NÚMEROS MUSICAIS DE O RAPTO DO SERRALHO ENCANTAM O MUNICIPAL. CRÍTICA DE LEONARDO MARQUES NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.
Elenco equilibrado é o grande destaque da noite.
Nesta quinta-feira, 16 de maio, a Orquestra Sinfônica Brasileira Ópera & Repertório abriu a sua Série Ágata apresentando os números musicais de Die Entführung aus dem Serail (O Rapto do Serralho), Singspiel (gênero teatral alemão que mescla peças musicais com diálogos falados) em três atos de Wolfgang Amadeus Mozart, sobre libreto de Johann Gottlieb Stephanie, com base em outro libreto de Christoph Friedrich Bretzner.
É importante mencionar que praticamente todos os diálogos falados foram suprimidos, substituídos por brevíssimos resumos projetados na tabuleta das legendas. Em casos assim, seria mais honesto acrescentar uma observação nos anúncios de divulgação, esclarecendo que não se trata da ópera em concerto, mas, sim, da apresentação dos números musicais da obra. Tais números musicais tiveram sua ordem original alterada no segundo ato (apresentado, sem intervalo, logo depois do primeiro), quando as árias de Blonde e Pedrillo foram adiantadas e se interpuseram entre as duas grandes árias de Konstanze, provavelmente para dar fôlego à soprano, tendo em vista a supressão dos diálogos.
A peça conta a história do resgate de Konstanze (por acaso o mesmo nome da então futura esposa de Mozart) e seus criados Blonde e Pedrillo por parte de Belmonte, amado da protagonista. Os três haviam sido capturados por piratas e vendidos como escravos ao Pachá Selim, que os mantém cativos em seu serralho (daí o título) – uma espécie de palácio turco, onde normalmente senhores importantes mantinham um harém. Tal serralho é severamente vigiado pelo fiel Osmin, sem dúvida o personagem mais bem trabalhado da obra sob o aspecto psicológico. A ópera começa com a chegada de Belmonte ao serralho para tentar efetuar o resgate.
A obra, estreada em Viena em julho de 1782, é considerada a primeira grande ópera cômica em estilo alemão, e antecede as três principais obras-primas cômicas do gênio de Salzburg: As Bodas de Fígaro, Don Giovanni e Così fan tutte. Sob o aspecto musical, a obra possui grande valor, e o compositor alterna momentos de alegria e melancolia, bem como contrasta o canto mais sério de Belmonte e Konstanze àquele mais alegre e popular de Blonde e Pedrillo, sem esquecer a linha mais caricata e (por que não?) bufa de Osmin. Muito interessante também é o contraste entre diferentes culturas, retratado especialmente no dueto entre Osmin e Blonde.
Na noite desta quinta-feira, a OSB O&R ofereceu uma sensível interpretação da partitura de Mozart, sob a regência correta do argentino Alejo Perez, ainda que alguns deslizes tenham sido notados. Nada, no entanto, que prejudicasse uma noite musical de excelente nível. Além dos cinco solistas vocais, mais quatro cantores, não identificados pela produção no programa de sala, contribuíram nas duas passagens do coro de janízaros – no primeiro ato (Singt dem grossen Bassa Lieder) e na cena derradeira (Bassa Selim lebe Lange).
O tenor Ivan Jorgensen (Pedrillo) esteve um degrau abaixo dos demais solistas. Se cantou muito bem sua ária do segundo ato, Frisch zum Kampfe, Frisch zum Streite!, o mesmo não se pode dizer do dueto com Osmin no mesmo ato, Vivat Bacchus! Bacchus lebe!, onde lhe faltaram leveza e agilidade mais apurada. O solista, se não brilhou, pelo menos não comprometeu nos demais números de conjunto.
Já o tenor argentino Ivan Maier deu muito boa conta da parte de Belmonte, cantando com excelente técnica e exibindo um belo timbre, bastante apropriado ao estilo mozartiano. Todas as suas árias receberam interpretação destacada, especialmente as duas primeiras, Hier soll ich dich denn sehen e Konstanze, dich wiederzusehen, dich!
A soprano Lina Mendes foi uma excelente Blonde, cantando com graça, leveza, boa presença e, especialmente, técnica refinada. Suas duas árias, Durch Zärtlichkeit und Schmeicheln e a exultante Leb wohl, guter Pedrillo!, foram lindamente interpretadas, deixando no ouvido uma vontade de “quero mais”. Lina Mendes é uma das melhores cantoras da nova geração nacional, e merece especial atenção.
