EXCELENTES BAILARINOS E MEZZO SE DESTACARAM NA GALA ROYAL OPERA HOUSE. CRÍTICA DE LEONARDO MARQUES NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.
Temporada 2013 do Theatro Municipal do Rio de Janeiro ainda traz algumas incógnitas.
Na última sexta-feira, 1° de março, com greve de ônibus, engarrafamentos pela cidade ao longo do dia e até queda de luz antes do início da apresentação (segundo o locutor da casa, sob total responsabilidade da Light – essa velha inimiga da população), um público que passou por cima dos problemas da cidade lotou as dependências do Theatro Municipal do Rio de Janeiro para apreciar a Gala Royal Opera House, espetáculo que abriu a Temporada 2013 da instituição carioca, bem como marcou oficialmente o início da parceria entre o Municipal e o teatro de ópera londrino, reunindo primeiros bailarinos do Royal Ballet, jovens cantores do programa Jette Parker e a Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal.
A noite não começou bem, com a OSTM, sob a regência do inglês Dominic Grier, pisando literalmente em ovos ao interpretar a abertura da ópera Os Mestres Cantores de Nuremberg. Desentrosamento, sonoridade pouco ou nada definida, dinâmica imprecisa. Cá entre nós, convenhamos, a falta de hábito é algo terrível. Esta orquestra não toca uma ópera de Wagner há exatos 10 anos, o que é absolutamente impensável, irresponsável, inconcebível. Junte isso à falta de habilidade de Grier para contornar ou pelo menos minimizar os problemas, e tivemos uma performance fria, que merecidamente recebeu poucos aplausos. Serve de alerta para o maestro Malheiro, que precisará caprichar na preparação da Valquíria.
Já na peça seguinte, curiosamente também de Wagner, Im Treibhaus (Na Estufa), do ciclo Wesendonck Lieder, a noite começou para valer. A Sinfônica do Municipal já estava mais aquecida para enfrentar o mestre alemão, ainda que a orquestração não tenha saído da pena do compositor. Aqui, a orquestra já estava bem mais segura que na abertura da noite, e acompanhou a ótima mezzosoprano lituana Justina Gringyte. A solista demonstrou uma técnica apurada, precisa, um lindo timbre, ótima projeção e grande expressividade.
Dois números de balé deram sequência à noite. Sempre que, eventualmente, escrevo sobre dança, deixo claro que não tenho nenhum conhecimento técnico sobre balé, sendo meus comentários apenas a expressão da impressão causada pelas coreografias e pelas performances dos bailarinos aos olhos de um apreciador comum desta arte.
Primeiramente, Leanne Benjamin e Edward Watson executaram o pas de deux do balé Qualia, com coreografia de Wayne McGregor, sobre música eletroacústica de Scanner (nome pelo qual é conhecido o compositor inglês Robin Rimbaud). Em seguida, Marianela Nuñez e seu marido, o brasileiro Thiago Soares, dançaram o pas de deux do terceiro ato de O Lago dos Cisnes (aquele do Cisne Negro), na coreografia original de Petipa e Ivanov. A belíssima performance arrebatou o público, acompanhada com competência pela orquestra, com lindo solo do Spalla Ricardo Amado.
Encerrando a primeira parte do programa, Justina Gringyte voltou ao palco para nos oferecer, de Sansão e Dalila, de Camille Saint-Saëns, a ária Mon coeur s’ouvre a ta voix. Mais uma vez, a artista demonstrou grande talento, ainda que tenha lhe faltado um maior domínio da personagem, coisa que só se adquire com o tempo e a experiência, e fato que não prejudicou seu ótimo rendimento musical. A orquestra acompanhou à altura. Em seguida, a soprano bósnia Dušica Bijelić e o tenor argentino Pablo Bemsch, executaram de forma bem menos satisfatória o dueto Il padrone fra poco sarà desto, da ópera L’Amico Fritz, de Pietro Mascagni.
Depois do intervalo, a OSTM reiniciou os trabalhos com a abertura da ópera A Força do Destino, de Verdi, numa performance correta, bem superior àquela que abriu a noite. E logo depois ouvimos novamente a mezzo lituana cantar do fosso o Pie Jesu, do Requiem de Fauré, para a performance de Leanne Benjamin (coreografia de Kenneth MacMillan). Para o meu gosto, bom solo da bailarina, mas o que marcou mesmo foi a belíssima e expressiva interpretação da mezzo, sempre bem acompanhada pela orquestra. Está aí um nome para se anotar: Justina Gringyte tem sem dúvida um grande futuro. Fiquemos de olhos e ouvidos atentos.
