Homenagem aos 85 anos de Edino Krieger: Osvaldo Ferreira e a Sinfônica do Paraná . Crítica de André Egg no blog de Ópera e Ballet.
Edino Krieger é um dos mais importantes compositores brasileiros vivos. São pouquíssimos os que podem ser comparados à sua estatura no cenário musical nacional (penso apenas em Gilberto Mendes e Marlos Nobre, além do recém falecido Almeida Prado). Krieger completou 85 anos no último dia 17 de março (domingo passado), e recebeu merecida homenagem em concerto da Orquestra Sinfônica do Paraná (OSP). Merecida homenagem, mas nunca suficiente. Somos um país de poucas homenagens e de pouco respeito por nossa memória cultural, o que só aumenta a importância das atitudes mais singelas.
Edino Krieger, foto Internet
Edino Krieger pode ser considerado uma espécie de “irmão caçula” do Grupo Música Viva, fundado por Koellreutter em 1939, e que teve como principal mérito alçar ao panteão da História da Música Brasileira os nomes de Claudio Santoro e Guerra Peixe. Quando os dois principais compositores do grupo brigaram ruidosamente com o antigo professor de estética musical (digo isso de propósito, pois Koellreutter não ensinou composição a ambos, apenas os pôs a par de discussões mais atualizadas), a partir de 1948, Edino Krieger, então jovem iniciando na composição, tornou-se o principal compositor do grupo. Situação que durou pouco tempo, devido às suas viagens para estudos nos EUA (1948-49) e Europa (1950-55).
Não há muito risco em apontar Canticum Naturale (1972), obra executada hoje pela OSP, como a principal peça do catálogo de composições de Edino Krieger. Ou ao menos, pode ser considerada a obra mais notável do período mais fértil e mais ousado da produção do compositor (a década de 1970). É uma peça que demonstra a habilidade fantástica de ser muito brasileiro e estar absolutamente atualizado com as técnicas mais avançadas da produção musical de seu tempo, coisa que poucos brasileiros lograram conseguir (penso apenas em Villa-Lobos, Camargo Guarnieri, Mignone, Guerra Peixe e Claudio Santoro antes de Edino Krieger). Um pouco de Messiaen na ideia de partir de sons gravados de pássaros para construir uma obra inovadora. Um pouco de Ligeti e Penderecki no tratamento orquestral como massa sonora e usina de sons, clusters e outros efeitos inovadores.
Osvaldo Ferreira , foto Internet
O resultado é uma peça muito instigante, merecidamente já clássica no repertório, apesar desses clássicos de 40 anos de feitura continuarem sendo preteridos em relação a clássicos de mais de um século, como a Terceira de Brahms, que encerrou o programa depois da execução do Concertino para clarinete e orquestra (1957) de Francisco Mignone.
É curioso fazer esse exercício, mas lembro de poucas as vezes a OSP ter tocado obras com esse tipo de técnica composicional de vanguarda, e ela ter sido capaz de executar muito bem uma obra tão complexa diz muito sobre a maturidade musical e profissional do nosso conjunto sinfônico. Aliás, o concerto todo, além de ser um marco importante pela celebração do aniversário de Edino Krieger, também pode ser considerado um marco na história da OSP. Como um pai que acompanha os filhos crescendo e não sabe exatamente quando eles se tornaram adultos, acompanhar o desenvolvimento da orquestra do estado pode nos levar a este tipo de sensação.
Eu não saberia dizer quando foi que a OSP atingiu a maioridade artística. Ela certamente teve grandes momentos sob Bocchino e sob Colarusso, e tempos terríveis depois desses dois regentes. Não porque tivessem faltado regentes competentes para fazer algum trabalho. Faltava uma administração profissional à orquestra, o que é apenas parcialmente atribuição do regente. Da mesma forma como um técnico de time de futebol não pode ser considerado o único responsável por montar um grande time campeão, mas é o grande responsável por um sucesso futebolístico, podemos creditar aos dois anos de trabalho de Osvaldo Ferreira o fato de a OSP ter alcançado um patamar inusitado de profissionalismo e competência artística. Esse concerto demonstrou isso claramente.
Ainda falta uma programação que não subestime a qualidade da orquestra nem a importância do estado (lembremos que somos uma importância econômica e política fundamental no Brasil, um país em ascenção que se torna uma das principais economias do mundo – quando vamos pensar traduzir isso em uma posição cultural equivalente?). Foi mais ou menos o que eu disse para a matéria do Rafael Costa sobre a programação 2013 da OSP.
