Theatro Municipal do Rio de Janeiro:Passado glorioso,futuro incerto. Artigo de Osvaldo Colaruso no blog de Ópera e Ballet.



O Theatro Municipal do Rio de Janeiro (sim, se escreve com TH!!) já foi um dos teatros de ópera mais importantes do mundo. E não precisa ir cronologicamente muito longe. Eu , em 1980, fui 5 vezes seguidas ao Rio (ida e volta de ônibus, na época morava em São Paulo) assistir às 5 récitas de Tristão e Isolda de Wagner, magnificamente cantada pelo maior Tristão daquela época: John Vickers, em meio a um elenco que contava com os melhores cantores wagnerianos de então, como Thomas Stewart, Ruth Hesse e Nikolaus Hillebrand. Vale a pena lembrar que o espetáculo foi todo pago pelo estado, e naquela época a educação e a saúde andavam bem melhor do que hoje. Como público assisti espetáculos dignos dos maiores teatros do mundo. Alguns exemplos : uma “Traviata” encenada por Zefirelli, uma belíssima Ariadne auf Naxos de Richard Strauss em estreia brasileira, no ano de 1988, com Edda Moser. Com o Ballet assisti espetáculos inesquecíveis como Les Noces de Stravinsky na coreografia de Bronhuslava Nijinska, e o Romeu e Julieta de Prokofiev regido por Mstslav Rostropovich. Nesta história de grandes feitos participaram os corpos estáveis do Theatro municipal: a Orquestra, o coro e o Ballet. E um dos componentes básicos para tanta qualidade era a programação. Além das obras conhecidas do público o Theatro Municipal sempre ousou colocando em cena obras complexas como Elektra de Richard Strauss (com Leonye Rysanek cantando Klitminestra !!!). Não podemos esquecer que nos anos 60 o Theatro Municipal montou pela primeira vez no Brasil a ópera Lulu de Alban Berg e quando o grupo vocal Swingle Singers veio ao Brasil nos anos 70, a orquestra do Theatro Municipal foi a única no país a conseguir tocar a Sinfonia de Luciano Berio. Eu próprio pude experimentar, como maestro, esta ousadia, ao ser programada “Erwartung” (A espera) de Arnold Schoenberg, em 2005.Aliás fiquei surpreso com o grande interesse dos músicos nesta complexa partitura, que foi executada em primeira audição no Brasil. Os elogios à orquestra estão bem documentadas nas críticas daquela época .
  
   Infelizmente esta programação de altíssimo nível simplesmente não existe mais. Neste ano de 2012, por exemplo, foi encenada apenas uma ópera, a arque conhecida Rigoletto de Verdi. Sim, estamos em novembro, e o Theatro Municipal do Rio de Janeiro monta neste ano, de forma completa, apenas uma ópera. Fizeram outra em forma de concerto, e o coro e a orquestra atuaram em itens também já conhecidos do público e dos músicos: O Réquiem de Verdi e o Réquiem de Mozart. Existe uma recusa em fazer a excelente orquestra realizar concertos sinfônicos (por que será????), o que faz com que bons músicos trabalhem bem aquém de suas capacidades. O Ballet, a única companhia de Ballet clássico do país, sofre do mesmo mal. Uma programação extremamente repetitiva faz voltar periodicamente às mesmas antigas produções: Copellia, Lago dos Cisnes, Onegin, Quebra Nozes, etc. Há anos nenhuma nova montagem nenhuma nova coreografia. O Coro, um dos melhores do país, se vê igualmente desperdiçado. Enxergo que a própria sobrevivência destes corpos estáveis se vê ameaçada. Nenhum concurso público para preenchimento de vagas é realizado há muitos anos, e um processo para a realização dos mesmos encontra-se misteriosamente parado em alguma gaveta. A orquestra, que já está desfalcada, ficará ainda mais reduzida no próximo mês de março, quando 16 contratos temporários serão extintos, sendo que tais contratos não são renováveis.