Na sequência, o tenor Pablo Bemsch teve a sua chance ao interpretar Una furtiva lagrima, de O Elixir do Amor, de Donizetti. O argentino enfrentou a partitura do gênio de Bérgamo com correção, mas sem refinamento. Ele tem, sem dúvida, uma voz com predicados, mas que ainda carece de aprimoramento. O mesmo não digo da soprano Dušica Bijelić, que, ao solar Meine Lippen sie küssen so heiss, da Giuditta, de Lehár, foi melhor dançarina que cantora: timbre nada agradável, projeção bastante insatisfatória nas regiões média e grave, e agudos gritados.
Antes da performance quase constrangedora da soprano, tivemos uma das peças mais encantadoras da noite, o pas de deux da segunda parte do balé After the Rain, do coreógrafo Christopher Wheeldon. Executada maravilhosamente pelo casal Marianela Nuñez e Thiago Soares, a peça também chamou a atenção pela música do compositor estoniano Arvo Pärt, Spiegel im Spiegel – um duo para violino e piano, tocado do fundo do palco pelo Spalla Ricardo Amado e pelo pianista Robert Clark. A peça de Pärt caracteriza-se pela simetria e pela repetição hipnótica, tão comum em sua obra, e recebeu dos dois músicos interpretação sensível, envolvente e precisa. Um grande momento, até pela raridade de se ouvir Pärt por estas paragens.
Mais dois pas de deux encerraram definitivamente o programa. Primeiro, aquele da segunda cena do primeiro ato de Manon, em coreografia de Kenneth MacMillan sobre música de Massenet (orquestração de Martin Yates), dançado lindamente por Sarah Lamb e Edward Watson. E por fim, aquele do terceiro ato de A Bela Adormecida, com música de Tchaikovsky e coreografia original de Petipa, que recebeu interpretação delicada, encantadora e ricamente expressiva da brasileira Roberta Marquez e de Steven McRae. Em ambas as peças, a OSTM esteve correta e bem sonora.
Como bem definiu um amigo, numa conversa durante o coquetel logo depois da apresentação, o espetáculo foi irregular, mas, acrescento eu, os momentos positivos se impuseram, e a noite foi satisfatória, em especial pelo alto nível de todos os bailarinos, pela voz cativante da mezzosoprano e por uma OSTM que, exceto pela abertura wagneriana, esteve bem.
Análise da Temporada 2013
Pontos positivos
Há aspectos positivos e negativos na temporada parcialmente divulgada pelo Municipal do Rio. De positivo, obviamente, temos a celebração de importantes efemérides: o bicentenário de nascimento de dois dos maiores gênios da história da música, Wagner e Verdi, e o centenário de nascimento de um gênio do século XX, Benjamin Britten.
O mestre alemão será lembrado através da bela produção paulistana de A Valquíria; enquanto do italiano ouviremos Aida, outra das grandes obras-primas do repertório internacional (um Verdi mais robusto, mais encorpado, como eu vinha sugerindo aqui há algum tempo). Já o compositor inglês deve ser lembrado através de Billy Budd, uma interessantíssima ópera de 1951.
Bastante positiva também é a parceria recém-iniciada com a Royal Opera House, uma das instituições mais respeitadas do mundo, embora somente no futuro poderemos analisar melhor os resultados desta parceria, ou seja, se ela terá sido realmente frutífera. Outra ideia merecedora de elogios é a celebração de mais uma efeméride: o centenário da estreia de A Sagração da Primavera, que deve ser lembrado em agosto pelo Ballet do Theatro.
É também importante registrar o acerto dos títulos escolhidos para a temporada lírica, pois Aida, A Valquíria e Billy Budd formam uma série lírica variada e de grande interesse, ainda que pequena demais na quantidade de títulos, como sempre. E uma verdadeira surpresa foi o anúncio de algumas das intenções do Municipal para 2014: Wozzeck, de Alban Berg, e Capriccio, de Richard Strauss, são dois títulos bem escolhidos e já agendados para o próximo ano. Para os padrões do Municipal do Rio, anunciar tais intenções com esta antecedência é quase uma revolução! Como se pode perceber, prefiro dizer “intenções” porque (sabem como é o Municipal, não é?), entre a intenção e a realidade, há uma baita distância. Portanto, nem gastarei tempo agora tratando desses títulos para 2014, visto que até lá muita coisa pode mudar, como comprova a história recente do teatro carioca.