Orquestra Sinfônica do Paraná, foto Internet
Mas, se a programação anual ainda precisa avançar para reforçar a importância da nossa cidade e da nossa orquestra, o concerto de hoje foi uma prova do nível atingido. Primeiro a execução perfeita de uma difícil obra do repertório brasileiro de vanguarda do pós segunda guerra. Depois, a gostosa audição de uma obra singela de Francisco Mignone, um compositor de escrevia páginas da maior beleza com a mesma facilidade que a gente bebe água. Nesta peça, além da excelente execução obtida por Osvaldo Ferreira com seu time de músicos, o destaque para a execução de Marcelo Oliveira, que fez o clarinete solista com brilhantismo. Ele é hoje um dos grandes instrumentistas em atividade (muita atividade) em Curitiba, mas normalmente o público da OSP só via esse grande músico sentado na estante da madeiras. A oportunidade para o brilho das pratas da casa é sinal de maturidade musical do conjunto. Afinal, se não é necessário ser um grande solista para ser excelente músico de orquestra, é certo que ter grandes talentos nas estantes e não aproveitá-los é no mínimo burrice.
Sobre isso um pequeno parêntese: Kalinka Damiani foi a voz de soprano na peça de Edino Krieger. Não é exatamente uma voz solista – eu diria mais que a participação é de “soprano obligato”, mais ou menos como o piano nesta peça. Mas o papel foi executado com brilhantismo por Kalinka, lembrando à cidade que ela foi uma das principais cantoras a ter formação aqui em Curitiba, e que infelizmente é apenas mais um dos grandes talentos pouco aproveitados por nossa vida musical tão tímida. Quem sabe ainda não veremos Kalinka no mesmo palco fazendo os papéis de ópera para qual sua voz também é muito bem talhada? (Eu me lembro muito de vê-la como Rainha da noite em A flauta mágica, à época de sua formatura na EMBAP.)
E teve ainda o Brahms. Dependesse da minha opinião a OSP não tocaria essas sinfonias mais classiconas. É coisa deveras muito ligada aos divertimentos aristocráticos das terras germânicas nos tempos oitocentistas pra fazer sentido no Brasil do século XXI. Quando o compositor colocou as barras duplas no final de sua partitura em 1883 ela já não era uma obra inovadora. Estava mais para uma consolidação da forma clássica da sinfonia, já então abandonada pelos compositores mais avançados. Mesmo assim, se a peça é cansativa e de pouca utilidade para nossa vida cultural atual, serviu ao menos para mostrar que a Orquestra Sinfônica do Paraná, sob a batuta de Osvaldo Ferreira é um conjunto sinfônico notável. A execução foi muito convincente, e se nas obras de Mignone e Krieger o desempenho técnico da orquestra não era o principal aspecto a se observar, no Brahms esse pequeno orgulho de um curitibano se tornou talvez o único estímulo. Ver que nossa orquestra é das boas.
Então é isso, sigo esperando mais Mignone e mais Krieger, e menos Brahms. Gostaria de também de mais estréias, algum balé, alguma ópera. Talvez seja pedir muito para o Centro Cultural Teatro Guaíra, dirigido de maneira tão acanhada por Mônica Richbieter. Ou talvez a presença do governador Beto Richa no concerto, anunciada com tanto orgulho pelo maestro, possa significar que o governador esteja pensando em dar o devido valor à nossa orquestra, coisa que os anteriores ocupantes do cargo não fizeram. Se ao menos ele lembrar que a orquestra foi fundada quando seu pai era governador, e que foi fundada em condições de ser o que parece se tornar agora – uma orquestra importante no cenário brasileiro, ainda resta esperança.
P.S. acho que o principal estudo existente sobre Edino Krieger é o livro de Ermelinda Azevedo Paz, publicado em dois volumes pelo SESC. Como a maioria das produções deste nível, me parece que é obra já esgotada, mas ao menos a autora colocou os pdfs à disposição em sua ótima página: aqui o volume 1 e aqui o volume 2.
P.S.2 Edino Krieger esteve presente, recebeu flores e aplausos. Disse que a obra foi composta para o sesquicentenário da independência do Brasil, usando os cantos de pássaros da Amazônia por querer mostrar que a coisa mais importante para um país soberano é saber preservar suas florestas. Eu acho legal isso, mas pra mim a obra tocada mostrou muito mais: que um país que se preza é o que é capaz fazer o que Edino Krieger faz como compositor, intercalando as melhores práticas mundiais com uma identidade local bem calcada.
