UMA GRANDE "FILHA" PARA O "REGIMENTO" DE DONIZETTI. CRÍTICA DE LEONARDO MARQUES NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.

Soprano georgiana brilha ao lado de tenor brasileiro e Série Lírica da OSB O&R foi um dos grandes trunfos da temporada carioca.
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Nesta quarta-feira, 14 de novembro, no penúltimo concerto de sua Série Lírica, a Orquestra Sinfônica Brasileira Ópera & Repertório (OSB O&R) apresentou, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, as passagens musicais de La Fille du Régiment (A Filha do Regimento), ópera em dois atos de Gaetano Donizetti, sobre libreto de Jules-Henri Vernoy de Saint-Georges e Jean-François Bayard. As partes faladas foram cortadas.
A trama apresenta a história de Marie, uma criança perdida que foi criada por um regimento militar francês, do qual se tornou vivandeira. Apaixonado por ela, o tirolês Tonio alista-se no regimento para ter o direito de desposá-la. No entanto, a suposta tia de sua amada, Marquesa de Birkenfeld, finalmente a reencontra e a leva para morar em seu castelo, atrapalhando os planos dos jovens namorados. No segundo ato, encontramos Marie recebendo uma aula de canto no castelo, mas ela só pensa no ritmo do tambor do regimento. Depois das reviravoltas de praxe, ficamos sabendo que a Marquesa, na verdade, é mãe de Marie, e não sua tia. Percebendo o verdadeiro amor que os une, a nobre senhora finalmente consente no casamento entre sua filha e Tonio.

O Coro arregimentado para a apresentação, preparado por Jésus Figueiredo, esteve bem em todas as suas intervenções. Desta vez, o grupo não foi apresentado como “Coro Ópera Brasil”, ao contrário do que ocorrera em Il Pirata. A OSB O&R, desta vez conduzida pelo italiano Francesco Maria Colombo, manteve o elevado nível de suas últimas apresentações, com destaque para os solistas da orquestra, em especial aquele ao oboé (se alguém souber seu nome, peço a gentileza de identificá-lo).
Dentre os solistas, não comprometeram o tenor Marcelo França (um camponês) e os baixos Patrick Oliveira (um sargento) e Allan Souza (Hortensio). A mezzosoprano Luzia Rohr esteve correta como a Marquesa de Birkenfeld. Muito bom foi o Sulpice do barítono Leonardo Páscoa, que se destacou nos duetos com a protagonista e no delicioso terceto do segundo ato, Tous les trois reunis.
O tenor lírico ligeiro Jacques Rocha é um desses talentos puros que, às vezes, encontramos por aí – o que é cada vez mais raro, aliás. Pode-se dizer que, aqui ou ali, sua projeção não foi tão linear quanto aquela da soprano, ou então que o artista ainda precisa aprimorar sua presença de palco. Pode ser, mas que bela voz! Ainda jovem para um tenor, o que falta a Jacques, como bem observou um amigo no intervalo, é apenas experiência, coisa que ele não vai encontrar muito no Brasil – é bom que se diga logo.
Na ária Ah! Mes amis, quel jour de fête! e na cabaletta Pour mon âme, a popularmente chamada “ária dos nove dós”, Rocha esteve bem, mas seu grande momento foi a romanza de Tonio no segundo ato, Pour me rapprocher de Marie, quando cantou com encantadora doçura. Outros ótimos momentos foram o trio já citado e o dueto com Marie no primeiro ato, Quoi! Vous m’aimez?, quando cantou no mesmo nível da colega famosa.
A soprano lírico coloratura georgiana Nino Machaidze, uma das divas mundiais da atualidade, foi uma Marie impecável. Sua belíssima voz, muito bem projetada, de agilidade saborosa e que sobe divinamente até os superagudos e os emite com enorme naturalidade, fez o público do Municipal quase delirar. Encantadora, desenvolta e com pleno domínio do palco, a soprano exibiu seus dotes, inclusive cômicos, em inúmeras passagens, como a Canção do Regimento, Chacun le sait; os números já citados com o barítono e o tenor; as árias Il faut partir, do primeiro ato, e Par le rang et l’opulence, do segundo; e a deliciosa cena da aula de música, em que a artista parecia cantar brincando.
Foi uma aula de canto e de técnica altamente refinada, e, como se não bastasse, Machaidze ainda pareceu bem entrosada com os colegas. Tivemos, portanto, uma grande “Filha” para o “Regimento” do gênio de Bérgamo. Memorável.

Balanço da Série Lírica da OSB O&R
A Série Lírica da OSB O&R encerrar-se-á no dia 10 de dezembro, quando será apresentada a ópera O Ouro não Compra o Amor, de Marcos Portugal. Como não estarei no Rio de Janeiro na ocasião, faço aqui um rápido balanço desta Série e do que ela representou para o Rio de Janeiro em 2012.
Como todo mundo sabe, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro passou o ano apenas fingindo que monta ópera, fingindo que oferece ao público uma “temporada” de ópera. Portanto, não temos uma verdadeira temporada de óperas no Rio, e os pouquíssimos títulos que o Municipal se propõe encenar, só para completar o quadro, fazem parte do b-a-bá operístico, ou seja, o básico do básico, não havendo qualquer ousadia em termos de escolha de obras. Sobre o Municipal do Rio, aliás, sugiro a leitura de um belíssimo e lúcido texto do maestro Osvaldo Colarusso, em seu blog na Gazeta do Povo, cujo link segue abaixo:
http://www.gazetadopovo.com.br/blog/falando-de-musica/?id=1316035&tit=theatro-municipal-do-rio-de-janeiro:passado-glorioso-futuro-incerto
Diante de um quadro desolador como este, sobretudo se considerarmos que logo ali, em São Paulo, o Municipal paulistano pelo segundo ano consecutivo está oferecendo uma temporada de verdade, com títulos raros e de grande interesse, a Série Lírica da OSB O&R foi uma grande oportunidade de arejar e diversificar o repertório lírico apresentado ao público carioca.
A Série nitidamente cresceu ao longo do ano: começou morna com títulos como O Rei Pastor e Orfeu e Eurídice; esquentou com Griselda; e logo em seguida pegou fogo de vez quando Eliane Coelho protagonizou Ariadne em Naxos, Saioa Hernandez e Fernando Portari deram vida a O Pirata e, agora, Nino Machaidze e Jacques Rocha ofereceram uma encantadora A Filha do Regimento.
Títulos raros por aqui foram oferecidos, alguns até se enquadram como raríssimos como O Rei Pastor e Griselda. A Série teve ainda o mérito de mesclar jovens promessas do canto brasileiro com nomes consagrados internacionalmente, como Machaidze, Hernandez e os nossos Eliane Coelho e Fernando Portari. Tudo isso conduzido por regentes experientes como Marco Pace, Eugene Kohn e Tiziano Severini, dentre outros.
Quando olho para frente e não consigo enxergar, no Municipal, a possibilidade de uma temporada séria de óperas para 2013 (tomara que eu me engane, mas esse é o quadro no momento), creio que todos devemos não só torcer para que a Série Lírica da OSB O&R se renove no próximo ano, mas efetivamente cobrar que isso ocorra, porque se depender do Municipal… Pois é! Leram o texto do maestro Colarusso que indiquei acima? Não? Pois então vão lá dar uma lidinha.

Leonardo Marques
http://www.movimento.com/
 

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