Preocupações
Essa foi a parte boa, agora começam as preocupações. Por exemplo, Aida é uma ópera que exige grande aparato cênico, uma ambientação realmente convincente. Ficam as perguntas, que serão respondidas em menos de dois meses: sua produção pelo Municipal receberá cenários de verdade? Sua cenografia terá nível suficiente para ser guardada para futuras remontagens? Por outro lado, as vozes anunciadas dão a impressão de que formação um grande elenco. A conferir.
Já A Valquíria precisa de vozes altamente qualificadas. Teremos essas vozes? Parece que, pelo menos parcialmente, sim, pois o Municipal já divulgou alguns nomes, como os de Eliane Coelho (Brünnhilde) e Denise de Freitas (Fricka), e, segundo soube no Theatro nesta abertura de temporada, o público carioca poderá conhecer o Wotan do baixo-barítono Lício Bruno, o único cantor brasileiro a já ter interpretado este importantíssimo personagem do ciclo do Anel do Nibelungo, tanto nas óperas em separado, como no ciclo completo. Já o anunciado Zvetan Michailov, um tenor búlgaro segundo pesquisa na internet, é uma verdadeira incógnita, assim como Eiko Senda, soprano sempre muito instável.
Pontos negativos
Exceto por este agora do final de março, dentro da Série Música e Imagem, não há concertos da Sinfônica do Municipal agendados para o ano. Será que é tão caro assim produzir concertos sinfônicos da OSTM? O conjunto não pode apresentar um concerto no mesmo mês de uma ópera ou balé? Por que isso parece tão difícil?
Já o Coro do Theatro segue mal aproveitado. Cantará em Aida, uma ópera-coral, muito bem, mas A Valquíria não tem coro, e Billy Budd exige apenas o coro masculino. O que mais o Coro vai fazer ao longo do ano? Pelo divulgado até agora… nada!
A divulgação parcial e a eterna questão das óperas
Uma análise atenta das temporadas do Municipal carioca do começo dos anos 2000 até 2012 leva à conclusão de que a grande maioria de cancelamentos em sua programação dá-se no segundo semestre, provavelmente por cortes orçamentários de governos que não veem a cultura como prioridade (que novidade!). Ora, que solução mais adequada, do ponto de vista dos administradores do Theatro, do que detalhar apenas a programação do primeiro semestre, aquela que quase nunca é modificada?
Fica, porém, a desconfiança. Com apenas um balé programado para o primeiro semestre (O Lago dos Cisnes), já que a presente Gala não foi dançada pela companhia do Theatro, tudo leva a crer que o segundo semestre será recheado de balés, com a provável Sagração da Primavera, em agosto, e, salvo engano, o indefectível Quebra-Nozes, em dezembro, além de algum outro que ocasionalmente possa aparecer, já que o Municipal deixou vagos os meses de setembro e outubro.
Enquanto isso, a ópera mais uma vez corre o sério risco de ser relegada a segundo plano no todo da programação, apesar do seu destaque nesta primeira parte da temporada. No coquetel oferecido a convidados depois da apresentação desta sexta-feira, perguntando aqui e ali, ouvi que o Theatro ainda tenta encaixar uma quarta ópera em sua agenda, provavelmente em um daqueles meses vagos ali de cima, mas é melhor não criar expectativas, pois a chance de decepção é grande. Nem Billy Budd, a meu ver, está totalmente confirmado. Gostaria muito que estivesse, mas não estou seguro disso.
A impressão final que o Municipal deixa, ao anunciar detalhadamente apenas uma programação parcial, é que não tem certeza sobre o que poderá fazer a partir de agosto, e isso só vem corroborar uma tese que tenho aqui comigo há um bom tempo: não há apoio consistente por parte do governo do Estado do Rio de Janeiro para que o Municipal tenha temporadas minimamente decentes em termos quantitativos. Se houvesse esse real apoio por parte do governo estadual, com orçamento bem definido e sem correr o risco de ser cortado ao longo do ano, creio que a temporada seria divulgada completa.