André Egg.
Fonte: http://andreegg.org/homenagem-aos-85-anos-de-edino-krieger-osvaldo-ferreira-e-a-sinfonica-do-parana/
Edino Krieger, foto Internet
Edino Krieger pode ser considerado uma espécie de “irmão caçula” do Grupo Música Viva, fundado por Koellreutter em 1939, e que teve como principal mérito alçar ao panteão da História da Música Brasileira os nomes de Claudio Santoro e Guerra Peixe. Quando os dois principais compositores do grupo brigaram ruidosamente com o antigo professor de estética musical (digo isso de propósito, pois Koellreutter não ensinou composição a ambos, apenas os pôs a par de discussões mais atualizadas), a partir de 1948, Edino Krieger, então jovem iniciando na composição, tornou-se o principal compositor do grupo. Situação que durou pouco tempo, devido às suas viagens para estudos nos EUA (1948-49) e Europa (1950-55).
Não há muito risco em apontar Canticum Naturale (1972), obra executada hoje pela OSP, como a principal peça do catálogo de composições de Edino Krieger. Ou ao menos, pode ser considerada a obra mais notável do período mais fértil e mais ousado da produção do compositor (a década de 1970). É uma peça que demonstra a habilidade fantástica de ser muito brasileiro e estar absolutamente atualizado com as técnicas mais avançadas da produção musical de seu tempo, coisa que poucos brasileiros lograram conseguir (penso apenas em Villa-Lobos, Camargo Guarnieri, Mignone, Guerra Peixe e Claudio Santoro antes de Edino Krieger). Um pouco de Messiaen na ideia de partir de sons gravados de pássaros para construir uma obra inovadora. Um pouco de Ligeti e Penderecki no tratamento orquestral como massa sonora e usina de sons, clusters e outros efeitos inovadores.
Osvaldo Ferreira , foto Internet
O resultado é uma peça muito instigante, merecidamente já clássica no repertório, apesar desses clássicos de 40 anos de feitura continuarem sendo preteridos em relação a clássicos de mais de um século, como a Terceira de Brahms, que encerrou o programa depois da execução do Concertino para clarinete e orquestra (1957) de Francisco Mignone.
É curioso fazer esse exercício, mas lembro de poucas as vezes a OSP ter tocado obras com esse tipo de técnica composicional de vanguarda, e ela ter sido capaz de executar muito bem uma obra tão complexa diz muito sobre a maturidade musical e profissional do nosso conjunto sinfônico. Aliás, o concerto todo, além de ser um marco importante pela celebração do aniversário de Edino Krieger, também pode ser considerado um marco na história da OSP. Como um pai que acompanha os filhos crescendo e não sabe exatamente quando eles se tornaram adultos, acompanhar o desenvolvimento da orquestra do estado pode nos levar a este tipo de sensação.
Eu não saberia dizer quando foi que a OSP atingiu a maioridade artística. Ela certamente teve grandes momentos sob Bocchino e sob Colarusso, e tempos terríveis depois desses dois regentes. Não porque tivessem faltado regentes competentes para fazer algum trabalho. Faltava uma administração profissional à orquestra, o que é apenas parcialmente atribuição do regente. Da mesma forma como um técnico de time de futebol não pode ser considerado o único responsável por montar um grande time campeão, mas é o grande responsável por um sucesso futebolístico, podemos creditar aos dois anos de trabalho de Osvaldo Ferreira o fato de a OSP ter alcançado um patamar inusitado de profissionalismo e competência artística. Esse concerto demonstrou isso claramente.
Ainda falta uma programação que não subestime a qualidade da orquestra nem a importância do estado (lembremos que somos uma importância econômica e política fundamental no Brasil, um país em ascenção que se torna uma das principais economias do mundo – quando vamos pensar traduzir isso em uma posição cultural equivalente?). Foi mais ou menos o que eu disse para a matéria do Rafael Costa sobre a programação 2013 da OSP.
