A Música que Morreu Moça por Carlos Augusto Calil, Secretário Municipal de Cultura, São Paulo.
Ao se debruçar sobre a vida breve de Glauco Velásquez, o leitor logo constatará que nela prevalece a fragilidade, agravada pela escassez de informações e documentos. O mistério de seu nascimento, a delicadeza de sua saúde, a falta de um estudo aprofundado sobre sua obra – para inconformismo de Darius Milhaud – não foram suficientes para emudecer a sua música que, neste projeto, desvela a sua força sedutora.
O romantismo domina a obra de Glauco Velásquez. Os estudiosos a aproximam da estética de César Franck, de Guillaume Lekeu e nela encontram ecos da influência avassaladora de Wagner. Se essas são as tintas fortes da pintura, a sua moldura é o conturbado período entre a derrubada da Monarquia e a implantação improvisada da República, em que fermentavam subterraneamente novos valores estéticos que haveriam de emergir, como marco, somente na Semana de Arte Moderna de 22.
Em sua obra musical desafortunadamente não há germe de modernismo: “colcheia pontuada para ser tocada à maneira preguiçosa”, segundo Mário de Andrade. Em sua obra predominam ornamentos wagnerianos e acordes entristecidos que evocam Tristão.
A morte prematura do compositor em 1914 interrompe uma produção vibrante e promissora, ainda que anacrônica. Mas a morte que prevaleceu foi a estética; a agulha nervosa da bússola já apontava o norte da música nova para outros quadrantes. Aqui, para o nacionalismo de inspiração popular; na Europa, a Sagração da Primavera já havia sido tocada em 1913.
Em 1935, Mário de Andrade, um dos idealizadores da Semana, institucionaliza uma política cultural modernista, ao assumir a direção do recém-criado Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo. A ideologia do modernismo conquistava o aparelho do Estado. A valorização do homem comum, aliada à busca da identidade nacional como instrumento de inclusão de uma cultura popular até então recalcada, olha para o futuro. E o futuro não era Glauco Velásquez. O futuro era Villa-Lobos.
Às vésperas do centenário da morte de Velásquez, a Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo apresenta gravações inéditas de sua escrita integral para trios, pela leitura precisa do grupo de música de câmara Aulustrio, realizada no Theatro Municipal de São Paulo.
A realização deste projeto encontrou amparo no Programa PETROBRAS Cultural, que mais uma vez confiou em nosso esforço de valorizar a música erudita brasileira por meio de gravações sonoras e edições de partituras.
A grandeza da obra de Velásquez não se mede em quantidade, senão em qualidade, avalizada pelos mais renomados compositores e musicólogos. Nosso gesto não pretende ser uma resposta ao repto de Darius Milhaud. Muito ainda há de ser feito para colocar Glauco Velásquez no lugar de destaque que é seu de direito na história da música brasileira. Nossa proposta visa apenas a atualizar o interesse por essa obra singular, que merece a atenção do ouvido contemporâneo. Um estímulo à realização de outras releituras de sua obra, quem sabe, a produção de sua ópera inacabada Soeur Beatrice no ano de seu centenário.
Carlos Augusto Calil
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