Há alguns anos houve uma tentativa de privatizar os corpos estáveis, num projeto extremamente combatido pelas pessoas da área. Um abaixo assinado com 10.000 assinaturas e o repúdio de todos os parlamentares fizeram com que o governador, prevendo uma derrota, retirasse a proposta. A resposta a esta retirada é uma indiferença completa aos corpos estáveis. Quem sai perdendo com isso é o público, que vê no Theatro Municipal uma sala de aluguel para grandes eventos, e não um centro de produções de alto nível. Num momento em que o Municipal de São Paulo vive uma fase áurea, com inúmeras produções excelentes, com um repertório altamente ousado (O Crepúsculo dos Deuses de Wagner, Pelleas et Mélisande de Debussy), o Theatro Municipal do Rio de Janeiro caminha a largos passos para se tornar um espaço de aluguel e de grandes e saudosas memórias. A palavra que mais se lê no site do teatro, sintomaticamente, é: Programação sujeita a alteração. Lembro que o Theatro Municipal do Rio de Janeiro e seus corpos estáveis são um patrimônio cultural não só dos cariocas, mas de todos nós brasileiros. Cumpre a todos nós defender a sua permanência.

Osvaldo Colaruso

Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/blog/falando-de-musica/

Comentários

  1. Apenas um reparo ao artigo do maestro Colaruso: o Municipal de São Paulo não vive uma "fase áurea". Pelo contrário, esta foi uma das administrações mais danosas ao TM. A intranquilidade dos artistas é enorme. O projeto que transformou o Theatro em Fundação está cheio de lacunas que nunca foram respondidas. Está prevista a parceria com uma OS que se incumbirá de contratar os artistas, mas até hoje não se sabe qual será. Ninguém nunca disse como se dará essa transição (isto é, se a passagem será automática ou se todos terão que submeter-se a algum tipo de concurso, mesmo passando a ser contratados por uma entidade privada), se o número de vagas nos corpos estáveis será mantido e se os salários permanecerão nos mesmos níveis, considerando-se os encargos trabalhistas decorrentes da nova estrutura. O que impera no TM são os conchavos e pactos sinistros feitos na calada da noite por parte de quem só pensa em "garantir o seu". As produções das óperas estão sob auditoria, porque a pobreza das montagens que se vê em cena não é compatível com as altas dotações orçamentárias. Sem falar na administração amadora e incompetente, que só desprestigia os artistas da casa.

    ResponderExcluir
  2. Vejo que a situação no TM do Rio é bem mais caótica que o de SP, infelizmente o nosso amado Theatro Municipal de SP não vive uma de suas melhores fases e me lembro como se fosse hoje quando aos 14 anos assisti minha primeira ópera a Tosca de Puccini numa apresentação que até hoje me recordo, depois naquele mesmo ano vi minha primeira Aïda de Verdi.
    Infelizmente a orquestra não se desenvolvou nesses 20 anos como a OSESP e sem uma política pública extremamente séria o Mvnicipal de São paulo correrá os mesmos riscos que no Rio, Graças a Deus o péssimo mandato de Kassab está terminando e depois das declarações da Lígia Amadio no começo da campanha do Haddad na Sala São Paulo, eu espero que o Haddad tenha o mínimo de bom senso e merecidamente coloque a Lígia Amadio como diretora artística do Mvnicipal de SP com carta branca e sem palpites de políticos inescrepulosos que não sabem o que é arte,conhecem apenas o lucro rápido e indecente. A cidade de São Paulo merece uma orquestra à altura de sua história e importância, e que em 2013, 2014 (os turistas Europeus da Copa fiquem impressionados com nossa temporada operística e quem sabe possamos trazer turistas culturais em busca de boa música e boas óperas em São Paulo isso certamente atrairia investimentos tão necessários a nossa cidade, projetando-a mundialmente.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas