PARSIFAL, O EVANGELHO SEGUNDO WAGNER. ARTIGO DE HENRIQUE MARQUES PORTO NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.
por Henrique Marques
Porto
Parsifal é uma espécie de Evangelho Segundo Wagner. Reduzido, vá lá. A vinda do "inocente tolo" é uma profecia. Jesus, o Redentor, também era. O Nazareno foi concebido "sem pecado". Parsifal não conheceu seus pais. Herzeleide, mulher pura e sua mãe, morreu de tristeza. Seria a Virgem Maria de Wagner. O sofrido João Batista ficou sem a cabeça por anunciar a próxima chegada do filho de Deus. O agonizante Anfortas –enfim salvo pelo milagre da lança e por Parsifal- seria seu similar. O batismo por água corrente ou "consagrada", aliás, está presente no Parsifal. Kundry é também uma personificação de Herodiade, aquela que riu da cabeça decapitada de João Batista. Por isso está amaldiçoada. Seria Klingsor a versão wagneriana para Herodes? O da matança dos inocentes, as crianças, por natureza "tolas".
Por
outro lado, Jesus também pode ser visto como um "inocente puro" ou "tolo puro".
Apenas tinha domínio da palavra, era bom orador. Fazia milagres. Parsifal
também faz. Com um gesto simples, semelhante aos do Cristo, neutraliza o poder
da lança "sagrada" e a toma de Klingsor, como quem pega um doce da mão de
uma criança.
Mas,
no fundo, o Parsifal não trata de religião, misticismo ou
sobrenaturalidade. Trata de cultura e da formação cultural da Alemanha e do
mundo ocidental. A cultura alemã e sua formação eram obsessões de Wagner e estão
também no centro dessa ópera.
No
Parsifal saem de cena os deuses “pagãos” dos povos antigos, presentes na
Tetralogia -a obra anterior de Wagner- e entra o Deus da cultura
judaico-cristã. Aí é que também entra Friedrich Nietzsche.
Wagner
enviou a recém composta partitura do Parsifal para seu amigo Nietzsche.
Este fez anotações e respondeu a Wagner:
"Como
pode esse pobre coitado, esse idiota, esse pobre idiota ocupar a grandeza de um
Wagner?"
Parsifal
seria a razão para o rompimento entre os dois. A decepção de Nietzsche foi
certamente com a revelação de um Wagner "cristão". Mas foi sobretudo por ser
ele, Nietzsche, um pensador que cultivava e se inspirava na cultura grega. Pois
então, já deveria ter se decepcionado antes, pois não há nada de cultura grega
nas óperas de Wagner. E afinal, o mundo ocidental é
greco-romano-judáico-cristão. Hoje com pitadas orientais, uma cultura que não
teve "idade média" nem conheceu o "renascimento". Vem de longe, se desenvolvendo
de forma linear, e hoje se ocidentaliza.
Depois
do Parsifal, o projeto de Wagner era escrever uma ópera sobre o Buda!
Ele abandonou o projeto -"felizmente", para alguns; infelizmente para quem gosta
de Wagner. Nietzsche, já rompido com o compositor, teria sofrido uma síncope
filosófica.
Musicalmente
todo o Parsifal se sustenta na
abertura –uma composição que vale a ópera. É uma peça que tem vida própria e faz
parte do repertório dos concertos sinfônicos. Ao longo da ópera, quando cai a
qualidade da música ou as cenas ficam meio frouxas lá vem o tema da abertura
para levantar o espetáculo, musical e cenicamente. Mas ele não aparece como tema
condutor, tecendo a teia musical como se ouve sobretudo na Tetralogia. Wagner volta a utilizar o leitmotiv no Parsifal, mas não com a
inteligência, a habilidade e a riqueza harmônica do Anel do Nibelungo.
Algumas
partes do Parsifal têm, de fato,
música bem inferior às obras anteriores. Tristão, Lohengrin e Tannhäuser, além das quatro óperas da já
citada Tetralogia, têm música de
muito maior qualidade. Um exemplo de música bem fraquinha é o coro feminino do
segundo ato, no castelo de Klingsor.
