BUFA E FOFA. CRÍTICA DA ÓPERA UM TURCO NA ITÁLIA DE FABIANO GONÇALVES NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.
OSB, regida por Yuval Zorn, apresentou Um Turco na Itália.
Achei que era uma mise-en-scène quando subiu ao pódio do maestro aquele sujeito empertigado, que parecia uma versão aloirada do personagem Mr. Bean. Mas logo nos primeiros compassos o homem mostrou a que veio, impregnando de graça a abertura da ópera Um Turco na Itália, composta por Gioacchino Rossini (com libreto de Felice Romani), que teve estreia em agosto de 1814. O moço em questão é Yuval Zorn, maestro hierosolimitano que regeu a Orquestra Sinfônica Brasileira na récita de 16 de agosto no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, concerto integrante da série OSB Ópera e Repertório.
A montagem, em formato de cortina lírica, reuniu bons intérpretes brasileiros. A cena é conduzida por um poeta que, diante da chegada de um paxá turco a Nápoles, percebe ser mais fácil do que esperava o cumprimento da tarefa a ele designada: escrever uma peça sobre o eterno tema da mulher sapeca e seu marido abestalhado. No papel do poeta Prosdocimo, o barítono Igor Vieira esbanjou agilidade na voz e compôs um tipo espirituoso. O também barítono Leonardo Páscoa (igualmente talentoso) começou a performance um pouco duro para o marido tonto, Don Geronio, mas foi soltando-se à medida que o espetáculo transcorreu (até chegar a uma ótima interpretação da ária Oh! Guardate che accidente, non conosco più mia moglie).
No protagonismo, um dos nomes mais versáteis da nossa cena operística: o baixo-barítono Lício Bruno. Para encarnar o saliente turco Selim, o intérprete fez uma viagem sem escalas do denso Wolfram, da ópera A Valquíria, de Richard Wagner (apresentada na segunda quinzena de julho), direto para a leveza divertida dessa obra tipicamente rossiniana. Mais que um excelente cantor, Bruno é um artista com presença cênica e inteligência para aproveitar e explorar os momentos que podem proporcionar um completo entendimento da alma do personagem. Em outras palavras: ganha a plateia com seu suingue e sua simpatia.
O elenco masculino completava-se com dois tenores: Jacques Rocha, como o cigano Albazar, e Luciano Botelho, no papel do amante da esposa sapeca, Don Narciso. Ambos cumpriram com bom desempenho seus papéis – este último, com uma parte de maior destaque, deu conta da aguda ária Perche mai se son tradito.
Duas mulheres interessadas em Selim compunham o imbróglio amoroso. A cigana Zaida foi interpretada de maneira apenas correta pela mezzo soprano Laura Aimbiré. Já a esposa traquinas cujo furor amoroso move a ação, Fiorilla, encontrou intérprete na soprano Cláudia Azevedo (em substituição a Edna D’Oliveira, previamente anunciada). Sua voz leve e agradável presença de palco levaram o público a saborosos momentos, como nos irrequietos vocalizes da ária Non si da follia maggiore.
Mas são nos ensembles que Rossini mostra o brilhantismo de sua pena. Além de desenvolver bem os personagens e mantê-los musicalmente coerentes com suas personalidades, o compositor cria pequenas joias, como o trio Un marito scimunito, de Prosdocimo, Narciso e Geronio, ou a DR do casal Geronio-Fiorella, Per piacere alla signora. É nítida a influência de Così Fan Tutte, de Wolfgang Amadeus Mozart, tanto no aspecto da saliência irrestrita dos personagens, como na partitura cheia de momentos vivos e de levíssima escrita.
Maestro, cantores, orquestra e coro (há algumas intervenções de grupos masculino e feminino) executam com profissionalismo essa que, mesmo não sendo a criação mais fulgurosa de Rossini (O Barbeiro de Sevilha ainda resplandece mais vivamente no mundo operístico), se apresenta como uma divertida e, em muitas passagens, fofa obra sobre um dos assuntos mais recorrentes e antigos da Humanidade: a sacanagem.
Fabiano Gonçalves
Fonte: http://www.movimento.com/
Achei que era uma mise-en-scène quando subiu ao pódio do maestro aquele sujeito empertigado, que parecia uma versão aloirada do personagem Mr. Bean. Mas logo nos primeiros compassos o homem mostrou a que veio, impregnando de graça a abertura da ópera Um Turco na Itália, composta por Gioacchino Rossini (com libreto de Felice Romani), que teve estreia em agosto de 1814. O moço em questão é Yuval Zorn, maestro hierosolimitano que regeu a Orquestra Sinfônica Brasileira na récita de 16 de agosto no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, concerto integrante da série OSB Ópera e Repertório.
A montagem, em formato de cortina lírica, reuniu bons intérpretes brasileiros. A cena é conduzida por um poeta que, diante da chegada de um paxá turco a Nápoles, percebe ser mais fácil do que esperava o cumprimento da tarefa a ele designada: escrever uma peça sobre o eterno tema da mulher sapeca e seu marido abestalhado. No papel do poeta Prosdocimo, o barítono Igor Vieira esbanjou agilidade na voz e compôs um tipo espirituoso. O também barítono Leonardo Páscoa (igualmente talentoso) começou a performance um pouco duro para o marido tonto, Don Geronio, mas foi soltando-se à medida que o espetáculo transcorreu (até chegar a uma ótima interpretação da ária Oh! Guardate che accidente, non conosco più mia moglie).
No protagonismo, um dos nomes mais versáteis da nossa cena operística: o baixo-barítono Lício Bruno. Para encarnar o saliente turco Selim, o intérprete fez uma viagem sem escalas do denso Wolfram, da ópera A Valquíria, de Richard Wagner (apresentada na segunda quinzena de julho), direto para a leveza divertida dessa obra tipicamente rossiniana. Mais que um excelente cantor, Bruno é um artista com presença cênica e inteligência para aproveitar e explorar os momentos que podem proporcionar um completo entendimento da alma do personagem. Em outras palavras: ganha a plateia com seu suingue e sua simpatia.
O elenco masculino completava-se com dois tenores: Jacques Rocha, como o cigano Albazar, e Luciano Botelho, no papel do amante da esposa sapeca, Don Narciso. Ambos cumpriram com bom desempenho seus papéis – este último, com uma parte de maior destaque, deu conta da aguda ária Perche mai se son tradito.
Duas mulheres interessadas em Selim compunham o imbróglio amoroso. A cigana Zaida foi interpretada de maneira apenas correta pela mezzo soprano Laura Aimbiré. Já a esposa traquinas cujo furor amoroso move a ação, Fiorilla, encontrou intérprete na soprano Cláudia Azevedo (em substituição a Edna D’Oliveira, previamente anunciada). Sua voz leve e agradável presença de palco levaram o público a saborosos momentos, como nos irrequietos vocalizes da ária Non si da follia maggiore.
Mas são nos ensembles que Rossini mostra o brilhantismo de sua pena. Além de desenvolver bem os personagens e mantê-los musicalmente coerentes com suas personalidades, o compositor cria pequenas joias, como o trio Un marito scimunito, de Prosdocimo, Narciso e Geronio, ou a DR do casal Geronio-Fiorella, Per piacere alla signora. É nítida a influência de Così Fan Tutte, de Wolfgang Amadeus Mozart, tanto no aspecto da saliência irrestrita dos personagens, como na partitura cheia de momentos vivos e de levíssima escrita.
Maestro, cantores, orquestra e coro (há algumas intervenções de grupos masculino e feminino) executam com profissionalismo essa que, mesmo não sendo a criação mais fulgurosa de Rossini (O Barbeiro de Sevilha ainda resplandece mais vivamente no mundo operístico), se apresenta como uma divertida e, em muitas passagens, fofa obra sobre um dos assuntos mais recorrentes e antigos da Humanidade: a sacanagem.
Fabiano Gonçalves
Fonte: http://www.movimento.com/
Comentários
Postar um comentário