130 ANOS DA MORTE DE RICHARD WAGNER. ARTIGO DE OSVALDO COLARUSSO NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.

biography.com / O compositor Richard WagnerO compositor Richard Wagner

Há exatamente 130 anos falecia em Veneza o compositor Richard Wagner (1813-1883). Poucos criadores musicais deixaram uma influência tão grande como ele, e tenho certeza que a música da segunda metade do século XIX e de todo o século XX seria completamente diferente se ele não tivesse existido. A lista de compositores que de uma maneira (amando-o) ou de outra (detestando-o) foram influenciados por ele é interminável. Obras tão diferentes como o “Prelúdio à tarde de um fauno” de Debussy, “Noite transfigurada” de Schoenberg, “Salomé” de Strauss, “Tosca” de Puccini ou as Sinfonias de Bruckner e de Mahler, seriam bem diferentes se não houvesse os “encantos” do gênio alemão. No entanto diversos mitos negativos ainda cercam o autor. Este texto discute estes mitos e é minha homenagem ao aniversário da morte deste que permanece um de meus compositores favoritos.



Mito 1 – Wagner antissemita

A música de Wagner é proibida até hoje no Estado de Israel. Esta proibição é uma dos aspectos mais “leves” do modo de ação deste país que comete crimes inadmissíveis com a benção da comunidade internacional. Muitas pessoas citam o ensaio escrito por Wagner “O judaísmo e a música”, mas perguntaria: quem já leu este ensaio? Wagner morou de 1839 a 1842 em Paris, e nesta época chegou a passar fome, e nunca teve sua música executada na capital francesa. O principal causador desta triste estada em Paris foi o compositor Giacomo Meyerbeer (1791-1864), que era de origem judaica. Meyerbeer criou um tipo de ópera, a assim chamada em francês “grand opera”, que se tornou uma coqueluche entre a ascendente classe burguesa francesa. Meyerbeer percebeu que Wagner era um gênio, e o atrapalhou o quanto pôde, até que para livrar-se dele o recomendou para o rei da Saxônia. Em Dresden Wagner apresentou sua ópera “Rienzi” , que no fundo é amplamente inspirada numa “grand opera” de Meyerbeer. Sua apresentação na capital da Saxônia foi um grande sucesso, o que lhe permitiu, pela primeira vez, que tivesse uma existência mais tranquila, até sua fuga em 1849, quando se envolve nos movimentos revolucionários republicanos. Sua raiva à vida musical francesa em geral e a Meyerbeer em particular permaneceu. Ao citar o estereótipo do judeu ávido em ganhar dinheiro, Wagner relaciona Meyerbeer à sua ânsia de sucesso e de fortuna. Eu convidaria os leitores a lerem o ensaio, e não rotularem o mesmo como um panfleto racista. Na prática Wagner se dava muito bem com diversos judeus. A longa lista de amigos judeus do compositor inclui o escritor Heinrich Porges, o pianista Carl Tausig, o músico Joseph Rubinstein (que foi professor de música dos filhos do compositor) e sobretudo o grande maestro Herman Levi, que foi escolhido pelo próprior Wagner para reger a estreia de sua última ópera “Parsifal”. Entre um assentamento ilegal na Cisjordânia ocupada e alguma ação violenta típica daquele país, o governo israelense deveria também proibir a montagem de qualquer peça de William Shakespeare no país. Afinal o estereótipo do judeu avarento nunca assumiu tons tão claros como o personagem Shylock na peça “O mercador de Veneza”.




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Mito 2 – As óperas de Wagner são longas e sem ação



A maior parte das óperas de Wagner é longa mesmo. “Os mestres cantores de Nuremberg” e “O crepúsculo dos deuses” duram por volta de quatro horas e meia, e a maioria das obras do autor duram entre três e quatro horas. As únicas obras curtas são “O navio Fantasma” (duas horas e quinze) e “O ouro do Reno” (idem),no entanto estas duas obras foram pensadas em um espetáculo contínuo, um longo ato apenas, o que exigem uma atenção grande por parte de público. A principal razão destas durações vem do aspecto sério que o autor buscava em sua relação com o público. As óperas de Wagner são um profundo estudo mítico sobre a condição humana. “Tannhäuser”, por exemplo, fala sobre a condenação de toda uma sociedade a uma pessoa por um passado visto como condenável. “Lohengrin” fala sobre o verdadeiro valor de uma pessoa, independente de “seu nome e raça”. “Parsifal” fala sobre a iluminação do espírito, a busca do aprimoramento. Estes temas não poderiam ser tratados de forma justa com árias de bravura, ritmos valsantes, ou espirito de entretenimento. Ao abandonar a “ópera número”, isto é, os espetáculos líricos onde a música torce as intenções dramáticas, o compositor vai de encontro a alguns mecanismos típicos das tragédias gregas. A narrativa wagneriana é descendente direta das magistrais narrativas de Ésquilo e de Sófocles. A ação é substituída pela narração. É através deste mecanismo que ficamos sabendo o passado do “Holandês errante” na Balada de Senta em “O navio fantasma”, ou o olhar que revelou uma paixão avassaladora que ficamos sabendo na longa narrativa de Isolda, no I ato de Tristão e Isolda. A total compreensão das obras de Wagner cobra do ouvinte uma atenta leitura de seus textos, e neles veremos dignos descendentes das clássicas situações dramáticas como a narrativa de Cassandra na tragédia Agamenon de Ésquilo. Nem a Oréstia de Ésquilo e nem “O anel do Nibelungo” são entretenimento. São experiências místicas e transcendentes. Os longos tempos de pouca ação agem como um fantástico veiculo para a mais completa vivência do drama.





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Mito 3 - A música de Wagner é barulhenta


Wagner usou em muitas de suas obras uma orquestra gigantesca. Mas raros são os momentos em que todos os instrumentos soam juntos. O grande número de instrumentos é usado mais para uma busca de variedade tímbrica do que de grande volume. Diversos momentos de “Tristão e Isolda” e “Siegfried” são quase camerísticos. Existem momentos absolutamente mágicos nestas obras, quando, por exemplo, Siegfried chega à rocha da adormecida “Brünnhilde”. Por diversos compassos uma música lenta e envolvente é tocada apenas pelos primeiros violinos da orquestra, sem nenhum tipo de companhamento. Aliás estas longas melodias uníssonas são um primor do grande mestre: o solo de corne inglês no inicio do terceiro ato de “Tristão e Isolda”, e o solo do clarinete baixo no longo monologo de Rei Marke na mesma ópera são exemplos marcantes. A busca tímbrica é algo essencial, sendo que refuto absolutamente a “grandiosidade vazia” . A imaginação de Wagner ao usar uma grande orquestra passa longe da grandiloquência vulgar.

Conclusão


Poderia aqui falar muito mais dos mitos negativos em relação à obra de Wagner, mas permaneço apenas nestes três. Meu objetivo foi aqui render uma homenagem aos 130 anos da morte de um artista que acreditava que a arte só é arte se leva a um enriquecimento espiritual. Sua luta esbarra em sua desmedida ambição. Mas saúdo esta ambição pelo bem que adveio dela.

Osvaldo Colarusso

Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/blog/falando-de-musica/

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