, carrega o corpo de
seu filho, morto por ataques israelensessMais uma vez o conflito entre judeus e palestinos mostra ao mundo uma dos mais violentos embates dos nossos dias. Este não é um blog de política e sim de música, mas creio que é pertinente utilizar a palavra de um grande músico a respeito deste conflito. Vou utilizar textualmente palavras do maestro e pianista Daniel Barenboim. Antes de tudo vou falar brevemente quem é ele, evitando-se a saia justa ocorrida quando um comentarista da TV brasileira, sem saber de quem se tratava, o chamou genericamente de “aquele senhor”, quando o maestro carregou a bandeira olímpica em Londres neste ano, junto à brasileira Marina Silva.
Daniel Barenboim nasceu em Buenos Aires em 1942, e dez anos depois ele e sua família se mudaram para Israel. Palavras dele : “Foi em 1952, quatro anos depois da declaração da independência de Israel e sendo um garoto de dez anos que, junto com meus pais, cheguei a Israel vindo da Argentina. A declaração da independência foi uma fonte de inspiração para crer naqueles ideais que nos transformaram de judeus em israelenses”. Barenboim desde criança revelou um excepcional talento para a música, sendo que com pouco mais de 20 anos gravou pela primeira vez o ciclo das 32 Sonatas para piano de Beethoven. Depois de uma sólida carreira como pianista dedicou-se também à regência. Pontos marcantes de sua carreira como maestro são os anos em que trabalhou como diretor musical da Orquestra de Paris e da Orquestra Sinfônica de Chicago. Regeu diversas vezes no Festival de Bayreuth (festival wagneriano que acontece anualmente) e é atualmente diretor musical da Ópera Estatal de Berlim e do Teatro La Scala em Milão. Seu repertório como maestro e como pianista é o mais vasto que eu tenho notícia. Grande intérprete de mestres do passado ( Bach, Beethoven, Mozart, Wagner, Liszt, Chopin) e um grande defensor da música do século XX (Schoenberg, Berg, Boulez), se arrisca com sucesso em outros campos, tendo gravado um excelente CD de Tangos e um CD com música brasileira, CD este que teve a participação até de Milton Nascimento. Resumir em poucas linhas a atividade de Barenboim é algo realmente impossível.
Daniel Barenboim lidera um projeto iniciado por ele e pelo já falecido escritor palestino Edward Said. Deste projeto nasceu uma orquestra formada por jovens músicos árabes e judeus, a West-Eastern Divan Orchestra. Este conjunto musical, de altíssimo nível, reforça os pensamentos de Barenboim, um cidadão israelense, a respeito do conflito entre judeus e palestinos. Seu trabalho foi tão bem recebido pelos palestinos que Daniel Barenboim recebeu da autoridade palestina a cidadania daquele território. Ao receber , e agradecer esta honra, Barenboim reforçou a antipatia que tem frente ao governo israelense. Basta dizer que o partido Shas solicitou que a cidadania israelense de Barenboim fosse caçada.
As maiores complicações de Barenboim com o governo israelense não param de crescer.Elas começaram em 2004 quando ele recebeu o Premio Wolf no parlamento israelense. Seu discurso de agradecimento irritou a então ministra da educação Limor Livnat, que saiu da sessão com grande alarde .O então Presidente de Israel , Moshe Katsav ,retirou-se igualmente, sendo que a ministra , ainda na presença do maestro, proferiu palavras altamente ofensivas.
Reproduzirei literalmente dois trechos deste discurso:
“Hoje pergunto, com profunda aflição: podemos nós, apesar de nossas conquistas, ignorar a intolerável brecha entre o que a declaração da independência prometia e o que cumpriu, a brecha entre a idéia e as realidades de Israel? Ajusta-se a condição de ocupação e dominação sobre outro povo à declaração da independência? Existe algum sentido na independência de uns às expensas dos direitos fundamentais de outros?
Pode o povo judeu, cuja História é um registro de contínuos sofrimentos e desapiedadas perseguições, permitir-se ser indiferente ante os direitos e os sofrimentos de um povo vizinho? Pode o Estado de Israel permitir-se o sonho irrealizável de buscar um fim ideológico para o conflito em lugar de perseguir um fim pragmático e humanitário, baseado na justiça social?”
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“Sempre estive convencido de que não existe solução militar para o conflito árabe-judeu, nem moral nem estrategicamente. E já que buscar uma solução é inevitável, me pergunto: porque esperar? Esta é a verdadeira razão pela qual fundei, com meu amigo Edward Said, uma oficina para jovens músicos provenientes de todos os países do Oriente Médio, judeus e árabes. Apesar de que, por ser uma arte, a música não pode comprometer seus princípios – e de que a política, por outro lado, é a arte do compromisso, quando a política transcende os limites da existência presente e ascende à mais alta esfera do possível, ela pode ser acompanhada pela música.
A música é a arte da imaginação por excelência, uma arte livre de todos os limites impostos pelas palavras, uma arte que toca a profundidade da existência humana, uma arte de sons que atravessa todas as fronteiras.”
Se um cidadão israelense pensa assim, e se o mesmo foi tratado da maneira que foi, não vejo com bons olhos o futuro do conflito. Reconheço que o Hamas aje de forma violenta lançando centenas de mísseis contra Israel, e mesmo prega o fim do estado judeu. Mas há uma desproporção que se equivale a usar um canhão para matar uma formiga. Toda vez que me posiciono contra o “modus operandi” do Estado de Israel sou chamado injustamente de “nazista” e “antissemita”. É assim que é tratada qualquer pessoa que questione os métodos de Israel, uma defesa que se faz às custas dos terríveis sofrimentos do povo judeu, mas que não pode justificar o sofrimento do povo palestino.
Osvaldo Colaruso.
Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/blog/falando-de-musica/
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