VILLA-LOBOS E OS ARROUBOS (ERRADOS) DO MEIO ACADÊMICO. ARTIGO DE OSVALDO COLARUSO NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.

villalobos.ca / Villa-Lobos regendo multidõesVilla-Lobos regendo multidões
Tenho ficado (mal) impressionado, com alunos que tentam desenvolver trabalhos acadêmicos sobre Heitor Villa-Lobos, e que encontram restrições em meio à comunidade dos departamentos de música das nossas universidades. Eu ,que nunca me interessei pelo meio acadêmico, acabei descobrindo que existe uma moda atual (sim, o meio acadêmico é cheio de “modismos”) de se denegrir a figura de Villa-Lobos, especialmente por sua participação no SEMA (Superintendência Musical e Artística) durante o Estado Novo, período em que o Brasil foi governado por Getúlio Vargas. Quero aqui tentar resgatar a importância desta participação de nosso maior compositor, sobretudo pelo fato de que a música, pela primeira e única vez na história brasileira, esteve entre as prioridades de governo.


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villalobos.ca / Milhares de vozes aguardam a chegada de Villa-Lobos no estádio São JanuárioMilhares de vozes aguardam a chegada de Villa-Lobos no estádio São Januário

Villa-Lobos, em diversas ocasiões, foi alvo de ataques da crítica e dos próprios músicos brasileiros. Eu posso imaginar a reação do público carioca ao ouvir páginas tão ousadas como seu Noneto , Quarteto simbólico ou seus Choros de câmera (obras todas compostas e apresentadas nos anos 20), e tenho total certeza que o compositor só conseguiu certa notoriedade nos meios artísticos brasileiros depois de sua estada na Europa, entre 1923 e 1929. Mesmo assim as dificuldades financeiras do músico eram enormes. Ele chegou mesmo a pensar em mudar para outro país Uma das muitas bobagens defendidas no meio acadêmico brasileiro se refere à mudança estilística do autor nos anos 30. Não podemos desprezar o fato de que nos anos em que Villa-Lobos viveu em Paris o neoclassicismo de Stravinsky e do Grupo dos seis era algo impossível de se desprezar. Até mesmo Schoenberg,em 1925, mesmo com uma linguagem serial, escreve uma Suíte com títulos barrocos. Se Villa-Lobos a partir dos anos 30 escreve suas Bachianas brasileiras não é por motivação de sucesso ou de prestígio político. Era por uma convicção artística.


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villalobos.ca / Villa-Lobos regendo multidõesVilla-Lobos regendo multidões

A proposta que foi feita por Anísio Teixeira (assessor de Getúlio Vargas) se mostrava irrecusável. Villa-Lobos, que era apaixonado pela música, via a possibilidade de colocar em evidência a educação musical no ensino básico de nosso país, com um resgate sistemático de nosso folclore. Cito aqui um texto do próprio Villa-Lobos que me parece extremamente atual: “O canto orfeônico aplicado nas escolas tem como principal finalidade colaborar com os educadores para obter a disciplina espontânea e voluntária dos alunos, despertando, ao mesmo tempo, na mocidade, um sadio interesse pelas artes em geral e pelos grandes artistas nacionais e estrangeiros.” Através deste trabalho, Villa-Lobos deu um cunho artístico ao material folclórico. Seu “Guia Prático” salva do esquecimento uma série de melodias e textos populares. Eu perguntaria: se não fosse o trabalho de Villa-Lobos certas canções de roda ou melodias infantis ainda seriam conhecidas? Com certeza não. Mas Villa-Lobos foi muito além do seu trabalho de compilador. E esta compilação começou muitos anos antes do Estado Novo. Seus ciclos Prole do Bebê e Cirandas, dos anos 10 e 20, atestam isso. A diferença foi a sistematização, tanto nas obras pianísticas quanto nas obras corais. O magnetismo de Villa-Lobos nas enormes aglomerações corais, com mais de 40.000 vozes, realizadas em estádios de futebol, estão entre os pontos mais fascinantes da vida do músico. Leiam a descrição emocionada do poeta Carlos Drummond de Andrade:“A multidão em torno vivia uma emoção brasileira e cósmica, estávamos tão unidos uns aos outros, tão participantes e ao mesmo tempo tão individualizados e ricos de nós mesmos, na plenitude de nossa capacidade sensorial, era tão belo e esmagador, que para muitos não havia outro jeito senão chorar; chorar de pura alegria. Através da cortina de lágrimas, desenhava-se a figura nevoenta do maestro, que captara a essência musical de nosso povo, índios, negros, trabalhadores do eito, caboclos, seresteiros do arrabalde; que lhe juntara ecos e rumores de rios, encostas, grutas, lavouras, jogos infantis, assobios e risadas de capetas folclóricos.” O maestro fazia uma salutar mistura de “clássico” e “popular”, convidando para estas manifestações artistas como Augusto Calheiros, Francisco Alves, Silvio Caldas e Paulo Tapajós.

Num momento em que a educação musical nas escolas públicas deixou de existir, e num momento em que a disciplina da juventude chega ao ponto de tornar a profissão de professor como uma atividade de risco, me parece completamente injusto condenar Villa-Lobos por ter trabalhado sob um regime ditatorial. Ele o fez por amor à música, enriquecendo o nosso patrimônio artístico. Esses departamentos de música, que criam montanhas de textos e gráficos e pouca música, não tem o direito de falar mal de uma atividade que continua repercutindo de forma única entre nós.Foi uma atividade que colocou a música como algo primordial em nosso país. Se o regime que tornou isso possível é contestável, a ação de Villa-Lobos não o é.

Osvaldo Colaruso

Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/blog/falando-de-musica/

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