A soprano neozelandesa Ana James não ficou atrás e foi uma Konstanze ao mesmo tempo doce e sofrida. Conquistou o público com interpretações notáveis de todos os seus três solos: Ach ich liebte, war so glücklich, com belas passagens de coloratura; e ainda as sentidas Traurigkeit ward mir zum Lose e Martern aller Arten. A solista demonstrou técnica apurada, excelente afinação e uma ótima projeção.
O baixo norte-americano Gregory Reinhart, que nos últimos dois anos teve participação destacada nas produções de A Valquíria e O Crepúsculo dos Deuses no Theatro Municipal de São Paulo, deu vida ao rabugento Osmin. O público carioca pôde, enfim, conferir o vozeirão do excelente cantor, ainda que seu instrumento, a meu ver, seja mais adequado para obras mais pesadas. Mesmo assim, o artista se saiu muito bem em suas principais passagens, como as árias Solche hergelaufne Laffen e a triunfante O, wie Will ich triumphieren. De forte presença, bastava o baixo se preparar para começar a cantar que o público já se empolgava.
Com tão bons solistas, os números de conjunto tiveram grande destaque, e dentre eles me agradaram especialmente duas passagens do segundo ato: o quarteto, iniciado por Konstanze, Ach, Belmonte! Ach, mein Leben!, e o dueto de Osmin e Blonde, Ich gehe, doch rate ich dir. Foi uma bela noite de música no Municipal.
O próximo concerto da Série Ágata da OSB O&R está marcado para 4 de julho, quando serão interpretadas as óperas Jupyra, de Francisco Braga, e Moema, de Delgado de Carvalho, sob a regência de Sílvio Viegas. Antes, em 14 de junho, o conjunto apresenta o segundo concerto da Série Ônix, com as obras A Morte de Cleópatra, de Berlioz, e A Voz Humana, de Poulenc.
Ainda o patrocínio da FOSB
O jornal O Globo de 11 de maio informa que a 26ª Jornada Mundial da Juventude, que será realizada de 23 a 28 de julho no Rio de Janeiro, custará R$ 118 milhões, sendo R$ 62 milhões pagos pelo governo federal, R$ 28 milhões pelo governo do estado e mais R$ 28 milhões pela prefeitura do Rio. E o prefeito de frescura com os R$ 8 milhões da OSB! Pelo menos ele voltou atrás. Meno male.
Leonardo Marques
Fonte: http://www.movimento.com/
Nesta quinta-feira, 16 de maio, a Orquestra Sinfônica Brasileira Ópera & Repertório abriu a sua Série Ágata apresentando os números musicais de Die Entführung aus dem Serail (O Rapto do Serralho), Singspiel (gênero teatral alemão que mescla peças musicais com diálogos falados) em três atos de Wolfgang Amadeus Mozart, sobre libreto de Johann Gottlieb Stephanie, com base em outro libreto de Christoph Friedrich Bretzner.
É importante mencionar que praticamente todos os diálogos falados foram suprimidos, substituídos por brevíssimos resumos projetados na tabuleta das legendas. Em casos assim, seria mais honesto acrescentar uma observação nos anúncios de divulgação, esclarecendo que não se trata da ópera em concerto, mas, sim, da apresentação dos números musicais da obra. Tais números musicais tiveram sua ordem original alterada no segundo ato (apresentado, sem intervalo, logo depois do primeiro), quando as árias de Blonde e Pedrillo foram adiantadas e se interpuseram entre as duas grandes árias de Konstanze, provavelmente para dar fôlego à soprano, tendo em vista a supressão dos diálogos.
A peça conta a história do resgate de Konstanze (por acaso o mesmo nome da então futura esposa de Mozart) e seus criados Blonde e Pedrillo por parte de Belmonte, amado da protagonista. Os três haviam sido capturados por piratas e vendidos como escravos ao Pachá Selim, que os mantém cativos em seu serralho (daí o título) – uma espécie de palácio turco, onde normalmente senhores importantes mantinham um harém. Tal serralho é severamente vigiado pelo fiel Osmin, sem dúvida o personagem mais bem trabalhado da obra sob o aspecto psicológico. A ópera começa com a chegada de Belmonte ao serralho para tentar efetuar o resgate.
A obra, estreada em Viena em julho de 1782, é considerada a primeira grande ópera cômica em estilo alemão, e antecede as três principais obras-primas cômicas do gênio de Salzburg: As Bodas de Fígaro, Don Giovanni e Così fan tutte. Sob o aspecto musical, a obra possui grande valor, e o compositor alterna momentos de alegria e melancolia, bem como contrasta o canto mais sério de Belmonte e Konstanze àquele mais alegre e popular de Blonde e Pedrillo, sem esquecer a linha mais caricata e (por que não?) bufa de Osmin. Muito interessante também é o contraste entre diferentes culturas, retratado especialmente no dueto entre Osmin e Blonde.
