A INTEGRAL DE BEETHOVEN EM SÃO PAULO, SIMPLESMENTE MAGNÍFICO! COM A “DIE DEUTSHE KAMMERPHILHARMONIE BREMEN” CRÍTICA DE MACELO LOPES PEREIRA NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.


  
   Nunca imaginei que o concerto do século fosse ocorrer em dois locais distintos, e isso realmente aconteceu! A primeira metade foi no Theatro Mvnicipal e a outra na Sala São Paulo, num concerto histórico dividido em quatro apresentações nas quais simplesmente tivemos a Integral com as Nove Sinfonias de Beethoven com uma orquestra de câmara com uma musicalidade e expressões artísticas criativas e únicas, sendo ao mesmo tempo ousada e sem dúvida nenhuma inovadora. Uma das principais qualidades dessa notável orquestra é a grande intimidade entre os  músicos, o spalla entra junto com todos, como mais um do grupo. Fiquei maravilhado com os sorrisos, e expressões que todos os músicos trocavam entre si. Era perceptível que todos ali tocavam superando a técnica e queriam expressar sentimentos, é daí que nasce a verdadeira expressão da arte e posso afirmar que muitos do público perceberam isso. O sorriso e satisfação de alguns músicos foi contagiante.
   Quando ouvi os primeiros acordes da Sinfonia nº 1, percebi que a minha experiência seria muito maior do que havia imaginado, soaram como um aviso do que estava por vir, uma admoestação de que naquele momento entraria numa jornada que ficaria para sempre na memória e no coração e tive a certeza que seria uma pessoa diferente no final dessa jornada.
   Os ecos de Mozart e Haydn ainda estavam recônditos nas duas primeiras sinfonias, porém Beethoven transcendeu e revolucionou logo na primeira sinfonia, as cordas simplesmente me encantaram com um som aveludado, transcendental, os sopros maravilharam meus ouvidos, eles foram incríveis, pois percebia todas as nuances sonoras de forma clara e precisa numa releitura genial do maestro Paavo Järvi. Pela primeira vez na vida escutar as três primeiras sinfonias de Beethoven no mesmo dia já seria incrível, porém com Jäarvi a experiência se intensificou!  Após o intervalo minhas expectativas em relação a 3 ª Sinfonia estavam altíssimas, e   foram superadas em muito, uma das mensagens que Beethoven passou, é que dali para frente a música já não seria mais a mesma. Simplesmente me envolvi nessa teia magnífica e parecia que conseguia ouvir e sentir cada instrumento e naipe da orquestra, tudo soava de forma clara, precisa e os músicos derramavam sentimento. Os tímpanos foram fantásticos, com uma precisão e nuances que me extasiaram. Ao final do primeiro dia, fui para casa com um imenso sorriso no coração.
   No segundo dia do concerto, num Theatro Mvnicipal mais cheio. Novamente, eis a orquestra no palco, dessa vez teremos a Sinfonia nº 4 que na minha humilde opinião ao lado da Segunda e da Oitava são as mais “camerísticas” e exigem muito virtuosismo por parte dos músicos. Posso resumir a apresentação da quarta sinfonia como inebriante e encantadora. A acústica do Mvnicipal parece ter ajudado em muito, foi a primeira vez que reparei na precisão e elegância do maestro Paavo Järvi, e ficou claro que ele estava fazendo um grande serviço à música e à arte com suas interpretações das Sinfonias de Beethoven.
   Na Quinta Sinfonia, que tive a oportunidade de ouvi-la esse ano com a Orquestra do Dudamel na Sala São Paulo, numa interpretação colossal, com uma orquestra enorme, tornando a percepção de detalhes menos precisa devido à imensa massa sonora. A interpretação do Järvi, foi muito mais intimista, e o que mais me agradou foi a sensação de ouvir quase que cada instrumento individualmente, enquanto Dudamel me fez explodir em alegria para fora, a interpretação de Järvi me encheu por dentro, Dudamel foi uma euforia e Järvi levou-me ao meu mais íntimo ser...


   Agora chegamos à Sala São Paulo, depois de dois dias magníficos no Theatro Mvnicipal. Iniciamos com a Sexta Sinfonia, a famosa Pastoral, que já ouvi incontáveis vezes, e por tê-la ouvido tanto pude perceber ao mesmo tempo as nuances de Jäarvi colocou na sua interpretação, que por sinal me agradaram muito, bem como alguns pequenos erros, e até eles foram positivos, pois me tiraram da hipnose onde estava imerso e pude lembrar que todos ali eram humanos como eu, sujeitos a erros, o que faz parte de qualquer apresentação musical de qualidade. No entanto a apresentação da Pastoral imediatamente me remeteu aos campos e bosques, celestiais, sonoramente descritos por Beethoven...
   A Sétima sem dúvida foi o grande momento da noite, a orquestra parece ter se acostumado a acústica da Sala São Paulo, que nos faz perceber tudo principalmente o desagradável e exagerado ruído do público, o qual muitas vezes me atrapalhou... Porém a interpretação da orquestra foi diferente, seu andamento rápido me agradou e uma sensação de absoluta atemporalidade me dominou, como se o relógio simplesmente tivesse parado. As lembranças e sensações dessa noite deixaram sentimentos e emoções difíceis de serem descritos, já me sentia uma pessoa diferente daquela de quinta-feira à noite antes, da primeira apresentação...