Leonardo Marques
Fonte: http://www.movimento.com/
Na última sexta-feira, 1° de março, com greve de ônibus, engarrafamentos pela cidade ao longo do dia e até queda de luz antes do início da apresentação (segundo o locutor da casa, sob total responsabilidade da Light – essa velha inimiga da população), um público que passou por cima dos problemas da cidade lotou as dependências do Theatro Municipal do Rio de Janeiro para apreciar a Gala Royal Opera House, espetáculo que abriu a Temporada 2013 da instituição carioca, bem como marcou oficialmente o início da parceria entre o Municipal e o teatro de ópera londrino, reunindo primeiros bailarinos do Royal Ballet, jovens cantores do programa Jette Parker e a Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal.
A noite não começou bem, com a OSTM, sob a regência do inglês Dominic Grier, pisando literalmente em ovos ao interpretar a abertura da ópera Os Mestres Cantores de Nuremberg. Desentrosamento, sonoridade pouco ou nada definida, dinâmica imprecisa. Cá entre nós, convenhamos, a falta de hábito é algo terrível. Esta orquestra não toca uma ópera de Wagner há exatos 10 anos, o que é absolutamente impensável, irresponsável, inconcebível. Junte isso à falta de habilidade de Grier para contornar ou pelo menos minimizar os problemas, e tivemos uma performance fria, que merecidamente recebeu poucos aplausos. Serve de alerta para o maestro Malheiro, que precisará caprichar na preparação da Valquíria.
Já na peça seguinte, curiosamente também de Wagner, Im Treibhaus (Na Estufa), do ciclo Wesendonck Lieder, a noite começou para valer. A Sinfônica do Municipal já estava mais aquecida para enfrentar o mestre alemão, ainda que a orquestração não tenha saído da pena do compositor. Aqui, a orquestra já estava bem mais segura que na abertura da noite, e acompanhou a ótima mezzosoprano lituana Justina Gringyte. A solista demonstrou uma técnica apurada, precisa, um lindo timbre, ótima projeção e grande expressividade.
Dois números de balé deram sequência à noite. Sempre que, eventualmente, escrevo sobre dança, deixo claro que não tenho nenhum conhecimento técnico sobre balé, sendo meus comentários apenas a expressão da impressão causada pelas coreografias e pelas performances dos bailarinos aos olhos de um apreciador comum desta arte.
Primeiramente, Leanne Benjamin e Edward Watson executaram o pas de deux do balé Qualia, com coreografia de Wayne McGregor, sobre música eletroacústica de Scanner (nome pelo qual é conhecido o compositor inglês Robin Rimbaud). Em seguida, Marianela Nuñez e seu marido, o brasileiro Thiago Soares, dançaram o pas de deux do terceiro ato de O Lago dos Cisnes (aquele do Cisne Negro), na coreografia original de Petipa e Ivanov. A belíssima performance arrebatou o público, acompanhada com competência pela orquestra, com lindo solo do Spalla Ricardo Amado.
Encerrando a primeira parte do programa, Justina Gringyte voltou ao palco para nos oferecer, de Sansão e Dalila, de Camille Saint-Saëns, a ária Mon coeur s’ouvre a ta voix. Mais uma vez, a artista demonstrou grande talento, ainda que tenha lhe faltado um maior domínio da personagem, coisa que só se adquire com o tempo e a experiência, e fato que não prejudicou seu ótimo rendimento musical. A orquestra acompanhou à altura. Em seguida, a soprano bósnia Dušica Bijelić e o tenor argentino Pablo Bemsch, executaram de forma bem menos satisfatória o dueto Il padrone fra poco sarà desto, da ópera L’Amico Fritz, de Pietro Mascagni.
Depois do intervalo, a OSTM reiniciou os trabalhos com a abertura da ópera A Força do Destino, de Verdi, numa performance correta, bem superior àquela que abriu a noite. E logo depois ouvimos novamente a mezzo lituana cantar do fosso o Pie Jesu, do Requiem de Fauré, para a performance de Leanne Benjamin (coreografia de Kenneth MacMillan). Para o meu gosto, bom solo da bailarina, mas o que marcou mesmo foi a belíssima e expressiva interpretação da mezzo, sempre bem acompanhada pela orquestra. Está aí um nome para se anotar: Justina Gringyte tem sem dúvida um grande futuro. Fiquemos de olhos e ouvidos atentos.