Orquestra Sinfônica do Paraná, foto Internet
Mas, se a programação anual ainda precisa avançar para reforçar a importância da nossa cidade e da nossa orquestra, o concerto de hoje foi uma prova do nível atingido. Primeiro a execução perfeita de uma difícil obra do repertório brasileiro de vanguarda do pós segunda guerra. Depois, a gostosa audição de uma obra singela de Francisco Mignone, um compositor de escrevia páginas da maior beleza com a mesma facilidade que a gente bebe água. Nesta peça, além da excelente execução obtida por Osvaldo Ferreira com seu time de músicos, o destaque para a execução de Marcelo Oliveira, que fez o clarinete solista com brilhantismo. Ele é hoje um dos grandes instrumentistas em atividade (muita atividade) em Curitiba, mas normalmente o público da OSP só via esse grande músico sentado na estante da madeiras. A oportunidade para o brilho das pratas da casa é sinal de maturidade musical do conjunto. Afinal, se não é necessário ser um grande solista para ser excelente músico de orquestra, é certo que ter grandes talentos nas estantes e não aproveitá-los é no mínimo burrice.
Sobre isso um pequeno parêntese: Kalinka Damiani foi a voz de soprano na peça de Edino Krieger. Não é exatamente uma voz solista – eu diria mais que a participação é de “soprano obligato”, mais ou menos como o piano nesta peça. Mas o papel foi executado com brilhantismo por Kalinka, lembrando à cidade que ela foi uma das principais cantoras a ter formação aqui em Curitiba, e que infelizmente é apenas mais um dos grandes talentos pouco aproveitados por nossa vida musical tão tímida. Quem sabe ainda não veremos Kalinka no mesmo palco fazendo os papéis de ópera para qual sua voz também é muito bem talhada? (Eu me lembro muito de vê-la como Rainha da noite em A flauta mágica, à época de sua formatura na EMBAP.)
E teve ainda o Brahms. Dependesse da minha opinião a OSP não tocaria essas sinfonias mais classiconas. É coisa deveras muito ligada aos divertimentos aristocráticos das terras germânicas nos tempos oitocentistas pra fazer sentido no Brasil do século XXI. Quando o compositor colocou as barras duplas no final de sua partitura em 1883 ela já não era uma obra inovadora. Estava mais para uma consolidação da forma clássica da sinfonia, já então abandonada pelos compositores mais avançados. Mesmo assim, se a peça é cansativa e de pouca utilidade para nossa vida cultural atual, serviu ao menos para mostrar que a Orquestra Sinfônica do Paraná, sob a batuta de Osvaldo Ferreira é um conjunto sinfônico notável. A execução foi muito convincente, e se nas obras de Mignone e Krieger o desempenho técnico da orquestra não era o principal aspecto a se observar, no Brahms esse pequeno orgulho de um curitibano se tornou talvez o único estímulo. Ver que nossa orquestra é das boas.
Então é isso, sigo esperando mais Mignone e mais Krieger, e menos Brahms. Gostaria de também de mais estréias, algum balé, alguma ópera. Talvez seja pedir muito para o Centro Cultural Teatro Guaíra, dirigido de maneira tão acanhada por Mônica Richbieter. Ou talvez a presença do governador Beto Richa no concerto, anunciada com tanto orgulho pelo maestro, possa significar que o governador esteja pensando em dar o devido valor à nossa orquestra, coisa que os anteriores ocupantes do cargo não fizeram. Se ao menos ele lembrar que a orquestra foi fundada quando seu pai era governador, e que foi fundada em condições de ser o que parece se tornar agora – uma orquestra importante no cenário brasileiro, ainda resta esperança.
P.S. acho que o principal estudo existente sobre Edino Krieger é o livro de Ermelinda Azevedo Paz, publicado em dois volumes pelo SESC. Como a maioria das produções deste nível, me parece que é obra já esgotada, mas ao menos a autora colocou os pdfs à disposição em sua ótima página: aqui o volume 1 e aqui o volume 2.
P.S.2 Edino Krieger esteve presente, recebeu flores e aplausos. Disse que a obra foi composta para o sesquicentenário da independência do Brasil, usando os cantos de pássaros da Amazônia por querer mostrar que a coisa mais importante para um país soberano é saber preservar suas florestas. Eu acho legal isso, mas pra mim a obra tocada mostrou muito mais: que um país que se preza é o que é capaz fazer o que Edino Krieger faz como compositor, intercalando as melhores práticas mundiais com uma identidade local bem calcada.
André Egg.
Fonte: http://andreegg.org/homenagem-aos-85-anos-de-edino-krieger-osvaldo-ferreira-e-a-sinfonica-do-parana/
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