    Finalmente o grande dia, nunca vi a Sala tão cheia de gente como no “gran finale” a ansiedade dominava o ar, afinal, a sala estava fechada minutos antes da apresentação, o saguão estava lotadíssimo, teríamos a maior de todas as sinfonias apresentadas no final daquela noite na coroação do maior concerto realizado no século em São Paulo, um único concerto dividido em quatro dias, porém ouvir as sinfonias de Beethoven dessa maneira é a melhor forma de apreciá-las e sentir como foi a evolução musical de Beethoven cuja música marcou a Humanidade para sempre. A Nona simplesmente é a obra mais conhecida de toda a música, ela é absolutamente atemporal e toda e qualquer cultura da Terra pode apreciá-la de braços e ouvidos abertos. Ela está na sonda Voyager que acabou de sair dos limites de nosso Sistema Solar e simplesmente representa o ápice da evolução Humana e de toda a civilização....
 DIE DEUTSHE KAMMERPHILHARMONIE BREMEN Foto Internet

   Ansioso por ouvir a Nona, tivemos uma Oitava Sinfonia simplesmente fantástica, foi nessa apresentação, devido ao fato de ter me sentado numa cadeira mais lateral que pude ver o estilo elegante, preciso e interativo da fantástica regência de Paarvo Jäarvi. Pude ver também o quanto os músicos procuram se ajudar mutuamente numa sinergia que só vejo em quartetos de cordas e em pequenas formações... Tocam como uma grande e íntima família.

    Ao iniciar a Nona as primeiras lágrimas desceram de meu rosto, nesse momento estava inteiramente imerso na música, e com as parcas palavras de nosso vocabulário, torna-se impossível a descrição das sensações da experiência que tive. Apenas quem estava lá e se entregou a música de corpo e alma pode entender daquilo que escrevo. Além da sensação atemporal, tive mais uma vez a prova definitiva que Beethoven foi apenas um intermediário, sem dúvida nenhuma ele trouxe sua interpretação do Divino para todos nós... Depois da Nona nunca mais a música foi a mesma, e sem ela o mundo hoje seria um lugar mais triste, frio e difícil, a profundidade da Nona é inalcançável, a Orquestra junto com o Coro São Paulo simplesmente nos mostraram um Milagre, essa talvez seja uma das melhores maneiras de se definir a Nona é colocá-la  à parte da Música e inseri-la no campo dos Milagres... E posso seguramente dizer que hoje sou uma pessoa diferente depois dessa incrível experiência, algo de mais positivo nasceu em mim apesar dos problemas e vicissitudes de nossa vida nesse mundo louco que vive a ditadura do “dinheiro” e do “ter” e as pessoas parecem estar esquecendo simplesmente do “ser” que é nossa verdadeira essência...
   E para finalizar gostaria de agradecer a todas as pessoas que se envolveram nesse projeto magnífico, em especial toda a equipe do Mozarteum Brasileiro, pois tenho certeza que esse concerto marcou a vida de muitas pessoas...

Marcelo Lopes Pereira

Comentários

  1. Fernanda de Souza Costa comentou a postagem de seu blog no google +

    belo texto! estive lá ouvindo a nona, realmente tocou muita gente presente! a paixão e entusiasmo do maestro contagiou!

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  2. Parabéns pelo texto Marcelo. Muito bom mesmo. Mas, como sempre, um pouquinho exagerado. Concerto do século, é demais né? Do ano posso até concordar, tirando a concertgebouw e o dudamel. Mas do século, é muito exagero.

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  3. Rosana Rodrigues no facebook:
    Maravilhoso artigo de Marcelo Lopes Pereira, por Ali Hassan Ayache! Emocionante.

    Ele descreve a emoção de ouvir Beethoven. Concordo e me identifico desde criança. Beethoven possui intempestividade, passionalidade, profundidade...ele é divino. Colo uma parte do excelente artigo muito linda a seguir: "E posso seguramente dizer que hoje sou uma pessoa diferente depois dessa incrível experiência, algo de mais positivo nasceu em mim apesar dos problemas e vicissitudes de nossa vida nesse mundo louco que vive a ditadura do “dinheiro” e do “ter” e as pessoas parecem estar esquecendo simplesmente do “ser” que é nossa verdadeira essência..." Tudo de OMMM! ♥

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