Na sequência, o tenor Pablo Bemsch teve a sua chance ao interpretar Una furtiva lagrima, de O Elixir do Amor, de Donizetti. O argentino enfrentou a partitura do gênio de Bérgamo com correção, mas sem refinamento. Ele tem, sem dúvida, uma voz com predicados, mas que ainda carece de aprimoramento. O mesmo não digo da soprano Dušica Bijelić, que, ao solar Meine Lippen sie küssen so heiss, da Giuditta, de Lehár, foi melhor dançarina que cantora: timbre nada agradável, projeção bastante insatisfatória nas regiões média e grave, e agudos gritados.
Antes da performance quase constrangedora da soprano, tivemos uma das peças mais encantadoras da noite, o pas de deux da segunda parte do balé After the Rain, do coreógrafo Christopher Wheeldon. Executada maravilhosamente pelo casal Marianela Nuñez e Thiago Soares, a peça também chamou a atenção pela música do compositor estoniano Arvo Pärt, Spiegel im Spiegel – um duo para violino e piano, tocado do fundo do palco pelo Spalla Ricardo Amado e pelo pianista Robert Clark. A peça de Pärt caracteriza-se pela simetria e pela repetição hipnótica, tão comum em sua obra, e recebeu dos dois músicos interpretação sensível, envolvente e precisa. Um grande momento, até pela raridade de se ouvir Pärt por estas paragens.
Mais dois pas de deux encerraram definitivamente o programa. Primeiro, aquele da segunda cena do primeiro ato de Manon, em coreografia de Kenneth MacMillan sobre música de Massenet (orquestração de Martin Yates), dançado lindamente por Sarah Lamb e Edward Watson. E por fim, aquele do terceiro ato de A Bela Adormecida, com música de Tchaikovsky e coreografia original de Petipa, que recebeu interpretação delicada, encantadora e ricamente expressiva da brasileira Roberta Marquez e de Steven McRae. Em ambas as peças, a OSTM esteve correta e bem sonora.
Como bem definiu um amigo, numa conversa durante o coquetel logo depois da apresentação, o espetáculo foi irregular, mas, acrescento eu, os momentos positivos se impuseram, e a noite foi satisfatória, em especial pelo alto nível de todos os bailarinos, pela voz cativante da mezzosoprano e por uma OSTM que, exceto pela abertura wagneriana, esteve bem.
Análise da Temporada 2013
Pontos positivos
Há aspectos positivos e negativos na temporada parcialmente divulgada pelo Municipal do Rio. De positivo, obviamente, temos a celebração de importantes efemérides: o bicentenário de nascimento de dois dos maiores gênios da história da música, Wagner e Verdi, e o centenário de nascimento de um gênio do século XX, Benjamin Britten.
O mestre alemão será lembrado através da bela produção paulistana de A Valquíria; enquanto do italiano ouviremos Aida, outra das grandes obras-primas do repertório internacional (um Verdi mais robusto, mais encorpado, como eu vinha sugerindo aqui há algum tempo). Já o compositor inglês deve ser lembrado através de Billy Budd, uma interessantíssima ópera de 1951.
Bastante positiva também é a parceria recém-iniciada com a Royal Opera House, uma das instituições mais respeitadas do mundo, embora somente no futuro poderemos analisar melhor os resultados desta parceria, ou seja, se ela terá sido realmente frutífera. Outra ideia merecedora de elogios é a celebração de mais uma efeméride: o centenário da estreia de A Sagração da Primavera, que deve ser lembrado em agosto pelo Ballet do Theatro.
É também importante registrar o acerto dos títulos escolhidos para a temporada lírica, pois Aida, A Valquíria e Billy Budd formam uma série lírica variada e de grande interesse, ainda que pequena demais na quantidade de títulos, como sempre. E uma verdadeira surpresa foi o anúncio de algumas das intenções do Municipal para 2014: Wozzeck, de Alban Berg, e Capriccio, de Richard Strauss, são dois títulos bem escolhidos e já agendados para o próximo ano. Para os padrões do Municipal do Rio, anunciar tais intenções com esta antecedência é quase uma revolução! Como se pode perceber, prefiro dizer “intenções” porque (sabem como é o Municipal, não é?), entre a intenção e a realidade, há uma baita distância. Portanto, nem gastarei tempo agora tratando desses títulos para 2014, visto que até lá muita coisa pode mudar, como comprova a história recente do teatro carioca.