E é sempre a densidade mística do tema central da abertura que vem socorrer
essas fragilidades da partitura. Aliás, é notável a semelhança desse tema com o
clima do Tristão e
Isolda.
Eu
me atrevo, inclusive, a sugerir que, por exemplo, a abertura de Rienzi é superior à abertura do Parsifal. Não me refiro à beleza do tema
central, também existente em Rienzi,
e o que ele sugere aos sentimentos. Refiro-me à riqueza da construção melódica e
à variedade rítmica e harmônica. A abertura de Rienzi é obra muito mais bem
acabada.
Em
Parsifal não temos propriamente uma
“abertura”, como ouvimos em Lohengrin, no Tannhäuser, nos Mestres Cantores ou no Der fliegende Hollander, mas uma
introdução. Longuíssima introdução. Mesmo em Wagner, as “aberturas” são uma
prévia da ópera, oportunidade para o compositor apresentar ao público uma prévia
do que vai se desenrolar no palco, com a apresentação dos climas e diversos
temas. No Der fliegende Hollander,
por exemplo, podemos ouvir na abertura os temas da ária de entrada do holandês
errante, da “Balada de Senta”
etc.
O
tema central da introdução do Parsifal
não tem essas características e carece de conclusão. O tema musical não se
resolve. E são quase quinze minutos de música com variações sobre o mesmo tema,
apresentado logo de início pelos violinos. Esse tema, no fim da introdução,
volta aos violinos e às flautas e se dissolve, sem concluir, passando-se
diretamente à primeira cena, onde ele logo reaparecerá, nos metais e nas
cordas.
É
essa longa introdução que fornece toda a substância do Parsifal, obra construída sobre uma
única coluna ou pilar. Fora dessa coluna –a introdução- todo o edifício musical
oscila e Wagner volta a ela e a seu inspirado tema central, fonte que alimenta e
realimenta toda a partitura. Mas não como motivo condutor, e sim como tema
recorrente. É ele que dá expressividade e beleza a algumas passagens e
intervenções dos solistas, principalmente para Gurnnemanz, Anfortas e o protagonista Parsifal. Essa grande introdução-tema, fio condutor de
toda a ópera, só se resolve no final, pelas cordas e sopros, com acentuações
marcantes dos metais, em tom maior –uma espécie de assinatura musical de
Wagner.
A
música do Parsifal é mística. Mas, de
modo algum, é religiosa. “Mística”, aliás, toda grande música é. Ouça-se o
segundo movimento da Sinfonia n. 1 de Brahms ou o terceiro movimento da Nona de Beethoven e estaremos diante de
um insondável misticismo. Muito diferente é a música composta com finalidade
explicitamente religiosa, independentemente de haver ou não texto, como nas
missas. Bom exemplo é a obra para órgão de Bach, composta nos órgãos das
igrejas, para ser tocada nas igrejas, portanto música de inspiração claramente
religiosa. Mas são principalmente exercícios e estudos geniais da fuga, do
contraponto e de praticamente todos os fundamentos da composição.
Wagner
não tinha temperamento para missas. Se tivesse teria tentado compor uma. Basta
comparar a música do Parsifal com as
peças sacras, principalmente as missas do período romântico, e se notará as
diferenças, não apenas nas idéias e intenções, mas também na construção dos
temas e na sua apresentação. Parsifal
é uma ópera. É teatro. O Evangelho Segundo Wagner é, enfim, música profana.
A
propósito, não custa lembrar que Wagner também compôs música sinfônica e de
câmera. Pouca coisa. Nada sobreviveu.
Lembrei
do sempre saudoso Aloisio Teixeira e suas “heresias”, e com antecipadas
desculpas achei que poderia cometer algumas também. Se é que são.