Na noite desta quinta-feira, a OSB O&R ofereceu uma sensível interpretação da partitura de Mozart, sob a regência correta do argentino Alejo Perez, ainda que alguns deslizes tenham sido notados. Nada, no entanto, que prejudicasse uma noite musical de excelente nível. Além dos cinco solistas vocais, mais quatro cantores, não identificados pela produção no programa de sala, contribuíram nas duas passagens do coro de janízaros – no primeiro ato (Singt dem grossen Bassa Lieder) e na cena derradeira (Bassa Selim lebe Lange).
O tenor Ivan Jorgensen (Pedrillo) esteve um degrau abaixo dos demais solistas. Se cantou muito bem sua ária do segundo ato, Frisch zum Kampfe, Frisch zum Streite!, o mesmo não se pode dizer do dueto com Osmin no mesmo ato, Vivat Bacchus! Bacchus lebe!, onde lhe faltaram leveza e agilidade mais apurada. O solista, se não brilhou, pelo menos não comprometeu nos demais números de conjunto.
Já o tenor argentino Ivan Maier deu muito boa conta da parte de Belmonte, cantando com excelente técnica e exibindo um belo timbre, bastante apropriado ao estilo mozartiano. Todas as suas árias receberam interpretação destacada, especialmente as duas primeiras, Hier soll ich dich denn sehen e Konstanze, dich wiederzusehen, dich!
A soprano Lina Mendes foi uma excelente Blonde, cantando com graça, leveza, boa presença e, especialmente, técnica refinada. Suas duas árias, Durch Zärtlichkeit und Schmeicheln e a exultante Leb wohl, guter Pedrillo!, foram lindamente interpretadas, deixando no ouvido uma vontade de “quero mais”. Lina Mendes é uma das melhores cantoras da nova geração nacional, e merece especial atenção.
A soprano neozelandesa Ana James não ficou atrás e foi uma Konstanze ao mesmo tempo doce e sofrida. Conquistou o público com interpretações notáveis de todos os seus três solos: Ach ich liebte, war so glücklich, com belas passagens de coloratura; e ainda as sentidas Traurigkeit ward mir zum Lose e Martern aller Arten. A solista demonstrou técnica apurada, excelente afinação e uma ótima projeção.
O baixo norte-americano Gregory Reinhart, que nos últimos dois anos teve participação destacada nas produções de A Valquíria e O Crepúsculo dos Deuses no Theatro Municipal de São Paulo, deu vida ao rabugento Osmin. O público carioca pôde, enfim, conferir o vozeirão do excelente cantor, ainda que seu instrumento, a meu ver, seja mais adequado para obras mais pesadas. Mesmo assim, o artista se saiu muito bem em suas principais passagens, como as árias Solche hergelaufne Laffen e a triunfante O, wie Will ich triumphieren. De forte presença, bastava o baixo se preparar para começar a cantar que o público já se empolgava.
Com tão bons solistas, os números de conjunto tiveram grande destaque, e dentre eles me agradaram especialmente duas passagens do segundo ato: o quarteto, iniciado por Konstanze, Ach, Belmonte! Ach, mein Leben!, e o dueto de Osmin e Blonde, Ich gehe, doch rate ich dir. Foi uma bela noite de música no Municipal.
O próximo concerto da Série Ágata da OSB O&R está marcado para 4 de julho, quando serão interpretadas as óperas Jupyra, de Francisco Braga, e Moema, de Delgado de Carvalho, sob a regência de Sílvio Viegas. Antes, em 14 de junho, o conjunto apresenta o segundo concerto da Série Ônix, com as obras A Morte de Cleópatra, de Berlioz, e A Voz Humana, de Poulenc.
Ainda o patrocínio da FOSB
O jornal O Globo de 11 de maio informa que a 26ª Jornada Mundial da Juventude, que será realizada de 23 a 28 de julho no Rio de Janeiro, custará R$ 118 milhões, sendo R$ 62 milhões pagos pelo governo federal, R$ 28 milhões pelo governo do estado e mais R$ 28 milhões pela prefeitura do Rio. E o prefeito de frescura com os R$ 8 milhões da OSB! Pelo menos ele voltou atrás. Meno male.
Leonardo Marques
Fonte: http://www.movimento.com/
Critica media... poderia ser melhor!
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