Preocupações
Essa foi a parte boa, agora começam as preocupações. Por exemplo, Aida é uma ópera que exige grande aparato cênico, uma ambientação realmente convincente. Ficam as perguntas, que serão respondidas em menos de dois meses: sua produção pelo Municipal receberá cenários de verdade? Sua cenografia terá nível suficiente para ser guardada para futuras remontagens? Por outro lado, as vozes anunciadas dão a impressão de que formação um grande elenco. A conferir.
Já A Valquíria precisa de vozes altamente qualificadas. Teremos essas vozes? Parece que, pelo menos parcialmente, sim, pois o Municipal já divulgou alguns nomes, como os de Eliane Coelho (Brünnhilde) e Denise de Freitas (Fricka), e, segundo soube no Theatro nesta abertura de temporada, o público carioca poderá conhecer o Wotan do baixo-barítono Lício Bruno, o único cantor brasileiro a já ter interpretado este importantíssimo personagem do ciclo do Anel do Nibelungo, tanto nas óperas em separado, como no ciclo completo. Já o anunciado Zvetan Michailov, um tenor búlgaro segundo pesquisa na internet, é uma verdadeira incógnita, assim como Eiko Senda, soprano sempre muito instável.
Pontos negativos
Exceto por este agora do final de março, dentro da Série Música e Imagem, não há concertos da Sinfônica do Municipal agendados para o ano. Será que é tão caro assim produzir concertos sinfônicos da OSTM? O conjunto não pode apresentar um concerto no mesmo mês de uma ópera ou balé? Por que isso parece tão difícil?
Já o Coro do Theatro segue mal aproveitado. Cantará em Aida, uma ópera-coral, muito bem, mas A Valquíria não tem coro, e Billy Budd exige apenas o coro masculino. O que mais o Coro vai fazer ao longo do ano? Pelo divulgado até agora… nada!
A divulgação parcial e a eterna questão das óperas
Uma análise atenta das temporadas do Municipal carioca do começo dos anos 2000 até 2012 leva à conclusão de que a grande maioria de cancelamentos em sua programação dá-se no segundo semestre, provavelmente por cortes orçamentários de governos que não veem a cultura como prioridade (que novidade!). Ora, que solução mais adequada, do ponto de vista dos administradores do Theatro, do que detalhar apenas a programação do primeiro semestre, aquela que quase nunca é modificada?
Fica, porém, a desconfiança. Com apenas um balé programado para o primeiro semestre (O Lago dos Cisnes), já que a presente Gala não foi dançada pela companhia do Theatro, tudo leva a crer que o segundo semestre será recheado de balés, com a provável Sagração da Primavera, em agosto, e, salvo engano, o indefectível Quebra-Nozes, em dezembro, além de algum outro que ocasionalmente possa aparecer, já que o Municipal deixou vagos os meses de setembro e outubro.
Enquanto isso, a ópera mais uma vez corre o sério risco de ser relegada a segundo plano no todo da programação, apesar do seu destaque nesta primeira parte da temporada. No coquetel oferecido a convidados depois da apresentação desta sexta-feira, perguntando aqui e ali, ouvi que o Theatro ainda tenta encaixar uma quarta ópera em sua agenda, provavelmente em um daqueles meses vagos ali de cima, mas é melhor não criar expectativas, pois a chance de decepção é grande. Nem Billy Budd, a meu ver, está totalmente confirmado. Gostaria muito que estivesse, mas não estou seguro disso.
A impressão final que o Municipal deixa, ao anunciar detalhadamente apenas uma programação parcial, é que não tem certeza sobre o que poderá fazer a partir de agosto, e isso só vem corroborar uma tese que tenho aqui comigo há um bom tempo: não há apoio consistente por parte do governo do Estado do Rio de Janeiro para que o Municipal tenha temporadas minimamente decentes em termos quantitativos. Se houvesse esse real apoio por parte do governo estadual, com orçamento bem definido e sem correr o risco de ser cortado ao longo do ano, creio que a temporada seria divulgada completa.
Leonardo Marques
Fonte: http://www.movimento.com/
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