"Parsifal não conheceu seus pais (plural) (sic)" !!! A cena central da ópera, a tentativa de sedução de Parsifal por Kundry está baseada justamente na narrativa desta sobre o convívio EXACERBADO (ou seja, a atitude se "supermãe" de Herzeleide) do Herói da ópera com sua mãe, tentando assim desestabilizar Parsifal...vc tem algunma ideia do libreto? Parece que não, pelo seu comentário desavisado...
ResponderExcluir"Algumas partes do Parsifal têm, de fato, música bem inferior às obras anteriores. Tristão, Lohengrin e Tannhäuser, além das quatro óperas da já citada Tetralogia, têm música de muito maior qualidade. Um exemplo de música bem fraquinha é o coro feminino do segundo ato, no castelo de Klingsor..." Engraçado, vc não comentou NADA sobre o uso do Acorde Místico em suas centenas de aparições, o uso da micro e macro forma, o desenvolvimento motívico da obra, levando aqui a "SUbllime arte da transição" ao seu auge... de achismos na linha do Carpeaux já estamos cheios!
SE vc souber ler Alemão (e música), leia "Das Geheimnis der Form", Alfred Lorenz, Schneider Tutzing 1922 e tente um texto menos inconsistente da próxima vez...
Parsifal é simplesmente a ópera máxima, minha ópera favorita na minha opinião ela representa o máximo da ópera. Realmente não posso dar uma opinião isenta, pois nesse caso o amor conta mais.
ResponderExcluirHenrique Marques, muito legal a sua visão do Parsifal, mas todo esse significado místico, explicado por você, que é o ponto central de significado que Wagner propôs quando concewdeu a obra. O significado que você colocou como o principal Wagner nem pensou nele, é uma interpretação apenas atual, também possível de ser feita, mas Wagner fez Parsifal para ser entendido como o evangelho, como os autores da Bíblia o fizeram também, para as pessoas perceberem seu significado profundo. Kundry é como se fosse a Maria Madalena wagneriana.
ResponderExcluirTem mais:"Musicalmente todo o Parsifal se sustenta na abertura –uma composição que vale a ópera. É uma peça que tem vida própria e faz parte do repertório dos concertos sinfônicos. Ao longo da ópera, quando cai a qualidade da música ou as cenas ficam meio frouxas lá vem o tema da abertura para levantar o espetáculo, musical e cenicamente." Será que o autor do texto poderia, consistente e sistematicamente expor quais seriam estes momentos fracos? Qual a relação que há(veria) entre o tema da "abertura" e o já citado acorde místico? Ou do momento em que, com uma progressão baseada neste mesmo acorde, o assim chamado "Tema da Magia" (Gurnemanz: "...desde muito a conheço, mas Titurel a conhece ainda a mais tempo..."), ou a estrutura em Arco da narrativa de Gurnemanz sobre a perda da Lança por Amfortas, a forma similar a um rondó que descreve a 1a aparição de Parsifal, ou como o tema do Tolo Puro é formado pela fusão gradativa de duas ideias musicais a partir da fala do 2o Cavaleiro ("tu imaginas assim, tu que de outro modo tudo sabes?" até a frase de Gurnemanz "...somente uma coisa pode nos ajudar, somente um homem...[tradução livre]."?...chega de achismos, não é mesmo? Será que o autor pode discutir e/ou rebater estes argumentos?
ResponderExcluirA pior de todas: "...Wagner volta a utilizar o Leitmotiv no Parsifal, mas não com a inteligência, a habilidade e a riqueza harmônica do Anel do Nibelungo." Vc poderia demonstrar, comparativamente, como o procedimento """sinfônico""" do Anel é superior ao do Parsifal, por favor?...
ResponderExcluirSó acredito que o aspecto místico (ou religioso) está bastante implicito na sua última obra assim como sabemos que ele neste tempo tornou-se cristão! Mas a percepção disto é, podemos dizer, até fragante - sem necessidade de comparação à música sacra tradicional.
ResponderExcluirSó direi o seguinte, li neste texto um monte de asneiras sobre a música dp Parsifal, uma drama maravilhoso, que Debussy, que não era wagneriano, considerou um dos maiores pilares musicais de todos os tempos.
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